sábado, janeiro 27

Na paz da desordem

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1999
Autor : Jim Thorton

Quem tirou o controle remoto do lugar?

É meia-noite quando, depois de uma semana ausente, retorno de uma viagem de trabalho e abro a porta da frente de minha casa. Enquanto giro a maçaneta, rezo para que pelo menos dessa vez minha família tenha se esforçado em arrumar a casa para receber o patriarca exausto e saudoso.
Foi talvez por ter a mente trunca por pensamentos contraditórios que nos últimos anos acabei me tornando intolerante em relação à desordem doméstica. Nesse aspecto recebo pouco apoio. Minha mulher, Debbie, parece comprazer-se com a bagunça. Sua filosofia sobre decoração do lar formou-se durante uma infância em que nenhuma quinquilharia era insignificante demais para ser exibida, nenhum pedaço de papel merecia ser jogado fora. Debbie encara a vida como se a sobrevivência dependesse do maior número possível de objetos reunidos.
Ela perde em média três horas por semana só procurando as chaves do carro. Eu, no entanto, sempre as coloco exatamente no mesmo lugar, e fico uma fera quando não estão onde deveriam. Nessas questões, sou como o peru, que, segundo ouvi dizer, morre de fome se tirarem sua ração do local costumeiro. Mesmo que isso não seja verdade, descreve-me com perfeição.
Enquanto empurro a porta, imagino uma sala totalmente despojada de entulhos, à semelhança de um quarto de convento. Mas uma olhada basta para me mostrar que essa fantasia não vai se tornar realidade.
“Desculpe!”, diz Debbie, recebendo-me com um abraço. “Peguei uma gripe, por isso os meninos e eu deixamos tudo para lá.”
Vivendo a fase da arquitetura infantil, nossos filhos, Bem, 9 anos, e Jack, 5, converteram todo o andar térreo em uma aldeia de fortes interligados. Estenderam colchas, lençóis e sacos de dormir de uma cadeira a outra, firmando suas construções com pilhas de travesseiros, livros, troféus esportivos e um pufe precariamente equilibrado. Espalhadas por essa ‘favela’ vêem-se fichas de jogo, caixas de pizza manchadas de gordura, peças de quebra-cabeça e toda espécie de destroços domésticos.
Uma onda de fúria toma conta de mim. Olho para Debbie como se dissesse: É demais pedir que eu possa voltar a uma casa e não a um barraco? Mas, quando me abaixo para arrancar uma colcha de retalhos do forte, uma voz soa baixinho:
“Papai, venha nos procurar”, diz Jack.
É tão tarde que eu tinha certeza de que os meninos estariam na cama. Olho para Debbie, que sorri e explica:
“Eles estavam agitados demais para dormir!”
Tão rápido como veio, a raiva se vai. Bem devagar, levanto uma ponta da colcha, revelando a entrada do labirinto. Então rastejo para dentro do forte, onde os garotos esperam na escuridão.
“Oi, papai!”, diz Bem.
“Oi, papai!”, ecoa Jack.
E acrescentam, juntos.
“Sentimos sua falta!”
Trocamos abraços e logo Debbie se junta a nós dentro dessa obra da desordem.
Sinto-me calmo, distante do mundo dos compromissos, do stresse e dos prazos finais. Compreendo que, quando Debbie e eu envelhecermos, não serão lembranças de uma casa anti séptica que nos trarão alegria, mas sim recordações de um lar informal, repleto de liberdades e trastes.
Depois que todos vão para a cama, minha paz com a bagunça dura uns 15 minutos. Com o relógio biológico ainda desregulado, procuro o controle remoto da TV. Ai, meu Deus! Ele não está onde sempre o deixo... E a caçada recomeça.

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