terça-feira, abril 24

Drama em Ponta Bergen

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Thomas Gallagher

Como o comandante de um rebocador e seus cinco marinheiros ajudaram a evitar o que poderia ter sido a maior catástrofe da história da navegação.

Para o capitão George Sahlberg, comandante do rebocador Julia C. Moran, o dia 16 de junho começou rotineiro. Ele e seus cinco tripulantes tinham rebocado uma barcaça de combustível, passando pela Estátua da Liberdade até a um navio ancorado na baía de Nova York. Com mais dois rebocadores iguais da Companhia Moran, eles haviam levado um transatlântico para seu ancoradouro no Rio Hudson. Depois, no local onde estavam consertando um cais, em Brooklyn, eles habilmente encostaram uma torre de bate estacas.
Eram duas horas da tarde de um dia de céu azulado, águas tranqüilas e uma ligeira brisa do sul. Estavam amarrados no estaleiro Moran em Staten Island, aguardando ordens. Sahlberg, homem troncudo, de rosto crestado e mais de 30 anos como comandante de rebocadores da Moran, manteve a máquina funcionando. “Nesse negócio, nunca se sabe o que nos espera.”
Quinze minutos depois, pelo seu rádio de ondas curtas, veio a ordem que tornou aquele um dia que Sahlberg jamais esqueceria: “Dirija-se para a Ponta Bergen. Há um problema lá.” E depois silêncio.
Pela voz, Sahlberg percebeu que o negócio era grave. As águas confinadas ao largo da Ponta Bergen eram das mais perigosas da baía de Nova York. Muitas vezes navios tanques com dois quarteirões de comprimento passam a metros um do outro em seu curso pelo Kill Van Kull, estreito canal que separa Staten Island de Bayonne, em Nova Jersey.
“Oh, Inge!”, berrou Sahlberg ao seu imediato. “Encrenca perto da Ponta Bergen! Vamos embora!”
Enquanto o Julia se dirigia para o Kill Van Kull, Inge Nordberg e o marinheiro Jerry Thorpe prepararam cabos extra fortes. O maquinista chefe Richard Decker e seu ajudante George Hudson cuidaram da mangueira de incêndio, extintores e mais equipamento de rebocar. Até Frank Oliveiras, o cozinheiro, deu uma ajuda.
Ao dobrar uma ponta de terra, da cabina alta do Julia, Sahlberg tinha ampla visão. Diretamente à frente, logo ao lado da Ponta Bergen, ele viu dois imensos navios tanques formando um ângulo reto, e tão juntos que era fácil perceber imediatamente que tinham colidido no meio do canal. Embora seus próprios rebocadores estivessem por perto, o Julia foi de fato o primeiro socorro a chegar ao local do sinistro.
“Não há fogo”, disse Inge a Sahlberg.
Cada qual sabia o que o outro estava pensando. Naquele dia, mais cedo, passando pelo Kill, tinham cruzado por um dos navios tanques, o Texaco Massachusetts, de 175 metros de comprimento. Ele estava descarregando gasolina de alta octanagem, o que significava que o ar dentro de seus tanques, agora vazios, estava carregado de explosivas emanações de gasolina. Isso o tornava ainda mais perigoso do que carregado; era uma verdadeira bomba flutuante de 16.500 toneladas a apenas uns 200 metros do parque de tanques da Texaco na extremidade da Ponta Bergen, onde se encontravam armazenados 47,8 milhões de galões de derivados de petróleo altamente inflamáveis.
Sahlberg não sabia, mas o outro navio tanque, o Alva Cape, de 11.252 toneladas, levava 4,2 milhões de galões de nafta, um solvente de petróleo altamente volátil. E de onde estava não podia ver a fenda de nove metros na sua proa, os milhares de galões de nafta jorrando de seus tanques dianteiros, que se espalhavam com perigo mortal sobre a água em volta dos navios.
Mas a bordo do rebocador Latin American, preso ao Texaco Massachusetts a apenas 45 metros do fluxo de nafta, a tripulação percebeu o perigo e lutou desesperadamente para afrouxar seu cabo de reboque. Em vão. Uma fagulha do gerador incendiou os vapores de nafta, sugados por um ventilador para dentro da casa de máquinas. O rebocador explodiu, espalhando fogo e estilhaços por toda a volta. Uma enorme labareda em forma de cogumelo iluminou a área quando os vapores pairando sobre os navios e vertendo do Alva Cape também se incendiaram.
Para Sahlberg, agora a 500 metros da cena dantesca, parecia o princípio do fim do porto de Nova York. O Alva Cape, um inferno fragoroso, impelido pela corrente girava para a esquerda em torno de sua âncora. Dentro de cinco minutos ele estaria emparelhado com o Texaco Massachusetts. Se este explodisse, toneladas de metal incandescente voariam sobre os tanques da Texaco na Ponta Bergen.
Uma vez liquidados os tanques da Texaco, as chamas se espalhariam rapidamente para os tanques do terminal da Ross Oil, a apenas alguns quarteirões de distância, e depois para os tanques vizinhos da Humble Oil Company e das Indústrias Bayonne. Ao todo, 26 terminais e refinarias, contendo bilhões de galões de produtos químicos e derivados de petróleo inflamáveis, espalhavam-se em torno da área de colisão. Se o fogo se alastrasse, o porto e todos os navios estariam em perigo. A Estátua da Liberdade seria envolvida pelas chamas. Todas as janelas do centro de Nova York seriam estilhaçadas quando explodissem os tanques de petróleo. Do lado de Nova Jersey, as cidades de Newark, Bayonne, Elizabeth, Gulfport, Corteret e Perth Amboy teriam de ser evacuadas e, com a maré subindo, o óleo ardendo sobre as águas seria levado para a própria Manhattan.
Se Sahlberg tivesse escapado com o Julia de uma situação daquelas, ninguém o culparia. Mas ele estava vendo os tripulantes do Alva Cape, alguns saltando ao mar com as roupas em fogo. Para alcançar a Ponta Bergen, eles teriam de nadar em volta de seu navio e através da nafta ardente. O Julia, a apenas 200 metros deles, era a única salvação.
Sahlberg não hesitou. “Mandem ambulâncias e médicos para as docas”, irradiou ele para o seu posto. “Vamos avançar para recolher os sobreviventes.”
Aproximou-se a favor do vento, para que a fumaça soprasse para longe do Julia. Logo a água em volta do seu rebocador formigava de homens gritando para serem puxados para bordo. Mais adiante, porém, havia dois sobreviventes desesperados numa corrida de vida ou morte com a parede de chamas que se avolumava sobre eles como um vergalhão. “São eles que estão em maior perigo”, disse Sahlberg para sua tripulação. “Temos de socorre-los primeiro.”
O Julia estava tão perto do Alva Cape que sua tripulação ouvia o crepitar das chamas e o ruído surdo das bolhas de tinta arrebentando na linha da água. Tensos, Nordberg e Thorpe esperavam no convés, os cabos de içar preparados. Ambos lançaram-nos com perfeição e os cabos caíram a poucos centímetros dos dois homens na água. Desesperadamente, os homens os agarraram. Mas aí aconteceu outra coisa pavorosa.
O segundo dos rebocadores de serviço, o Esso Vermoat, a apenas 100 metros do Alva Cape, explodiu, matando toda a tripulação. Labaredas brancas lançavam-se em todas as direções e agora o próprio Julia estava pegando fogo. “Não tragam esses homens ainda!” gritou Sahlberg. “Vou dar marcha à ré e nós os puxaremos atrás de nós.“
Devagar, para não abalroar nenhum dos sobreviventes por quem tinha passado antes, ele puxou os homens para fora do mar de chamas. Livres do inferno, os dois foram rapidamente içados e enrolados em cobertores.
Agora cada segundo era importante. Os homens em volta do rebocador, aos gritos, tinham de ser içados para bordo antes que a nafta em fogo os alcançasse. Enquanto Sahlberg manobrava seu rebocador no meio daquelas cabeças ondulantes e braços estendidos, Nordberg e Thorpe, na proa, lançavam cabos para os homens mais afastados. O maquinista, seu ajudante e o cozinheiro concentraram-se nos que estavam mais perto e podiam ser içados à mão.
Da cabina do comando, Sahlberg viu o Alva Cape em chamas aproximar-se cada vez mais do Texaco Massachusetts. Estava na hora de correr. Comunicou-se com a sua base: “Estamos a caminho do estaleiro. Vinte e três sobreviventes.”
Minutos depois os sobreviventes eram transferidos do rebocador para as ambulâncias à espera. Sahlberg e sua tripulação voltaram ás pressas para o local do sinistro. Três barcos de bombeiros, dois da Guarda Costeira e mais cinco rebocadores da Morgan haviam chegado. Enquanto os bombeiros lançavam enormes jatos de água e espuma sobre o Alva Cape, o navio tanque em chamas emparelhou – aproximando-se cada vez mais – com o Texaco Massachusetts. Pela segunda vez naquele dia Sahlberg percebeu o que era preciso fazer e não hesitou. Coordenando os esforços do Julia com os dos outros rebocadores da Moran, lançou-se à tarefa mais urgente de todas: rebocar o Texas Massachusetts para longe do Alva Cape antes que este explodisse.
Não seria fácil. O Texaco Massachusetts tinha sido abandonado, de modo que não havia ninguém a bordo para puxar a âncora. Se os rebocadores tentassem arrasta-lo, sua âncora cortaria o cabo principal das linhas de força e telefone entre Staten Island e Nova Jersey.
Enquanto dois rebocadores manobravam sob a proa do navio tanque, Sahlberg aproximou o Julia pelo lado de estibordo. Dali, Nordberg galgou a escada de abordagem do rebocador indo para o convés superior do navio tanque. Mergulhando até aos joelhos na espuma contra fogo, ele puxou para bordo uma pesada espia do Julia e prendeu-a . Em seguida o Susan Moran colocou-se ao longo do navio tanque e mais uma vez Nordberg, usando apenas a força bruta, içou seu cabo de rebocar e também o prendeu. Enquanto isso, mais gente da Moran tinha subido no navio; vendo que ainda havia energia elétrica a bordo, acionaram o mecanismo da âncora e ergueram-na acima da água.
Com os barcos da Guarda Costeira abrindo caminho, o navio escaldante e cheio de fumaça foi rebocado a passo de enterro para um ancoradouro perto do Brooklyn. Ali as tripulações dos rebocadores soltaram seus cabos e retornaram às suas ocupações rotineiras. Depois souberam que o incêndio a bordo do malfadado Alva Cape tinha sido debelado.
Naquela noite, ao volta para casa em Brielle, Nova Jersey, Sahlberg ficou encabulado quando o receberam como herói. Modesto, ele dizia que não tinha feito mais do que os outros. Mas os fatos mostravam o oposto. Trinta e três homens tinham perecido no desastre. Dos 77 que foram salvos, o Julia recolhera 23. Além disso, fora ele quem dirigira o trabalho de afastar o Texaco Massachusetts daquele inferno, evitando assim o que poderia ter sido uma das maiores catástrofes da história da marinha mercante.
Quatro meses depois, o Prefeito John Lindsay, concedeu a Sahlberg uma condecoração municipal, em reconhecimento por sua “liderança e coragem”. No mês seguinte, o Departamento do Comércio concedeu ao Julia Moran o “Prêmio de Valor Marítimo”, a maior honra que o governo americano pode conceder a um navio mercante. Sahlberg recebeu ainda uma medalha por Serviços Excepcionais à Marinha Mercante e seus tripulantes receberam elogios, condecorações e medalhas por serviços meritórios. Antes do fim do ano, foi prestada a Sahlberg a maior homenagem de todas: a “American Bureau of Shipping Valor Medal” ( Medalha de Bravura do Departamento Americano de Marinha Mercante ), concedida apenas três vezes desde sua criação em 1928.
Hoje George Sahlberg está reformado, mas de vez em quando, na varanda de sua casinha à beira mar, em Nova Jersey, ele mostra a medalha a um amigo. De todos os aposentos da casa, ele prefere a varanda pois dali avista seu barco de pesca balançando na enseada, a alguns metros da praia, e fica olhando seus netos pulando de alegria cada vez que pescam um caranguejo.

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