quinta-feira, abril 26

Espirituosidade via telégrafo

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : Christopher Buckley

Antes da opção do e-mail, a saída era o telegrama.

Verificando meu e-mail outro dia, vi meia dúzia de mensagens, nenhuma com menos de cem palavras ou realmente urgente. Uma delas, de alguém que eu acabara de conhecer, continha 1.286 palavras.
Nos dias em que mensagens eletrônicas eram de fato urgentes, cada palavra contava – literalmente. Lembro-me de tentar reduzir um telegrama às 15 palavras da tarifa reduzida. Os telegrafistas, além de excelentes editores de texto, eram tão rigorosos que não permitiam que você se esquivasse tentando transformar múltiplas palavras em uma só com a simples inclusão de hífens. “Abraços-e-beijos?’ são três palavras, senhor.”
Já se passou muito tempo desde a última vez que recebi ou enviei telegrama. Chamadas interurbanas baratas, fax e e-mail nos permitem ser tão prolixos quanto quisermos. E na ânsia da comunicação instantânea, mal fazemos pausa para lamentar o fim do telegrama como gênero literário.
À medida que desaparecem de nossas vidas aqueles típicos formulários de telegramas, o mesmo acontece à poesia, ao drama e à espirituosidade.
Os telegramas tem o próprio código de palavras – PONTO, BREVE, CONTINUANDO, AVISEM, -, representando sentenças congeladas. O formulário em si foi criado para obter concisão.
Em sua introdução a Barbed wires, compilação feita por Joyce Denebrink de telegramas engraçados, Marvin Kitman escreveu que o americano Samuel Morse, inventor do telégrafo, “despiu a língua de suas inutilidades”. A primeira mensagem oficial telegrafada de Morse, enviada em 24 de maio de 1844 do Capitólio americano, continha apenas quatro palavras: VEJAM UM FEITO DIVINO.
Desde aquelas batidinhas na tecla do primeiro telégrafo de Morse até a intensa atividade nas teclas do aparelho cento e trinta e tantos anos depois, os cabos vibraram com ditos espirituosos. Não havia instrumento mais perfeito a fim de se dizer algumas verdades para alguém.
O melhor de todos foi, provavelmente, aquele enviado a Lord Home, ministro das Relações Exteriores britânico: “VÁ PARA O INFERNO. SEGUE CARTA COM INSULTOS.” Dois titãs da réplica se sobrepujaram quando George Bernard Shaw convidou Winston Churchill para a estréia de sua nova peça; “ESTOU RESERVANDO PARA VOCÊ DUAS ENTRADAS PARA MINHA PREMIÈRE. VENHA E TRAGA UM AMIGO – SE TIVER UM..” A resposta de Churchill: “IMPOSSÍVEL COMPARECER À PRIMEIRA APRESENTAÇÃO. ASSISTIREI À SEGUNDA, SE HOUVER.”
O tráfego de telegramas entre os correspondentes de guerra e seus diretores na matriz propiciou grandes momentos. Quando a Itália invadiu a Etiópia em 1935, circulou em Londres um falso boato de que uma enfermeira americana havia sido morta num ataque aéreo de surpresa. O enviado especial Evelyn Waugh recebeu essa mensagem de seu editor: “NECESSITO IMEDIATAMENTE HISTÓRIA ENFERMEIRA AMERICANA EXPLODIDA.” Waugh telegrafou de volta: “ENFERMEIRA NÃO EXPLODIDA.”
Quando em 1898 certo ilustrador em Havana telegrafou a William Randolph Hearst: “NÃO VAI HAVER GUERRA.” Hearst telegrafou de volta: “VOCÊ FORNECE AS IMAGENS E FORNECEREI A GUERRA.” Em pouco tempo se desencadeou a Guerra Hispano-Americana.
Aquilo que se lia em telegrama dependia do ponto de vista do leitor. Determinado advogado que inesperadamente ganhou uma causa difícil para seu cliente telegrafou: “JUSTIÇA TRIUNFOU.” O cliente respondeu: “RECORRA IMEDIATAMENTE.”
No meio de comunicação em que a brevidade era fundamental, o erro mais insignificante podia ser um lampejo freudiano. Certo diretor de Hollywood, que estava em filmagens com a sedutora atriz principal, enviou a seguinte mensagem à esposa: “DIVERTINDO-ME MUITO. QUERIA QUE VOCÊ FOSSE ELA.”
Os militares não tentam ser engraçados em seus telegramas, mas às vezes acabam sendo.
Na época da Grande Armada Britânica, um marinheiro, querendo se assegurar de que seu almirante tivesse roupas limpas depois da viagem ao mar, telegrafou a terra: “QUEM VOCÊ RECOMENDA PARA MULHER DO ALMIRANTE?”, rapidamente seguido de “FAVOR INSERIR LAVADEIRA ENTRE MULHER E ALMIRANTE.”
Às vezes, a concisão levou à confusão. Em 1933, a embaixada americana na Bulgária telegrafou para seu país: “NASCEU A FILHA DA RAINHA IOANNA. ENVIAR CONGRATULAÇÕES AO PRIMEIRO-MINISTRO.”
Mas hoje, quando se vive na era de computadores que conseguem transmitir livros em três segundos, quem tem tempo para ser breve?

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