sexta-feira, abril 13

Médicos em "Férias para a humanidade"

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1971
Autor : Clarence W. Hall

Sem alarde, centenas de médicos deixam suas tarefas regulares para levar sua técnica a regiões longínquas onde médicos são escassos e grassam as doenças

Passando pelo hospital de uma missão no interior da África, há poucos anos, fiquei observando um médico enquanto ele envolvia em ataduras o pé de um menino mordido de cobra. Percebendo minha presença o facultativo se voltou e, para minha surpresa, reconheci um médico americano amigo meu.
“Em nome de Deus, que é que você está fazendo aqui?”, indaguei impulsivamente.
“Obrigado pelo apoio explícito”, respondeu ele sorrindo. “Mas, sério mesmo, estou só de férias.”
Desde então, viajando por muitas regiões remotas do mundo, tenho encontrado outros que, como meu amigo, estão dedicando suas férias à humanidade, em lugares onde médicos são escassos e as doenças generalizadas. Indo para o estrangeiro – à sua própria custa – por três semanas ou três meses, eles são o que a revista médica americana descreve como “um novo tipo de curandeiro no cenário mundial – o médico internacional que chega à conclusão de que o privilégio de praticar Medicina num país rico, cientificamente avançado, traz consigo a obrigação de passar algum tempo servindo os bilhões de seres humanos que raramente – ou nunca – vêem um médico”.
Entre as inúmeras entidades que recrutam médicos para serviço temporário no exterior está uma organização chamada Programas de Assistência Médica (MAP), que tem 3.000 sócios e é um ramos da Sociedade Médica Cristã. O MAP é em grande parte criação de J. Raymond Knighton, um homem alto e dinâmico, de 48 anos, que se recusa a admitir que alguma coisa seja impossível.
Em 1954, convencido de que o humanitarismo que leva os homens à Medicina poderia ser convocado para ajudar seus colegas em locais no estrangeiro, ele propôs-se a desafia-los com um programa de várias fases. Depois de delinear uma fase, o serviço “Missionário a Curto Prazo”, para os membros da Sociedade Médica Cristã (“Você arranja o tempo – nós arranjamos o local”), logo teve uma porção de voluntários.
Preeminente entre os recrutas entusiasmados de Knighton está o Dr. C. Everett Koop, chefe de cirurgia no Hospital de Crianças de Filadélfia, que tem tomado parte em muitos safáris médicos do MAP. Um destes ocorreu há poucos anos quando a República Dominicana pedia ao MAP ajuda às crianças que estavam morrendo às centenas de desidratação devido à disenteria. O Dr. Koop voou para lá, estudou a situação, instalou centros de reidratação e treinou médicos e enfermeiros locais para opera-los. Hoje, com 25 desses centros em funcionamento, a percentagem de mortalidade infantil caiu de 40% a quase zero.
Outro voluntário é o Dr. Ralph Blocksma, um eminente cirurgião plástico. Blocksma tem feito viagens às Américas Central e do Sul, ao Oriente Médio, à África, Tailândia, Coréia e Vietnam. Algumas viagens tem tido resultados surpreendentes além dos estritamente médicos.
Em 1958, por exemplo, quando estava no Panamá, Blocksma ouviu falar de um menino índio Cuna com lábio leporino. Desconfiando de todos os estranhos, os Cunas tinham durante séculos se recusado a permitir escolas ou hospitais em sua terra natal nas Ilhas San Blas, ao longo da costa panamenha. Missionários eram igualmente proibidos.
Ousadamente, Blocksma foi à terra do menino, viajando num aviãozinho e numa canoa pequena feita de um só lenho, e, contrariando a oposição violenta dos curandeiros locais, persuadiu os pais do menino a deixa-lo corrigir a deformidade. A operação foi um sucesso e o chefe da ilha explicou:
“Como um homem simples pode realizar tal milagre!”
Blocksma retrucou:
“Eu sirvo a alguém que deseja ajudar a todos. Gostaria de saber mais a respeito dele?”
O menino e seus pais ficaram famosos e foram levados de ilha em ilha para mostrar o “milagre”. Outros chefes de ilhas convidaram missionários e médicos a irem visitá-los. Hoje, missões, assim como clínicas e escolas, operam nas 350 ilhas.
Se bem que a maioria dos médicos que servem no exterior normalmente tenham de fazer seus planos com antecedência, muitos estão prontos para partir ao primeiro chamado quando alguma crise exige ação rápida. Isso ocorreu em outubro de 1969, por ocasião de uma grave epidemia de poliomielite que assolou a outrora temida tribo de índios Auca, que vivem perto das cabeceiras do Amazonas. Quando o apelo transmitido por ondas curtas chegou ao MAP, 250 aucas tinham sido atingidos e 16 haviam morrido. Knighton rapidamente localizou um voluntário: Dr. Juan F. Correa, do Centro Médico da Universidade de Oklahoma.
Vinte e quatro horas depois de deixar Oklahoma, Correa, levando consigo 1.000 doses de vacina de pólio, estava num pequeno hospital de missão às bordas da selva equatoriana. Usando um pulmão de aço e dois respiradores emprestados por um hospital do governo de Quito, o Dr. Correa e um médico missionário trabalharam dia e noite. Em duas semanas eles tinham a epidemia sob controle. Então, a bordo de um minúsculo avião missionário, Correa visitou cinco clínicas remotas na selva para imunizar as tribos vizinhas de Jivaros e Quíchuas. Resultado: a epidemia foi detida em sua marcha e três tribos foram salvas de uma dizimação quase certa.
Há várias outras organizações que promovem a idéia de médicos servirem no exterior, onde realizam operações acima da capacidade dos médicos locais, encarregam-se temporariamente de um hospital de missão cujo único médico foi afastado por morte ou doença, ajudam a instalar novas clínicas no interior e a treinar enfermeiras nativas e auxiliares para dirigi-las, demonstram novas técnicas e equipamentos a médicos há muito tempo fora de contato com os progressos da Medicina. Mas onde o MAP supera os demais grupos é em sua variedade de serviços subsidiários. Um deles é um departamento de compras através do qual médicos e hospitais de missões podem adquirir equipamento médico com desconto de até 70%.
Fornecidos gratuitamente àqueles que não podem pagar, existem assinaturas de revistas médicas, filmes e gravações de conferências em sociedades médicas, livros didáticos equipamento usado.
O MAP oferecem também um serviço de orientação por correspondência para médicos que se deparam com problemas além de sua capacidade. Por exemplo, um médico na África há pouco tempo solicitou orientação para corrigir um caso grave de pés tortos numa criança recém nascida. “Assisti a uma demonstração desse treinamento”, escreveu o médico, “mas não me lembro dos detalhes.” Knighton comunicou-se com um pediatra que, veio a saber, dividia o consultório com o especialista cuja demonstração o médico da África tinha assistido. Em 24 horas uma descrição detalhada do tratamento estava no correio. Resultado: uma criança com pés normais.
Em termos de quantidade apenas o serviço mais volumoso do MAP para médicos e hospitais no exterior é sua coleta e distribuição de medicamentos excedentes e outros suprimentos doados por laboratórios e casas de equipamento médico. No ano passado foram enviadas 950 toneladas no valor de 16 milhões de dólares a cerca de 500 médicos em 64 países.
A sede do MAP em Wheaton, Illinois, é uma colméia crescente de atividade. Seu centro palpitante é um depósito que ocupa mais de 3.500 metros quadrados, cheio de suprimentos médicos. Cerca de 100 médicos cuidadosamente selecionados em países em desenvolvimento recebem de Knighton uma lista bimestral de mais de 600 artigos disponíveis. Chefiando o atendimento dos pedidos está um farmacêutico diplomado. O material é embalado em caixas revestidas de metal, construídas para resistir aos meios mais primitivos de transporte.
Como é financiado um trabalho tão gigantesco e diversificado? Principalmente por meio de contribuições individuais, sendo mais de dois terços em pequenas doações; as despesas operacionais são baixas, pois há apenas um pequeno núcleo de funcionários pagos, ampliado por grupos voluntários.
“Num trabalho como o nosso”, diz Knighton, “é impossível predizer as dimensões da procura. Se o dinheiro entra, nós gastamos; se não, não gastamos...exceto em emergências. Então pedimos emprestado a bancos e rezamos para que o dinheiro apareça quando vencerem as promissórias. De alguma forma, embora passemos a maior parte do tempo apertados, conseguimos agüentar-nos.”

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