quarta-feira, abril 11

A macieira da primavera

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1998
Autor : Robert Klose

A velha árvore simbolizava o calor de uma comunidade.

Sou sempre acometido pela inquietação de que a primavera talvez não chegue. A paisagem de inverno parece abandonada, com as colinas, o céu e a floresta fundidas numa única mancha cinzenta, semelhante à base de tinta que um artista espalha na tela antes de criar uma obra de arte. Fico desanimado, como aconteceu há 15 anos, ao ver a neve cair no primeiro ano que passei no nordeste dos Estados Unidos. “Espere aí”, aconselhou um vizinho, “um belo dia você acorda e descobre que a primavera acabou de chegar.”
Dito e feito. Despertei com a manhã tão verdejante que parecia carregada de eletricidade. Como se bastasse ligar um interruptor para se obter a primavera. As colinas, o céu e a floresta revelaram os tons púrpuras, os azuis, os verdes. As folhas despontaram nas árvores, os passarinhos apareceram e as flores selvagens desabrochavam por toda a parte.
Havia também a velha macieira. Fica em um terreno baldio nas cercanias. Não pertence a ninguém e por isso é propriedade de todos. Os galhos escuros e retorcidos se estendem à vontade, sem poda. Toda primavera floresce de tal forma que o ar fica saturado com o perfume de maçãs. Quando dirijo com as janelas abertas, tenho a sensação de estar penetrando em outro elemento, como um garoto num escorrega.
Até o ano passado, achava que era o único a reparar nessa árvore. Outro dia, em um acesso de loucura de primavera, saí de casa com um aparador para podar alguns de seus galhos errantes. Logo que cheguei sob seus galhos, os vizinhos começaram a abrir as janelas e a aparecer nas varandas. Eram pessoas que eu pouco conhecia e com quem raramente falava. Agiam como se eu estivesse invadindo seus jardins particulares.
A vizinha que mora em um trailer foi a primeira a falar. “Você não vai cortá-la, vai?”, perguntou, cheia de ansiedade. Outro vizinho gemeu quando cortei um galho. “Não a mate!”, pediu.
Logo metade da vizinhança me acompanhava sob a sombra da macieira. Ocorreu-me que só naquele momento, depois de cinco anos morando na área, eu estava aprendendo os nomes daquelas pessoas, o que faziam para viver e de que modo passavam o inverno. Era como se a velha macieira estivesse nos reunindo sob seus galhos com o objetivo duplo de nos aproximar e compartilhar seus prodígios. Não pude deixar de me lembrar das palavras do poeta Robert Frost:

Aquelas árvores que tem
em cada botão
o dom de dar à natureza trevas e
ser um bosque no verão.

Certo dia, vi um de meus vizinhos no armazém. Ele reparou que o inverno estava se alongando demais e lamentou não ter visto ou conversado muito com ninguém das redondezas. Então, reorganizando os pensamentos, olhou para mim e disse: “Precisamos podar de novo a macieira.”

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