quinta-feira, abril 5

Eu era a mocinha das rosquinhas

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1999
Autora : Elinor Markgraf

Eu não sabia que minha tarefa mais importante nada tinha a ver com roscas.

Nos tempos da faculdade, eu trabalhava meio expediente numa loja do centro que vendia rosquinhas e café. Localizada num quarteirão onde paravam dezenas de ônibus, servia aos passageiros que tinham de esperar alguns minutos pela condução.
Eu servia o café em copos descartáveis e era paciente com os fregueses que apontavam para o balcão e diziam:
“Aquela não, a outra, duas fileiras depois.”
Todas as tardes, por volta das 4 horas, um grupo de crianças, vindos da escola, invadia a loja, e as vendas sofriam uma parada repentina. Os adultos davam uma olhada, viam o tumulto e passavam direto. Eu não me importava que os garotos esperassem o ônibus num lugar quente e seco. Não ganhava comissão e... bem, às vezes, um deles tinha umas moedas a gastar.
Cheguei a conhece-los bem. As meninas mais velhas me falavam dos namorados e as menores contavam sobre a escola e me mostravam os desenhos que tinham feito na aula. Os meninos eram mais retraídos, preferindo guardar seus segredos; contudo, todos os dias esperavam dentro da loja até o ônibus chegar.
Às vezes eu pagava uma passagem quando faltava um passe – e o dinheiro era sempre devolvido no dia seguinte. Quando nevava, as crianças e eu esperávamos ansiosas por um ônibus muito atrasado. Elas ligavam para os pais para dizer que estavam bem. Na hora de fechar, eu trancava a porta e ficávamos na loja aquecida até que o ônibus finalmente chegasse.
Distribuí muitas rosquinhas em dias de neve.
Gostava de meus amiguinhos, mas nunca me ocorreu que tivesse um papel importante na vida deles – até que, numa tarde de sábado, um homem com ar sério entrou na loja e perguntou se eu era a moça que trabalhava nos dias úteis, à tarde. Eu confirmei e ele se identificou como o pai de dois dos meus favoritos: um casal de irmãos.
“Quero lhe agradecer pelo que faz por meus filhos. Fico preocupado ao pensar que eles tomam dois ônibus na volta para casa. É muito importante saber que podem esperar aqui e que você está de olho neles.”
Respondi que não fazia nada de mais, e que gostava das crianças.
“Não, você não está entendendo. Quando estão com a moça das rosquinhas, sei que estão seguros. O que você faz é muito! E eu lhe sou imensamente grato.”
Então, eu era a Moça das Rosquinhas. Não só recebera um título, mas me tornara um ponto de referência.
Hoje penso em todas as pessoas que ficam de olho nos meus filhos quando eles se aventuram no mundo. Nem chego a tomar conhecimento da existência de algumas, e de outras só venho a saber por acaso. Parece estranho saber da vida que meus filhos levam longe de mim. Em suas idas e vindas estabelecem relacionamentos com adultos e estes se tornam, digamos, Moças das Rosquinhas.
Como o pessoal da pista de skate, que deixou meus filhos ligar para casa e que, numa crise de transportes, até recebeu o telefonema de uma mãe aflita.
“Estou procurando meus gêmeos. Eles são...Bem, são parecidos, e disseram que estariam em sua loja.”
“Claro, estavam mesmo. Foram encontrar a irmã. Quer deixar algum recado?”
Ou o motorista de ônibus, que levava minha filha até o fim da linha, tarde da noite, e não ia embora até que eu chegasse para apanha-la.
“Ela sempre faz isso, mãe. Diz que aqui é muito isolado à noite e que não se sentiria bem se não esperasse. Sabe que você está chegando.”
Ou ainda o simpático xerife, que teve pena dos meus filhos, voltando para casa a pé no meio de uma chuvarada, quando eu estava no trabalho – embora no dia seguinte o telefone tocasse o tempo todo com os vizinhos curiosos.
“Foi um carro da polícia que vi na porta da sua casa ontem à noite?”
Não, aquele não era um carro da polícia. Era uma Moça das Rosquinhas.

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