sábado, abril 28

Jogando sinuca com meu 'velho'

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1999
Autor : Pat Jordan

Durante toda a vida desejei mostrar a ele como eu era bom nesse jogo. Aquela era a minha chance...

Meus pais estavam conosco havia apenas dois dias quando tive uma discussão com papai. Sempre discutimos muito. Foi por isso que os convidei a passar alguns dias comigo e minha mulher. Para enfim fazermos as pazes.
Depois da discussão, telefonei para meu irmão, George, e contei o que tinha acontecido.
- Por que você não consegue se dar bem com ele? – perguntou meu irmão, 13 anos mais velho do que eu.
- Que tal um jogo de sinuca? – sugeriu.
- Vocês adoravam jogar sinuca!
Assim, levei papai a um bar com sinuca, perto das oficinas mecânicas e lojas de auto-peças. O ambiente era escuro e cheirava a cerveja choca. Acendemos uma luminária cônica sobre a mesa e pegamos os tacos nos suportes presos às paredes.
Papai deitou seu taco na mesa e rolou sobre o feltro verde. O taco bamboleou. Então ele pegou outro, que também bamboleou. Continuou experimentando até encontrar um que não estivesse empenado. Arrumei as bolas.
- Vamos lá? – perguntei.
Ele concordou com a cabeça.
Comecei. Quando a bola branca parou, deixou para ele uma jogada distante e difícil, mas que poderia ser feita.
Observei quando papai curvou bem o corpo e preparou o taco. Mesmo aos 76 anos, ele ainda tinha a mão firme e a tacada leve que eu sempre tentara imitar, porém jamais conseguira.
Papai jogou e errou. A bola branca bateu nas outras, espalhando-as. Eu tinha uma dezena de jogadas fáceis a escolher. Lembrei-me do que ele me disse certa vez: “Os olhos se vão antes da tacada. Quando jogar com um velho, deixe sempre bolas distantes para ele”.
Isso fora dito havia mais de trinta anos, quando eu estava na faculdade. Eu era um excelente jogador, mas nunca conseguia ganhar de papai. Jogávamos durante horas; eu ficava suado e nervoso, enquanto ele, com um olhar indiferente e aquela irritante tacada metódica, encaçapava uma bola atrás da outra. À nossa volta outros estudantes observavam. Eu me sentia ao mesmo tempo orgulhoso do talento de papai e furioso por não conseguir vence-lo. Mais do que tudo, desejava mostrar-lhe como era bom em seu jogo.
Alguns anos antes, as viagens que ele fizera por aí jogando sinuca a dinheiro tinham provido o sustento da jovem família. A cada vez, ele ficava várias semanas fora. Meu irmão, na época um adolescente alto e desengonçado, foi com ele uma vez e mais tarde me falou sobre a viagem. O velho jogava com fazendeiros, vendedores de ferramentas e jogadores profissionais nos salões de sinuca das cidades pequenas. Ele sempre ganhava, contou meu irmão. Os derrotados atiravam as notas, amassadas, sobre o feltro verde.
Como desejei acompanhar meu pai nessas viagens! Como teria ficado feliz ao vê-lo jogar! Mas eu não passava de um bebê. Na minha adolescência ele já não fazia essas viagens.
- Isso foi há muito tempo – costumava dizer, com um gesto desdenhoso da mão.
Acabei apaixonado por sinuca: o pensamento por trás de cada tacada, a reação da bola branca a cada teco, a pressão do jogo a dinheiro. Eu jogava bem sob pressão, exceto quando o adversário era o “velho”. Nunca consegui vence-lo. Até esse momento.
Depois de umas tacadas ficou claro que a visão de papai havia se deteriorado. Eu tinha conseguido uma grande vantagem, jogando com rigor e sem piedade. De modo como papai jogava quando eu estava na faculdade. Ele nunca me dava colher de chá, como alguns pais costumam fazer. Era uma boa lição, mas que nunca funcionou comigo. Eu conseguia fazer jogadas difíceis e agressivas somente por algum tempo. Era uma atitude que eu, na verdade, não conseguia sustentar. Não estava em mim aquela dureza.
Agora, com uma dianteira de vários pontos, afastei-me da mesa. Papai estava apoiado no taco, um velho com cabelos brancos nas têmporas, esperando. Inclinei-me sobre a mesa, dei uma tacada quase impossível e errei. As bolas espalharam-se.
- Que diabos está acontecendo com você? – perguntou ele. – Sabe jogar melhor que isso.
Balancei a cabeça, como se estivesse desgostoso comigo mesmo. Papai liquidou todas as bolas.
Meu erro seguinte foi bater na bola com tanta força que ela quicou para fora da caçapa depois de ter ido na direção correta.
- Você bate com a sutiliza de um ferreiro! – zombou papai.
Perdi o jogo por pouco. Passando o braço sobre os ombros dele, comentei:
- Papai, você ainda é o melhor.
- Você devia ter me derrotado. Foi displicente – disse ele, balançando a cabeça como se estivesse triste de verdade – Como sempre.
Naquela noite jantamos na varanda de nosso apartamento. Era uma noite suave e tépida de fevereiro. O céu da cor dês estava salpicado de estrelas brancas. Algumas velas bruxuleantes iluminavam-nos o rosto. Ergui uma taça de vinho tinto e disse:
- Um brinde! A mamãe e papai!
Tocamos nossas taças. Minha mulher. Minha mãe. Meu pai. E eu.
- Quem ganhou, meu filho?
Eu sorri.
- Está brincando, mãe?! Você sabe que não consigo vencer o “velho”.
- Ele foi displicente, Florente – observou papai. – Estava me vencendo e então começou a dar aquelas tacadas malucas.
- Ah! – exclamou ela. – Está dizendo que Pat deixou você ganhar?
Meu pai olhou para ela e depois para mim.
- Seu filho da mãe! – censurou ele. – Você deixou que eu ganhasse!
- Ora, papai, venho tentando vencer você há anos. Acha que, quando finalmente o peguei com a corda no pescoço, eu ia entregar o jogo?
- Seu filho da mãe! – repetiu meu pai, assentindo com a cabeça várias vezes. E então, pela primeira vez desde que tinha chegado, ele sorriu para mim.

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