quinta-feira, abril 19

A Riqueza e o Poder dos Chineses no Estrangeiro

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Louis Kraar (condensado de Fortune)

Com diligência e flexibilidade, uma nação de expatriados domina as finanças, a indústria e o comércio do sudeste asiático.

A mais formidável potência econômica na Ásia, depois do Japão, é uma nação de cerca de 21 milhões de pessoas que não tem pátria nem governo – os chineses no estrangeiro. Essa gente, extraordinariamente flexível e trabalhadora, está espalhada pelo Sudeste asiático, da Birmânia às Filipinas. Vive em comunidades fechadas, ligadas umas às outras através das fronteiras nacionais por laços de família e de clã forjados durante séculos. Embora profundamente cônscios de suas tradições, os chineses constituem o grupo mais moderno e adaptável naquela parte do mundo. Em todos os níveis, desde os grandes bancos comerciais até aos pequenos agricultores, dominam as finanças, a indústria e o comércio.
Seus núcleos principais são a colônia britânica de Hong Kong (onde 98,5% da população é chinesa). Em outras áreas os chineses constituem pequena parte da população: na Tailândia, cerca de 10%; Indonésia, 2,2%; Filipinas, menos de 1%. Ao todo, constituem apenas 6% da população da região, mas sua importância econômica é muito maior do que sugerem os números. Todos os anos, é fácil comprovar o alcance desse poder: quando os chineses se entregam às celebrações do seu Ano Novo, cessa a maior parte das atividades no Sudeste asiático.
“O denominador comum dos mercados nessa parte do mundo é o homem de negócios chinês”, observa Wong Nang Jang, banqueiro de Cingapura. O emprego de Wong é típico: é vice-presidente residente do First National City Bank de Nova York. Cada vez mais bancos e empresas estão descobrindo que os chineses são valiosos como empregados, gerentes... e aliados.
Os chineses expatriados participam de uma tradição cultural que encoraja a iniciativa individual. Embora falem uma porção de dialetos, todos usam a mesma linguagem escrita, o que facilita o comércio entre eles. E sua rede de associações de clãs e contatos pessoais atravessa as fronteiras nacionais. Comerciantes chineses na Indonésia vendem pimenta, café e borracha para parentes e amigos de confiança em Cingapura, que lhes enviam em troca têxteis, cosméticos e transistores – e muitas vezes reinvestem os lucros para seus associados distantes. Vendedores de arroz na Tailândia negociam pelo telefone com mercadores de Cingapura, jamais duvidando que seus acordos serão cumpridos.
Perigos e pressões. Existem muitos outros laços valiosos entre os chineses. Os membros das suas câmaras de comércio nas várias cidades e países constituem uma reserva de capital e se mantém informados de oportunidades de investimentos. Informações econômicas voam pelos jornais chineses, e quando são especialmente urgentes, devido a uma situação de mercado que se tenha modificado, são transmitidas por ondas curtas. Um sistema de crédito comunitário baseado em confiança recíproca, permite a muitos empresários chineses operarem durante seis meses ou mais antes de pagarem a seus fornecedores. Banqueiros e industriais chineses freqüentemente se associam em empreendimentos.
Em seus lares de adoção no Sudeste asiático, os chinesese conseguiram prosperar sob muitos regimes corruptos e instáveis. Agora enfrentam novos perigos: um crescente nacionalismo econômico e a inveja dos homens de negócios nativos, menos experientes e menos bem sucedidos. Às vezes a hostilidade irrompe em violência. Milhares de chineses foram massacrados na Indonésia em 1956-66, e a Malásia foi abalada por motins raciais em 1969. em quase toda parte, os chineses estão sendo submetidos a uma pressão econômica cada vez maior.
A fim de sobreviver e proteger sua situação comercial, os chineses estão reorganizando suas empresas em linhas modernas, diversificando seus investimentos e fundando empresas de capital aberto que se possam identificar mais visivelmente com os interesses das nações que os hospedam. A maioria está tentando estabelecer-se definitivamente nos novos países.
Foi o desejo de melhorar a sua situação que levou milhões dos camponeses pobres do sul da China a procurar uma oportunidade no Sudeste asiático, muitas vezes como simples cules. A onda de emigração começou há mais de 100 anos, no apogeu da expansão econômica colonial. Até mais ou menos 1930, os ingleses, holandeses e franceses importavam essa mão de obra barata e dócil para suas minas e plantações.
Visando a se ajudarem e protegerem mutuamente em terras estranhas, os imigrantes uniram-se com base em parentesco ou lugar de nascimento. Aqueles que tinham o mesmo sobrenome (como Lee ou Tan) formavam um Kongsi, ou sociedade beneficente *, Para tomar conta de novos membros do clã recém-chegados da China. Esses laços ainda contribuem para a união dos chineses no estrangeiro.
Com o correr dos anos, muitos trabalhadores foram acumulando capital. Fundaram pequenas lojas e casas comerciais. Tornaram-se industriais, mecânicos, alfaiates, donos de restaurantes e compradores de objetos usados. Os administradores coloniais achavam que a atitude apolítica dos emigrantes se ajustava bem às suas necessidades, e os chineses passaram a atuar como principais mediadores entre os ocidentais e a gente local. Uma conseqüência foi que outros povos asiáticos nunca tiveram oportunidade de adquirir tanta experiência comercial quanto os chineses. E depois que os países da região conquistaram sua independência, a estrutura comercial dos chineses continuou absoluta – fato que irritou a muitos de seus concorrentes.
Desde que os comunistas tomaram a China, em 1949, poucos exilados demonstraram qualquer desejo de voltar à sua pátria ancestral; na verdade, cerca de um milhão dos quase quatro milhões de chineses de Hong Kong são refugiados recentes do continente. A maior parte dos chineses no estrangeiro acredita que seu futuro está no Sudeste asiático, onde três quartas partes deles nasceram.
Evidentemente, persistem alguns laços de família e de negócios com a China. Um sentido duradouro de dever filial inspira os chineses no estrangeiro a enviar para seus parentes no continente cerca de 150 milhões de dólares anualmente, por meio das filiais do Banco da China em Hong Kong e Cingapura, controladas por Pequim. O banco também ajuda alguns homens de negócios chineses a importar produtos da China (principalmente tecidos, alimentos e artigos de consumo baratos) em boas condições financeiras. A maioria dos empresários considera essas transações simplesmente como operações lucrativas – embora Pequim reserve os melhores negócios para aqueles que asseguram sua lealdade a Mão Tse-Tung. Uma família que tem uma firma de contabilidade em Hong Kong adota uma atitude pragmática que não é rara: um irmão concentra-se nos grandes clientes internacionais, enquanto outro lida com os interesses comerciais comunistas.
A China Nacionalista não fornece qualquer pátria substituta para esses chineses. Muito poucos aderem ao regime de Chiang Kai-shek ou acreditam que ele algum dia reconquiste o continente. Além disso, a China Nacionalista tem tão pouco poder quanto Mao para dar proteção contra as leis anti-chinesas e as dificuldades que sofrem os chineses no Sudeste asiático. A comissão para Assuntos de Chineses no Exterior, com sede em Formosa, corteja esses homens de negócios com uma revista comercial mensal e uma Conferência de Negociantes Chineses no Exterior realizada anualmente. Mas os investimentos diretos desses chineses em Formosa são relativamente pequenos, cerca de 145 milhões de dólares.
O lucro, mais do que o patriotismo, é o que leva os empresários do Sudeste asiático a negociar com as duas Chinas. Um funcionário do governo de Cingapura, que também é chinês, resume assim a atitude dos expatriados: “Eles são leais ao dólar todo poderoso... não a Mao nem a Chiang.”
Parentesco conta. Em toda parte, os chineses confiam na cooperação entre si para sua sobrevivência e a continuação de sua supremacia econômica. Lien Ying-chow, diretor gerente do Overseas Union Bank Ltd., em Cingapura, com mais de 150 milhões de dólares de ativo, muitas vezes associa-se em projetos industriais com banqueiros tailandeses originários de sua terra natal de Swatow. “Se nós chineses somos parentes ou se viemos da mesma aldeia, gostamos de nos ajudar uns aos outros a subir”, explicou ele. As relações de clã de Lien com homens de negócios sino-tailandeses promoveram de tal modo o comércio de milho da Tailândia com Cingapura, que lhe valeram, em 1965, uma condecoração do governo de Bancoc.
Kuok Hock Niel é um agressivo homem de empresa malaio que açambarcou 80% das importações de açúcar não refinado do seu país e utiliza plenamente a rede chinesa. É presidente da Kuok Brothers Ltd., firma da família, que opera nos mercados mundiais e já se expandiu para os setores da manufatura, navegação, hotéis e outros empreendimentos. O governo malaio há anos falava sobre a organização de uma linha de navegação nacional, mas foi Kuok quem a fez funcionar. O investimento foi realizado com dinheiro de seu próprio bolso associado ao capital e “know-how” do armador Frank Wen-King Tso, de Hong Kong, contando também com investimentos locais de membros das câmaras de comércio chinesas na Malásia e do governo. A Companhia Internacional de Navegação Malásia, da qual Kuok é presidente, lançou há pouco seu primeiro cargueiro.
Na Malásia, os chineses operam num meio racial especialmente sensível. Não só dominam economicamente, como também são quase em mesmo número que os nativos, em sua grande parte agricultores. A violência racial que irrompeu em maio de 1969 revelou o amargo ressentimento dos malaios por sua subserviência econômica. Agora o governo promete acabar com “os problemas de desequilíbrio racial econômico”. Pretende subsidiar uma classe empresarial malaia, obrigar as novas indústrias a empregar operários em números mais ou menos proporcionais à composição racial do país, e já ordenou que as empresas reservem parte de suas ações para investidores locais.
O ambiente é mais favorável em Hong Kong, um enclave capitalista aninhado à beira do continente de Mao. A habilidade comercial dos chineses, e uma mão de obra dócil, tornaram a colônia britânica um dos centros comerciais mais cosmopolitas da Ásia. Mas as perspectivas para os chineses em Hong Kong estão longe de serem risonhas. A concessão britânica sobre os Novos Territórios – que compreendem mais de nove décimos da área da colônia – deve expirar em 1997. Ninguém pode antecipar com certeza o que Pequim fará então.
O mundo de negócios. A república insular independente de Cingapura é a única nação onde os chineses constituem maioria política. Embora rejeitando o papel de “terceira China”, o rápido desenvolvimento econômico de Cingapura e a assistência social que dá aos trabalhadores tornam a cidade-estado um lugar extremamente atraente para os homens de negócios chineses.
Na Indonésia ocorreu uma abrupta reviravolta nas relações entre os chineses e os indonésios, desde o fracassado golpe comunista de 1965 que provocou um traumático morticínio. Unidades do exército e grupos de vigilantes massacraram cerca de 300.000 pessoas que consideravam simpatizantes comunistas; um número considerável de vítimas daquele banho de sangue era de chineses. A princípio o governo do General Suharto tentou expulsar os chineses das atividades comerciais; mas acabou compreendendo que precisa da esperteza desses homens de negócios para reabilitar a decadente economia do seu país.
A comunidade chinesa reagiu constituindo alianças protetoras de negócios com generais do regime militar, e procurando apoio financeiro de chineses da região. Admite um ministro indonésio: “Chegamos a um modus operandi com os chineses.” Um americano que goza de boa situação nos negócios locais comenta: “A classe comercial chinesa continua a comprar e vender, não só artigos de consumo, mas generais.”
Embora a aliança entre homens de negócios chineses e militares seja recente na Indonésia, há muito que uma relação semelhante tem animado a economia tailandesa, mais próspera. Este reino encoraja a assimilação dos chineses. Ali os generais do exército controlam a política do governo e participam dos conselhos diretores de muitas empresas, a maioria dirigidas por chineses.
As Filipinas confiam muito em sua comunidade comercial chinesa, não só para os serviços econômicos básicos, mas também para subornos sistemáticos. Políticos filipinos utilizam os chineses para financiar campanhas políticas em que os próprios chineses geralmente aparecem como os principais vilões. E eles pagam, porque é o único meio de conservarem seus negócios.
Como sobreviver. Em todo o Sudeste asiático os chineses estão modificando seus modos de operação para satisfazer a novas e mais difíceis condições. Entre outras coisas, eles agora compreenderam que firmas antiquadas, de família, raramente sobrevivem aos seus fundadores, especialmente diante da concorrência de empresas modernas. Uma companhia, The China Engineers Ltd., de Hong Kong, está diluindo os riscos espalhando conscienciosamente suas operações por todo o Extremo Oriente. O presidente e Diretor Gerente Y. H. Kwong, uma vez expulso da Birmânia, explica. “O motivo por que eu friso a necessidade de nos espalharmos nessa área é o perigo inerente de se operar em um só país, especialmente se se trata de um chinês. Espalhados como estamos, podemos sobreviver. Um prejuízo num local não me arruinaria.”
Apesar de conservarem uma forte identidade étnica, a maior parte dos chineses no exterior anseia por uma segurança permanente em seus atuais lares no Sudeste asiático. Os países que, como a Tailândia, promovem a plena aceitação dos chineses, verificam que eles são cidadãos leais e um imenso estímulo para a economia. É claro que os chineses desejam manter suas tradições, inclusive a coesão comunitária. Mas seu orgulho racial e costumes diferentes não são uma barreira real para a plena cidadania em terras do Sudeste asiático, já formadas por uma variedade de raças, religiões e comunidades estreitamente ligadas. E é difícil imaginar como o Sudeste asiático poderia sobreviver sem eles.

*Kongsi em chinês refere-se aos huis, ou sociedades secretas, bem como associações de clã ou de distrito. Os europeus, porém, usam kongsi apenas para estas últimas, considerando as huis subversivas.

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