quarta-feira, agosto 23

América, para francês ver

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1970
Autor : Pierre e Renée Gosset

Quando um francês pensa em visitar os Estados Unidos, ele pensa primeiro em Nova York e Washington – e depois na parte autêntica, isto é, na Luisiana e em Nova Orleans, os cowboys, os índios... e a Califórnia, naturalmente – Disneylândia, Hollywood, São Francisco.
Os autores deste artigo, um casal de franceses, fizeram esta viagem recentemente, e ambos ficaram profundamente impressionados. Damos a seguir uma lista das “marcantes impressões” desse casal, algumas favoráveis, outras não.

Positivo
A vastidão do país – vai da extensão de suas paisagens ao espaço cósmico dos armários.

A gentileza com os estranhos – “Lindo!” diz a velhinha olhando o croqui feito por Renée e achando-o detestável.

Os vinhos da Califórnia, excelentes e honestos.

Letreiros multicores a gás néon dando a cidades indistintas um encanto que elas não possuem à luz do dia.

A avidez do povo pela boa pintura, a boa música, os bons museus (e a entrada grátis nesses museus).

Torta de maçã, torta de pêra, torta de tudo. E o sorvete incomparável.

Beleza de país de parques e passeios e de nomes bonitos nas tabuletas da estrada – Pascagoula, Tangipahoa.

A inebriante sensação de liberdade: depois de passar pela imigração, em dois meses ninguém me pediu documentos.

Humor casual, sem pretensão: “Se o amigo é favorável do crédito para todos, empreste-nos 10 dólares.” “Venda-nos seu carro e seja um pedestre rico.”

Ninguém verificou a quilometragem do carro alugado quando o devolvemos.

Sólidas pontes, essenciais à paisagem americana.

Os letreiros. “Este motel pertence a Mary, Paul Smith e ao banco.” Na porta de um restaurante: “Faça sua refeição aqui – para não morrermos de fome.”

Os pequenos prazeres depois de um dia ao volante: uísque e gelo no quarto, televisão funcionando. E água quente, infatigavelmente quente.

A juventude não-hippie americana – idealista, interessada em política.

O inacreditável serviço telefônico americano, que permite ao viajante comprar uma geladeira e despacha-la para outro continente ou entrevistar o diretor de uma universidade.

Os parques nas margens das estradas, prova de consideração pelo contribuinte.

Em toda parte a profunda sensação de estar vivendo em um país ainda em formação.


Negativo
Café tão fraco que se enxerga o fundo da xícara.

A cerveja, da mesma família do café.

Mocinhas com rolos no cabelo, no sábado, no domingo (será que elas nunca se penteiam?).

A luz fraca e os preços fortes nos restaurantes de luxo.

A mania de “o maior do mundo” – desde o Radio City Music Hall às empadas de Tia Nattie. Tudo o que é conhecido num raio de 10 quilômetros passa à categoria de “maior do mundo”.

Os almoços só de velhinhas, que se tratam de “meninas”.

A mania de transformar em monumentos históricos tudo o que é velho.

Os restaurantes que teimam em servir vinhos franceses de segunda classe em vez de vinhos californianos de primeira.

Motéis construídos bem à beira da estrada. Por que não uma cadeia de motéis em lugares sombreados, longe do barulho?

Ui, que café!


Quelle Surprìse!
Encontrar um urso nas Montanhas Blue Ridge, a apenas 80 quilômetros de Washington, D. C.

Deixar os sapatos na porta do quarto, para serem engraxados, como se faz na Europa – e na manhã seguinte encontra-los na lata de lixo.

Aquele letreiro na beira das estradas: “Pense”. Em que?

“Economize”. Cada vez que a gente segue o conselho, gasta dinheiro.

O motorista americano – incrivelmente cortês, cordial, desinibido.

A dificuldade de se vestir de acordo com a estação. A lã é muito quente para os ambientes aquecidos, o algodão é muito frio para o ar condicionado.

A paciência infinita dos fregueses que fazem fila nos restaurantes, e a docilidade com que aceitam a mesa indicada.

A quantidade de tempo que as pessoas mais importantes reservam para quem marca entrevista.

Os modos impecáveis das pessoas.

O policial de quase dois metros que nos mandou parar numa cidadezinha da Luisiana. (Que será que fizemos?) “Quer dar-nos o prazer de participar do nosso piquenique?”

Frutas frescas au naturel nos restaurantes parece que são proibidas.

O cuidado com a preservação da natureza. Metade do país ainda deve ser mata.

O americano antigo que ainda não desapareceu, com suas casas de madeira com varanda, jardins cheios de esquilos, almoços promovidos pela igreja, vida calma.

Os descontos para turistas, tão anunciados no estrangeiro. Ninguém ouviu falar deles nos Estados Unidos.

O enorme consumo de papel em sacos, embrulhos, caixas. Até revistas – até selos – são embrulhados.

E a maior das surpresas: sentir-se identificado com um mundo tão estranho.

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