quarta-feira, agosto 30

Um barato : entrar para o Livro de Recordes

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1980
Autor : Jerry Kirshenbaum

Você toca violino debaixo da água? Equilibra um monte de bolas de golfe umas em cima das outras? Mesmo que não o faça, Norris McWhirter talvez arranje uma categoria para você.

Creighton Carvello, de Cleveland, Inglaterra, aprendeu de cor o valor do símbolo matemático “pi” até a 15.186ª casa, registra o Guinness Book of World Records. Isto, porém, não chega a impressionar mais que a proeza do próprio compilador – chefe do livro, Norris Mcwhirter, que gravou na memória a maioria das 15 mil façanhas registradas na obra.
Homem esbelto, de 54 anos, com um jeito vivaz, McWhirter fala correntemente o jargão dos recordes mundiais, enriquecendo a conversa normal com trechos do seu livro. É só puxar o assunto das comunicações que ele informará que o recorde de mensagens recebidas em código Morse ( 75,2 palavras por minuto) permanece invícto desde que foi estabelecido em 1939 por Ted McElroy. Se você estiver falando em fanatismo, McWhirter talvez se refira a São Simeão o Estilita, monge do século VI que se encarapitou num pilar de pedra durante 45 anos... o que talvez constitua recorde do mais antigo dos recordes.
Ouvir-se um McWhirter tagarelar nessa linguagem profissional de recordes mundiais já é algo meio esquisito. Pois mais estranho ainda foi ouvir dois nesse bate papo. O segundo era o irmão gêmeo de Norris, chamado Ross, que até sua morte, em 1975*, ajudou a compilar o livro e a transforma-lo num best seller mundial.
Embora sua fama derive sobretudo dos registros de excentricidades, o livro não se restringe absolutamente a isso. Daí serem incluídos os preços alcançados em leilões de objetos de arte, o mais denso dos metais e o mais grave dos acidentes rodoviários, etc. Por trás desse modo de encarar o assunto, encontra-se a convicção de Norris McWhirter de que o exame dos recordes mundiais pode ser ao mesmo tempo divertido e educativo. “As pessoas fascinam-se com os extremos”, diz ele. “Anseiam por demarcações e por pontos de referência.”
O amplo interesse dos recordes é comprovado por duas indicações que a edição de 1979 contém sobre si mesma. Os leitores são informados de que esse livro é:
1- o título que mais rápido se vende, entre os de todas as épocas, tendo atingido uma vendagem de 40 milhões de exemplares no mundo inteiro
2- o livro mais furtado nas bibliotecas públicas inglesas

Deixando de lado esses superlativos, o Guinness está na sua 26ª edição na Grã-Bretanha e já foi traduzido em 23 linguas.
Nada, porém, revela mais impressionantemente o sucesso do livro do que o ardor com que as pessoas procuram incluir seus nomes nas páginas do dito. Jovens universitários, atletas fracassados, birutas variados e até algumas pessoas normais participam da “Guinnessmania”. É a riqueza de categorias do livro que enseja tal passatempo: tocar violino debaixo da água, por exemplo, ou manter aceso um cachimbo, ou mesmo o tipo de “maratona” do qual participa Arron Marshall, Austrália ocidental, que em 1978 passou 336 horas em pé, debaixo de um chuveiro, num centro comercial.
Parece que não faltam pessoas como Lang Martin, adolescente de Charlotte, North Carolina, que entrou para o Guinness porque consegue equilibrar seis bolas de golfe.
Uma quarta parte do livro é dedicada aos esportes e inclui passatempos obscuros como o iatismo na areia e as corridas de pombos. Além disso contém marcos não obtidos com facilidade em outras fontes. Você sabia que o jóquei mais leve do mundo foi um pedacinho de gente chamado Kitchener, pesando 18kg, que viveu no século XIX? Ou que um neozelandês de nome Paul Wilson correu 90m de costas, num tempo recorde de 13,3 segundos?
Para os recordes, entretanto, vale quase tudo. Os livro contém seções sobre comércio, ciências, construções, o mundo da natureza – 12 categorias ao todo. Na opinião do Guinness as cataratas não se limitam a borbotar e a jorrar: elas competem. A campeã é o Salto Angel, da Venezuela, com 979m de altura, “recorde mundial”. De maneira semelhante as borboletas estão em disputa com determinada espécie norte-americana denominada monarca, que já foi cronometrada em 27,35km/h, recorde mundial. Para os compiladores do Guinness, o universo é um enorme estádio empenhado na atividade de bater recordes.
Uma vez que os recordes lidam com o inédito e o exagero, o livro possui inevitavelmente um sabor de atração circense. Os compiladores, no entanto, não averbaram acontecimentos sangrentos infundados, proezas sexuais e acrobacias consideradas impróprias ou perigosas. Existe um tabu contra as variações ridículas. O redator esportivo Stan Greenberg diz que “às vezes recebemos uma carta que diz: ‘Fiz tantas flexões de braço, com minha namorada montada nas costas.’ Se nós incluíssemos isso, outra pessoa poderia relatar: ‘Pois eu fiz as flexões, com um cavalo nas costas.’ É preciso, portanto, estabelecer um limite.”
Embora McWhirter insista em fixar um limite e em evitar assuntos de cunho pessoal (como por exemplo os 10 maiores personagens de desenhos animados, em todos os tempos), o livro reflete em quase todas as páginas os caprichos do compilador-chefe. Ele não menciona coleções de folhas de alumínio e aldravas, mas não resiste à menção do maior rolo de barbante do mundo: 3,5m de diâmetro e 5.443kg de peso. Quando lhe dá na telha, condimenta o livro com o seu espírito galhofeiro. Os leitores talvez apreciem o relato daquele que Rusty Skuse, de Aldershot, Inglaterra, considera a dama mais tatuada do mundo: seu corpo foi decorado pelo próprio marido “em até 85% da totalidade”.
Os gêmeos McWhirter nasceram em 12 de agosto de 1925. Ambos se apaixonaram por fatos e cifras e compartilhavam do interesse pelos esportes. Os dois serviram como subtenentes na marinha inglesa durante a Segunda Guerra Mundial. Norris foi destacado para um caça-minas em Cingapura e Ross para outro, no Mediterrâneo. Os navios se dirigiram por caminhos diferentes para La Valeta, Malta... onde colidiram.
Em Oxford ambos foram corredores da equipe de atletismo. Depois da universidade lançaram um “serviço de fatos” para jornais, anuários e enciclopédias, e publicaram uma revista mensal sobre atletismo, intitulada Athetcs World.
A história da concepção do livro de recordes é uma lenda nos meios editoriais. Durante uma caçada em 1951, Sir Hugh Beaver, diretor-gerente da Guinness Ltda., a maior fábrica de cerveja da Europa, ficou imaginando qual seria a mais veloz das aves de caça do mundo. Nenhuma obra de consulta continha a resposta. Ele resolveu que a Guinness haveria de publicar uma relação de casos raros como este, para resolver discussões nos pubs. Um executivo mais jovem, que conhecera os gêmeos em Oxford, recomendou-os para o trabalho, e em 1954 eles foram convidados por Sir Hugh para compilar um livro de recordes. Decorridos 11 febricitantes meses, os McWhirter apresentaram algo admiravelmente adequado, conforme expressão do presidente do Conselho, Lorde Iveagh, para “transformar em luz o calor (gerado pela discussão)”.
Hoje o Guinness suscita 20 mil cartas por ano, em sua maioria submetendo novos recordes e desafios aos recordes já alcançados. Norris Mcwhirter se corresponde com peritos em diversos setores e ataca vigorosamente pilhas de revistas e livros não ficcionais, num esforço para se manter atualizado.
“A gente adquire uma técnica de leitura”, diz ele, “em que expressões como mais longo, mais curto, maior, mais veloz e outros ‘mais’ saltam logo à vista.”
Antes de aprovar os recordes, ele insiste em obter a corroboração de testemunhas independentes, recortes de jornais e fotografias. Relembra com um calafrio a vez em que um jovem inglês alegou haver batido o recorde de colocar moedinhas de três pence, com 12 facetas, umas em cima das outras, de lado. “O recorde era de 11”, recorda McWihirter, “e esse sujeito disse que havia empilhado 13. Incluiu até uma foto. Eu, porém, não gostei da história e por isso lhe telefonei e comecei a fazer perguntas. Ele acabou se abrindo: Está certo, vou lhe contar como foi que consegui fazer isso.”
“Ele tinha utilizado um adesivo forte e com este havia colado no teto uma cadeira, uma mesa e um tapete. Aí pendurou as moedas na mesa, com uma fita gomada transparente. Fotografara tudo e simplesmente virara a fotografia de cabeça para baixo.” Com um sorriso irônico, McWhirter acrescenta: “Ele merece o recorde mundial da engenhosidade.”
Apesar de todo o cuidado de McWhirter, uma ou outra mancada acontece de vez em quando. Em 1978 foi atribuído a um homem chamado Wayne Thompson o crédito de estabelecer o recorde de natação em logo percurso – ele nadara 2.998km descendo os rios Missouri e Mississipi. Depois de feita a inclusão do seu nome, descobriu-se que Thompson usara pés-de-pato, o que representava uma violação das estipulações do Guinness. Os admiradores sinceros da literatura dos recordes ficarão satisfeitos com a informação de que o nome desse Thompson já não figura nas edições atuais. É também reconfortante saber que foi corrigida uma discrepância no recorde de conservar na língua um drope, tipo salva-vida. A edição britânica, de 1979, deu o recorde como sendo de 87 minutos; nos Estados Unidos haviam-no incluído com 102 minutos. Parece que os redatores norte-americanos do livro não estavam a par da “sentença” de McWhirter, para que se parasse o cronômetro quando desaparecesse o furinho no centro do drope.
A Guinnessmania consegue ser ao mesmo tempo democrática e seletiva. Pois não é que Roger Guy English, de La Jolla, Califórnia, figurou no Guinness diversas vezes por dançar o twist, vencer uma maratona de beijos e por ficar acordado? Três recordes para um cara que nunca foi campeão olímpico! Mas não digam a Rick Murphy, instrutor de ginástica de Salt Lake City, que entrar para o Guinness é coisa de pouca importância. Murphy bateu em 1974 o recorde de caminhar plantando bananeira, percorrendo 45m sobre os braços, com as pernas par o ar. Viu seu nome incluído em uma edição (a de 1976) antes que outra pessoa batesse o mesmo recorde. “Fiquei orgulhoso de entrar para esse livro”, diz Murphy. “Foi a melhor coisa que já fiz na vida.”

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