quarta-feira, agosto 16

Uma última floração

Fonte : Revista Seleções
Data : Agosto de 1988
Autor : Ikuma Dan

Um encontro poético, debaixo de cerejeiras em flor, entre homens de bom senso...

Na parte sul da cidade de Fukuoka, uma das maiores cidades de Kyushu, uma rua de 4m de largura, paralela a um açude, fazia um estreitamento impossível para o trânsito, que ficava reduzido a passo de caracol. Por isso, a prefeitura de Fukuoka decidiu alarga-la para 12m – o que significava que uma aléia de cerejeiras que havia na margem do açude teria de ser cortada.
Uma árvore, ainda com seus botõezinhos muito fechados, já tinha caído pela serra dos homens das obras. Tal como as suas companheiras, ela já era bastante crescida, possivelmente com mais de 50 anos. No dia seguinte, um cartão com um poema – do tipo daqueles em que os poetas japoneses de outros tempos escreviam versos inspirados pela beleza das flores das cerejeiras – apareceu suspenso num dos ramos da árvore que vinha a seguir.
Estava dirigido ao prefeito da cidade de Fukuoka.

Ao Guarda das cerejeiras, Digníssimo
Prefeito Shindo,
Tenha piedade das flores; conceda-lhes,
por favor, um adiamento
de uma quinzena de vida
Para que possam florir uma derradeira
primavera.

A notícia do poema espalhou-se e, pouco tempo depois, uma resposta tremulava num galho da árvore. No cartão, que ondulava ao sabor da brisa fresca da primavera incipiente, estavam escritos os seguintes versos:

O coração que chora pelas flores
É o nobre e leal coração de Yamato*
Que esse espírito bondoso sobreviva
para todo o sempre.
Guarda das Cerejeiras de Chikuzen,** Kazuma.

Kazuma era o pseudônimo do prefeito Shindo. O corte das árvores ia ser adiado.Cidadãos agradecidos cobriram os ramos da árvore com versos, aplaudindo a sua decisão.
Mais tarde, as cerejeiras floriram, formando uma nuvem rosa-pálido contra o céu azul de Fukuoka, como que derramando nos seus últimos dias de vida um último fluxo de energia.

Poderão achar que essa é uma história de somenos importância, mas ela nos conta um admirável desabrochar de comunicação entre as pessoas, já quase esquecido no Japão moderno – uma comovente revelação de confiança entre os seres humanos. Quem quer que fosse aquela alma gentil que desejava que às árvores fosse concedida uma última oportunidade de florirem, ela não envergou um capacete para organizar uma manifestação. Apenas pendurou um simples poema no ramo da cerejeira. Isso sim, é qualquer coisa que alegra o coração.
Ainda mais comovente foi o prefeito ter respondido da mesma forma, com um poema dirigido àqueles que estavam entristecidos com o destino das árvores, concedendo-lhes aquela última floração. Mas importante acima de tudo foi o requerente não ter pedido que as árvores ficassem de pé para sempre, à custa do necessário alargamento da rua, mas que, simplesmente, lhes fosse concedida uma última primavera. Isto, acho eu, é uma maneira verdadeiramente sensata e delicada de demover as autoridades.

*Japão
**Nome que antigamente era conhecida a região onde se situa Fukuoka.


Graças à troca de poemas, as autoridades da cidade de Fukuoka reconsideraram os seus planos de construção. O sentido da rua foi alterado, o passeio alargado e a aléia de cerejeiras foi deixada de pé.

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