sexta-feira, agosto 4

O dia em que conheci mamãe

Fonte : Revista Seleções
Data : Março de 1982
Autor : Faith L. Mahaney

A dúvida de uma vida inteira acabou sendo desvendada por uma desconhecida num trem.

A minha infância foi, por vezes, muito solitária. Nascida em Chungking, China, de pais missionários, perdi minha mãe assim que nasci. Tinha dois meses quando meu pai, muito abalado, me mandou para a irmã favorita de mamãe em Morgantown, Virgínia Ocidental. Ali eu cresci na casa onde minha mãe passara a juventude.
Quando tia Ruth estava em casa, eu me via rodeada de amor; mas ela era o nosso único ganha-pão e trabalhava num escritório seis dias por semana. Deixada com um séqüito de criadas, eu sentia a solidão da casa, grande e velha.
À tardinha, antes de tia Ruth regressar, eu costumava sentar-me no chão, por baixo de um retrato de mamãe – uma moça de 20 anos, com uma expressão doce, olhos escuros e caracóis pretos. Às vezes, eu falava com o retrato, mas nunca era capaz de olha-lo quando tinha sido mazinha. Havia uma pergunta que não saía da minha cabeça: Como é que mamãe era? Se ao menos tivesse podido conhece-la!
Passaram-se 20 anos. Eu havia crescido, casado, e tinha um bebê, chamada Lucy como a avó – aquela mãe que eu tanto desejara conhecer.
Numa manhã de primavera, eu e Lucy, com 18 meses, entramos num trem com destino a Morgantown para visitar tia Ruth. Uma mulher ofereceu-me metade do lugar que ocupava no vagão apinhado de gente. Agradeci-lhe.
Depois de aconchegar a minha bebê nos braços para uma soneca, comecei a conversar com a mulher. Ela contou que ia a Morgantown visitar a filha e o neto recém-nascido. “Deve conhecer a minha tia, Ruth Wood”, disse eu. “Há anos que ela tem uma agência imobiliária em Morgantown.”
“Não”, respondeu. “Há muito tempo que estou fora e esse nome não me diz nada.”
Durante alguns minutos, a mulher olhou apenas pela janela. Depois, sem voltar a cabeça, começou a falar.
“Havia uma Miss Lucy Wood, professora, em Morgantown, há muitos anos. Ela deve ter ido embora antes de você nascer. Você disse o nome Wood e, de repente, não sou capaz de deixar de pensar nela. Há anos que não me lembrava, mas houve uma altura em que a amei muito. Foi minha professora. Os meus pais tinham uma padaria; estavam à beira do divórcio. Brigavam e discutiam o tempo todo. Eu tinha de trabalhar muito em casa, e na padaria também.”
“Adorava a escola, apesar de nunca conseguir boas notas. Na sala de Miss Lucy respirava-se felicidade; para mim, era como o paraíso. Um dia, depois que a minha gente teve uma grande briga logo de manhãzinha, cheguei tarde à escola, tentando conter as lágrimas. Miss Lucy mandou-me ficar depois da aula. Eu pensava que ia ralhar comigo, mas, em vez disso, pediu-me que lhe contasse os meus problemas. Fez-me sentir quanto os meus irmãos e irmãs, até os meus pais, precisavam de mim – e, a partir disse dia, minha vida passou a ser digna de ser vivida.”
“Meses mais tarde, ouvi uma garotinha contar: ‘Miss Lucy Wood está para casar com um missionário e vai viver na China!’ Fui para casa chorando. Meus pais interromperam uma briga para me perguntarem o que havia comigo, mas não poderiam imaginar a luz que estava saindo da minha vida. Nessa noite não consegui adormecer.”
“No dia seguinte Miss Lucy mandou-me outra vez ficar depois da aula para saber o que estava acontecendo comigo. Contei-lhe e ele pareceu surpreendida e cheia de ternura. ‘Por favor, não vá a China!’, roguei-lhe.”
“Viola’, respondeu-me ela’. Eu não posso deixar de ir para a China. Estou indo para onde o meu coração me manda, com o homem que amo; mas vou pensar muitas vezes em você, e vou lhe mandar um postal.”
“Eu nunca havia recebido cartas, por isso aquilo me fez sentir melhor. Quando contei à minha mãe, ela meneou a cabeça, dizendo: ‘Você não deve ficar triste se ela se esquecer, Viola; há de haver tanta gente a quem escrever!”
“Dois meses mais tarde recebi um postal com uma fotografia do rio Yangtze, carimbado em Chungking, China. ‘Ainda continua a fazer-me sentir orgulhosa de você, minha pequenina heroína?’ perguntava. Se alguém me tivesse dado um milhão de dólares, eu não me teria sentido tão orgulhosa.”
“Logo depois meus pais separaram-se e eu saí de Morgantown. Eduquei os meus cinco irmãos e irmãs, casei, e criei cinco filhos.”
“Meu Deus, estamos quase chegando! Falei demais. Espero não ter aborrecido você.”
Então, pela primeira vez, ela voltou-se para mim, e viu lágrimas nos meus olhos.
“Gostaria de ver a neta de Lucy Wood?” perguntei. A minha bebê estava acordando do seu soninho. Meu coração exultava. A dúvida premente da minha infância havia sido plenamente desvendada. Por fim, eu sabia exatamente como é que a mamãe tinha sido.

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