terça-feira, agosto 8

Terror na copa das árvores

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1974
Autor : Franklin Russel ( condensado de international Wildlife )

A ameaça do leopardo despertou os babuínos e os acompanhou durante todo aquele dia.

Os ruídos da noite não deixavam em paz o babuíno no alto da árvore. Os outros macacos dormiam encolhidos, com as pernas desajeitadas se agarrando aos ramos. Nenhum deles ainda tinha tomado conhecimento da perigosa mensagem que chegara ao nariz de seu chefe: um cheiro de leopardo pairava na fria aragem da noite.
O maior babuíno do bando, com cerca de 35 quilos, não era o chefe por mero acaso. O status de sua mãe, como chefe das fêmeas, permitiu que ela o criasse com especiais cuidados. Impondo-se no sistema social do bando, ele lutou com os superiores que procuravam mantê-lo subalterno até que, finalmente, aos sete anos de idade, tornou-se evidente que era ele que mandava.
Seu longo focinho tinha dentes afiados, perigosos, com o dobro do tamanho das presas das fêmeas, e que podiam ferir gravemente um leopardo, rasgar uma gazela ao meio ou punir seus inferiores. Vez por outra, sofria de crises de ferocidade, mas demonstrava particular preocupação com as fêmeas aflitas e com os jovens em dificuldades. Grande parte de seu tempo era gasto em devorar insetos, ovos, ratos, folhas, caules, sementes de plantas, cascas de árvores, flores, grãos secos ou a resina dos troncos das acácias. Com as unhas do polegar e do indicador, cortava os brotos da grama. Também apreciava escorpiões, retirando cuidadosamente seus ferrões antes de devora-los.
A árvore em que o grande babuíno estava sentado tremeu ligeiramente, e os espessos pelos em torno do seu pescoço e de sua cabeça se eriçaram, dando a impressão de que o macaco havia crescido. Geralmente, esta modificação indicava raiva e intimidava seus inimigos. Agora, porém, sua juba eriçada significava medo. Num salto silencioso, um leopardo subira para os ramos mais baixos da árvore. Uma fêmea que dormia perto do grande babuíno acordou e olhou para ele preocupada, esperando a reação do chefe.
Enquanto o babuíno vigiava, um luminoso raio de luar que se esparramava num galho inferior foi ofuscado com o sinistro aparecimento da cabeça do leopardo. Quase instantaneamente todos os babuínos acordaram e grunhidos roucos percorreram o bando, pois o cheiro do leopardo produzira o pânico.
O esfomeado leopardo olhou para os lugares onde os babuínos projetavam suas silhuetas contra o céu, mas hesitou em dar um salto no confuso emaranhado de galhos. Lá em cima, enfrentaria os mesmos dentes que costumavam feri-lo no chão e, além disso, poderia cair. Qualquer ataque aos macacos precisava ser cuidadosamente confrontado com o grau de sua fome e o cuidado com que eles haviam escolhido aquele lugar para dormir.
Então, o grito estridente de uma ave da madrugada cortou o ar. Era muito tarde para um ataque de surpresa: o leopardo desceu silenciosamente para o chão e desapareceu.
Quando o céu clareou, o pânico entre os babuínos foi se dissipando. O chefe estava sentado, majestosamente calmo, imperturbável, parecendo aliviar o medo do bando com a força de sua personalidade. Os olhos do babuíno brilhavam intensamente ao sol da manhã e se moviam rapidamente de um “súdito” para outro, que o fitavam estarrecidos. Caca babuíno exercia domínio sobre os demais que lhes eram inferiores na escala hierárquica. As posições eram mantidas por blefe, ameaça ou sugestão, e como qualquer luta entre o bando podia ter efeitos separatistas, o chefe tinha interesse em que a disciplina fosse mantida.
Com o cheio do leopardo ainda suspenso no ar, ele precisava decidir sobre a estratégia do movimento matinal, e lentamente baixou pela cerrada copa da árvore. Vendo-o descer, dois robustos machos baixaram ao solo, seguidos pelo resto do bando. Os machos jovens, que constituíam a vanguarda do bando, se espalharam a fim de formarem um “cinturão protetor” para os filhotes e as fêmeas que, juntamente com o chefe, ocupavam o núcleo do grupo quando em movimento.
Ainda desconfiado, o grande babuíno permaneceu na árvore. Tinha muito medo das cobras. Elas rastejavam pelo mato, e ainda guardava uma horrível lembrança de uma pisada acidental que dera numa quando jovem. A cabeça dela se levantou, e dois jatos de veneno vieram em direção de seus olhos. Ainda se recordava da dor.. No entanto, agora tudo parecia estar calmo. E o chefe reuniu os últimos macacos que pularam da árvore.
Os babuínos são, na verdade, animais terrestres, e a área explorada por aquele bando se limitava a um pequeno poço, a alguns quilômetros de um leito de rio sombreado pelas árvores e uns montes de pedras, a certa de três quilômetros a oeste. O bando avançava calmamente, sem que as guardas avançadas detectassem qualquer sinal de perigo. Uma fêmea trepou num arbusto e roubou os ovos de um ninho. Um camundongo, fugido de um buraco, foi apanhado por garras implacáveis. Algumas pedras foram viradas, e devorados os besouros que estavam debaixo. Os babuínos pequenos brincavam, rolando uns sobres os outros, mordendo-se e guinchando com dores fingidas. Os olhos do majestoso babuíno-chefe, no centro do bando, estavam alertas. Ele sabia que não seria difícil a um leopardo aproximar-se do bando, mas o problema do felino consistia em escolher a vítima mais fácil. O bando de babuínos ia avançando. Naquele momento, dois jovens passaram a estar mais vulneráveis, pois se deslocaram para a orla do bando. No entanto, um babuíno mais forte foi protege-los, cobrindo os flancos do grupo. Dois babuínos aleijados se arrastavam na retaguarda dos machos, mas qualquer investida alertaria vários deles. Em conjunto, não hesitariam em atacar um leopardo.
Ao meio-dia, o bando havia se deslocado cerca de um quilômetro e meio, pulando de umas árvores para as outras, pela encostas abaixo, em direção ao poço. Com grande alívio, o babuíno chefe viu a vistosa impala pastando á sua frente. As impalas e os babuínos andavam quase sempre juntos, combinando seus sinais de alarme para se avisarem da presença de qualquer inimigo comum.
Um dos babuínos mais jovens fugiu para o mato rasteiro e se aproximou da impala. Silencioso e inclinado sobre um galho, um leopardo observava com os olhos semicerrados o momento em que os dois animais estivessem mais próximos, pois já havia dois dias que ele não comia. Ao amanhecer, quando voltara para a árvore onde guardara seu alimento, perto do poço encontrara semi devorado pelos abutres o corpo de sua última vítima – uma gazela. Como era ainda jovem e inexperiente, não tinha sabido esconder sua presa. Nunca mais cometeria o mesmo erro.
Naquele momento, o grande babuíno, olhando para o lugar onde um leopardo poderia se esconder, viu uma pele malhada se esgueirar sorrateiramente para um tronco. Soltou um guincho, que era o sinal de perigo de leopardos. A impala começou a correr e as fêmeas dos babuínos debandaram com seus filhotes, só ficando o babuíno jovem que estava mais próximo do leopardo. Por uns momentos, hesitou, apavorado por estar separado do grupo. Seus gritos de angústia atraíram quatro babuínos machos.
Embora o leopardo fosse inexperiente no ataque a babuínos, sabia que deveria escolher um, e o filhote era o que estava mais perto. Formou o salto.
O babuíno chefe viu o leopardo pular. As fêmeas e os filhotes procuraram as árvores. Todos os machos arreganharam os dentes e guincharam, arrancando mancheias de grama e tentando por todos os meios intimidar o inimigo.
No quarto salto, o leopardo percebeu que havia sido enganado. O filhote desesperado tratou de fugir para o mato. Três babuínos correram em seu socorro e outros quatro volteavam em frente do leopardo. Era evidente que, mesmo naquele momento de desespero, os babuínos estavam mantendo sua disciplina.
O leopardo afastou-se dos quatro defensores e se dirigiu com fúria para o chefe, agora perigosamente isolado. Rapidamente, o babuino pulou para uma árvore, sem ter tempo de ver que árvore era. Espinhos feriam-lhe os olhos e furavam-lhe as mãos. Incapaz de subir mais alto, virou-se para enfrentar seu ágil inimigo com os dentes arreganhados, mas perdeu o apoio e caiu. O babuíno e o leopardo chocaram-se entre os galhos. Os dentes do chefe se cravaram no adversário enquanto garras vigorosas dilaceravam sua juba. Ficou pendurado no leopardo pelos dentes, depois foi mordido até o osso e começou a cair novamente, mas logo foi apanhado pelas garras do inimigo.
Seus gritos de terror reuniram o bando. Um a um, os machos avançaram para o chefe em perigo. O leopardo, lutando para se manter na árvore e segurar o babuíno, viu se aproximar o bando. Afrouxou as garras e o babuíno caiu no chão.
Embora o felino estivesse encurralado, nenhum babuíno ousou ataca-lo nessa posição. Lá embaixo, o babuíno chefe, estropiado, se arrastou lentamente para longe, enquanto os outros guinchavam e pulavam, cercando a árvore do leopardo numa crescente onda de fúria. Só quando o sol desapareceu no poente eles se retiraram em silêncio desanimados.
O babuíno chefe se postou entre dois galhos de uma árvore. Tudo havia mudado. O leopardo aprendera algo sobre seu ataque fracassado e, daí em diante, passaria a ser mais perigoso. O bando de babuínos se reuniu em torno do chefe, mas este não se movia. Nunca mais seria chefe.
No futuro, teria que enfrentar novos ataques. Pelo menos dois machos fortes, abaixo dele hierarquicamente, se tornariam seus competidores quando sentissem sua fraqueza. Leões surgiram ao cair da noite e os babuínos tornaram a subir para seu abrigo mais seguro – as copas das árvores.

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