quarta-feira, agosto 9

A magia de um bilhete

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1974
Autor : Dwight Wendell Loppes

Uma cartinha dizendo simplesmente “Fiquei preocupado por você” pode trazer recompensas incomparáveis.

A carta chegou numa daquelas manhãs nubladas e chuvosas de março. A bursite em meus quadris parecia anunciar uma prematura decrepitude, e meu rosto, ao espelho, quando fui me barbear, não melhorava em nada essa impressão. A autocomiseração teria sido o meu estado de espírito em todo aquele dia – se não fosse a carta. Tinha sido enviada por um homem, que eu nunca vira antes: o pai do melhor amigo de nosso filho adolescente.
“Confinado a uma cadeira de rodas como estou”, dizia a nota, “não posso partilhar muito da juventude de Bob. Ele me conta tudo o que faz com seu filho e com o senhor, como ele o considera atualizado e jovem. Estou feliz pela amizade que o senhor e seu filho lhe dispensam. Muito obrigado.”
“Atualizado e jovem, heim!” Meu espelho, obviamente, havia mentido.
O resto do dia não foi mau e, quando os rapazes voltaram da escola, fiz questão de jogar um pouco de basquete com eles, desafiando a bursite, que melhorava. Então, levei Bob para casa e conheci seu pai. Gostamos um do outro à primeira vista.
Poucas semanas depois, o pai de Bob morreu. Após o enterro, comecei a pensar em coisas que não me ocorreriam em outro dia normal – e tive a revelação: se aquele homem, um inválido cujos dias estavam contados, pôde se esquecer de si próprio e me alcançar ( a mim, um estranho ), tornando melhor um dia péssimo e me tornando mais cônscio dos interesses e necessidades dos outros, qualquer homem podia fazer o mesmo por seu semelhante.
Agradeci ao falecido amigo por este exemplo, e fui para meu gabinete, vibrando com o que pensava ter descoberto. Aquela revelação, pensei comigo, podia ser a minha própria “magnífica obsessão”. Não perderia mais tempo. Tentei pensar em alguém a quem enviar uma cartinha de agradecimento e estímulo, e decidi pelo mecânico, que havia recentemente reparado o carro de minha mulher. Imediatamente me sentei à máquina.
Quando tornei a visitar a garagem, pensei que o mecânico tinha me olhado de maneira estranha. Mais tarde, minha mulher me contou que havia discutido com ele sobre a conta exorbitante e que jurara nunca mais dar-lhe serviço.
O que ocorrera de errado? Lembrei-me do bilhete de meu amigo e das circunstâncias que o motivaram. Ele expressara seus sentimentos de forma simples e honesta. Minha nota para o mecânico fora premeditada e, de certo modo, insincera. Talvez eu não devesse ter-lhe escrito. Um agradecimento pessoal não teria sido melhor?
Logo aconteceu o teste decisivo. Um amigo nosso, chamado Fred, fez um belo trabalho organizando a festa do clube a que nossas mulheres estariam presentes. Todos nós lhe agradecemos pessoalmente, mas eu já havia feito esse serviço antes, e sabia como era difícil. Assim, escrevi isso numa nota e enviei-a para Fred, embora, àquela altura, o assunto já estivesse esquecido.
Nem tanto – melhor dizendo, absolutamente. No almoço seguinte, Fred pôs a mão em meu ombro e disse: “Obrigado, amigão. Obrigado.!”
Nada demais – apenas uma notinha dizendo mais ou menos: “Você fez um ótimo trabalho. Ficamos lhe devendo isso. Muito obrigado.” No entanto, pelo simples fato de eu ter escrito isto, o agradecimento passou a significar muito mais, para nós dois.
De vez em quando, empregamos um jardineiro mexicano cujo trabalho eu sempre apreciei, mas há algum tempo, notei que, com grande esforço, ele tinha substituído e amparado algumas plantas que nossos cachorros haviam pisado e destruído, e que reconstituíra um vaso mexicano que estava abandonado no fundo do quintal. Escrevi-lhe um bilhetinho agradecendo.
Quando Ernesto tornou a aparecer, não disse uma palavra sobre a nota. Certo dia, no momento em que acabei de pagar-lhe, ele tirou do bolso uma carteira surrada para guardar o dinheiro. Minha carta, toda amarfanhada pelos muitos manuseios, estava na carteira.
“Meu filho leu ela para mim”, disse ele orgulhoso. “Leu muitas vezes. Muito obrigado.”
Nesse dia realizou o melhor trabalho desde que o contratamos, simplesmente porque era bom jardineiro e ( vejam bem! ) agora tinha uma carta que provava isso” A partir de então, todos os que usam seus serviços recebem um trabalho cada vez melhor. No meu íntimo, sinto-me como um consciencioso patrão. Um breve bilhetinho tornou duas pessoas melhores, e não custou nada.
Este mini-milagre se repetiu em junho passado. Um membro da diretoria de nossa escola foi encarregado de um desfile de alunos. Assim que este começou, os alto-falantes pifaram, embora tivessem sido cuidadosamente testados pouco antes. Ninguém pôde ouvir nenhum dos discursos e houve muitas críticas. Escrevi ao diretor a seguinte nota: “Sei perfeitamente quanto você se esforçou pelo desfile e quanto já fez por nossa escola. Esqueça tudo o mais, porque não foi culpa sua. Precisamos de você.”
A mulher dele veio nos visitar pouco depois. “Várias pessoas foram consolar Jim”, disse, “mas ele ficou arrasado e estava decidido a renunciar – quando sua carta chegou. Foi o que o fez mudar de idéia.”
Não renunciou e, algum tempo depois, foi eleito diretor da escola. De certa forma, minha cartinha fora responsável por isso. E se eu não lhe tivesse escrito?
Detalhe interessante: um bilhete inesperado que diga “Fiquei preocupado por você” nunca será mal recebido. Todos nós precisamos sentir que somos estimados. Isso é especialmente verdade para os desabituados de aplausos e atenções: o empregado da bomba de gasolina que faz um servicinho extra no seu carro; o bibliotecário que se esforça para descobrir-lhe aquele livro; o jornaleiro que lhe entrega o jornal toda manhã exatamente no lugar em que você o deseja. Qual destes não se sentiria feliz ( e certo de que trabalha bem ) com um pequeno bilhete dizendo “obrigado”?
As coisas aqui em casa chegaram a tal ponto que minha mulher já pressente quando um acontecimento justifica um desses bilhetes. Até sugere um deles de vez em quando – mas não estava preparada para receber um!
Recentemente, ocorreu-me que: nunca abro as gavetas da minha cômoda sem lá encontrar camisas e meias lavadas; raramente como alguma coisa que ela própria não tenha escolhido e preparado; ela nunca deixa de contrabalançar meu ocasional mau humor com sua devoção. Pela primeira vez, escrevi num papel meu apreço e mandei-o pelo correio. Depois me arrependi. Como se pode ser tão piegas?
Não precisava ter me preocupado. Quando secaram as lágrimas de felicidade com que ela me recebeu no fim daquele dia, repetindo tantas vezes seu maravilhado espanto “pelas coisas tão lindas que você escreveu”, ambos nos sentimos tão bem que fomos jantar fora, ver uma peça e comemorar.
E tudo isso só por um bilhetinho.

Nenhum comentário: