segunda-feira, outubro 9

Assombroso gênio de Leonardo da Vinci

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1985
Autor : Leo Rosten

Toda a vastidão do Universo, das asas de uma libélula, à gênese do próprio planeta, foi matéria de trabalho para a inteligência desse homem.

Ele conseguia desenhar uma folha ou uma mão, um feto ou uma rocha, de maneira miraculosamente perfeita. Ninguém podia igualar suas interpretações da luz e da sombra, ou o seu gênio para cobrir uma superfície lisa com alguma cena de abismal mistério. Contudo, para Leonardo da Vinci, (o criador de “Mona Lisa” e “A última Ceia”) a grandeza artística era apenas um de seus dons naturais.
Da Vinci deixava-se fascinar por qualquer coisa – o sorriso de um bebê, pássaros voando, o cortejo dos planetas. Ele adorava a face e o corpo humanos, e desenhou uma empolgante coleção de guerreiros, velhas e velhos, além de inúmeros corpos sem pele, para demonstrar a arquitetura dos ligamentos e músculos.
Ele era, porém, muitíssimo mais que um artista. Era engenheiro, músico, arquiteto, cartógrafo, matemático. Dominava também a astronomia, a botânica, a zoologia, a geologia, a fisiologia. Foi o primeiro homem a fazer um molde de cera do interior de um crânio e a pensar em utilizar modelos de vidro ou cerâmica a fim de que os funcionamentos globo ocular e do coração pudessem ser entendidos. Foi o primeiro a desenhar corretamente um útero aberto (com o embrião dentro) e o primeiro a investigar a razão da disposição das folhas em torno do caule.
Foi igualmente o primeiro cientista e pensador moderno, pois procurou descobrir as causas das coisas por observação direta e experimentação – diferentemente do que fazia a maioria dos “profetas” do século XV, que se baseavam nos textos das Santas Escrituras, de Aristóteles ou de São Tomás de Aquino. Ele afirmava que a ciência era “o conhecimento de todas as coisas possíveis”, e estava obcecado pelo que chamava de saper vedere (“saber como ver”).
Uma das particularidades mais notáveis acerca de Da Vinci é que ele acreditava ser capaz de entender tudo. Toda a vastidão do universo, das asas de uma libélula à gênese do próprio planeta, era o divertimento de sua fenomenal inteligência.
Antes de Copérnico, Leonardo já reparara que o Sol não se movia à volta da Terra e que o nosso planeta era “uma estrela como a Lua”. Antes de Galileu, já Leonardo afirmara que os objetos cadentes aumentavam a sua velocidade na proporção direta da sua altura, e sugerira que “uma enorme lupa” poderia ser usada para estudar a superfície da Lua.
Da Vinci foi pioneiro em óptica, hidráulica, física do som e na natureza da luz. Ele reparou que o som se propagava em ondas – sendo essa a razão por que dois sinos de igreja, um mais distante que o outro, se ouviam separadamente, mesmo quando dobrados em simultâneo. Reparando no atraso do trovão em relação ao relâmpago, concluiu que a luz deveria viajar mais depressa que o som. Em suas averiguações sobre a circulação sangüínea, chegou a descrever a arteriosclerose, que atribuiu a falta de exercício físico!
Quatro séculos antes de Darwin, Leonardo aventurou-se a formular este pensamento herético: “O homem não é muito diferente dos animais, exceto naquilo que é dispensável.” Declarou que o número de anéis do tronco de uma árvore equivalia à sua idade – e a sua espessura, à umidade anual.
E não foi tudo. Muito antes da Revolução Industrial, num mundo ainda sem chave de parafusos, inventou a chave inglesa, o trinco da catraca, o macaco e o torno mecânicos, o guincho e um guindaste capaz de levantar uma igreja. Da Vinci concebeu um êmbolo movido por pressão de vapor, e uma engrenagem de corrente e roda dentada, incapaz de deslizar. Inventou também uma transmissão diferencial que permitia a uma carroça fazer a curva com a roda de dentro a menor velocidade que a de fora.
Desenhou inúmeras variedades de roldanas, molas, pontes portáteis, ruas de dois pisos; um aparelho para registrar alterações atmosféricas; um “mecanismo alimentador” automático para a tipografia. Criou um mancal de roletes, e tesouras que abriam e fechavam com o movimento de uma mão; isto sem falar nos esquis infláveis com ar para caminhar sobre a água!
Foi, ainda, o primeiro a aconselhar o aproveitamento do ar como fonte de energia. Descreveu um motor de combustão interna, um aparelho de ar condicionado, um conta-passos, um odômetro e um higrômetro. Chegou até a salientar os proveitos financeiros da produção em série.
Este artista supremo, que chamava a guerra de “loucura animalesca”, serviu como engenheiro militar a Cesare Borgia. Concebeu uma metralhadora, um tanque de guerra e um submarino. Criou uma roupa de mergulhador e o respectivo tubo de respiração, e um barco de guerra com duplo casco (capaz de flutuar mesmo depois de ter sido atingido).
Mas foi na aerodinâmica, mais que em qualquer outra área, que Leonardo se revelou audacioso e original. “Um pássaro voa de acordo com leis matemáticas, as quais o homem pode reproduzir.” Libertava pássaros engaiolados com a intenção de observar a partida, a ascensão e a envergadura das asas. A sua visão era fenomenal, pois via e desenhava coisas simplesmente invisíveis para a maioria dos olhos humanos, até a fotografia a alta velocidade “congelar” o movimento.
No século XV, inventou o planador, o pára-quedas e o helicóptero. Descreveu a utilidade dos trens de aterragem retráteis...

Filho ilegítimo de um notário com uma campesina, Leonardo nasceu em Vinci, perto de Florença, em 1452. Foi educado por seu pai e avô paterno. Logo em criança revelou extraordinária curiosidade e aptidão excepcional para a música, geometria e desenho. Aos 15 anos, trabalhou como aprendiz do famoso pintor Verrocchio, a quem pasmou com sua magistral perícia artística e a beleza luminosa de suas pinturas.
“Ele era alto, gracioso, muito forte”, declarou maravilhado Giorgio Vasari, um artista seu contemporâneo, Leonardo era também excelente esgrimista e soberbo cavaleiro. Improvisava poesia, que cantava com voz melodiosa sob o acompanhamento de um alaúde que ele próprio havia idealizado. Aos 28 anos, foi considerado o maior pintor do seu tempo – um período que incluía Miguel Ângelo, Rafael e Botticelli.
Leonardo tinha, porém, a sua faceta obscura e secreta. Era um insatisfeito, um sorumbático, e temia as multidões. Jamais se satisfazia com seu trabalho, sempre se acusando de não empreender mais, e, no entanto, quebrando compromissos atrás de compromissos, iniciava algum novo e apaixonante projeto –que, por sua vez, também iria deixar incompleto.
“Desejo fazer milagres”, escreveu enquanto jovem; posteriormente lamentou ter “desperdiçado” tantos dias de sua vida.
Os famosos livros de apontamentos de Leonardo eram uma miscelânea de páginas de vários tamanhos; umas soltas, outras atadas em pequenos volumes. A sua escrita era tão caprichosa quanto sua gramática – ele próprio desenvolveu uma escrita em sentido oposto, no que parecia ser um código especial. Cerca de 6.000 páginas foram encontradas em coleções por toda a Europa. É certamente o mais notável registro de criatividade produzido por um ser humano.
Leonardo morreu em Aboise, França, quando fazia parte da corte de Francisco I. Tinha então 67 anos – uma idade avançada nesses longínquos tempos.
Ninguém consegue classifica-lo. A palavra “gênio” limita a devida justiça à fantástica originalidade e multiformidade de seu trabalho. Não há nome nenhum na história que mereça ser colocado ao lado do seu. Por outras palavras – Leonardo da Vinci permanece o homem mais dotado de todos os tempos.

Um comentário:

erner disse...

Muito interessante. Já li bastante sobre Leonardo, mas este texto é bastante interessante, um resumo fascinante de suas capacidades.