quinta-feira, outubro 26

Bambu - o pau para toda obra

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1974
Autor : Christopher Lucas

Nas selvas úmidas do Bornéu, os caçadores de cabeças das tribos daiaque utilizam-no para transportar água; nos restaurantes de Pequim, é cortado em pedaços que são servidos fritos; em Quioto, no Japão, e em Bangkok, na Tailândia, hábeis artesãos fazem dele leques e muitos outros objetos maravilhosos; na Grã-Bretanha, alguns professores costumam usa-lo nas crianças que não sabem a lição; nos Estados Unidos, os decoradores de Manhattan recorrem a ele para ornamentar elegantes apartamentos. Para muita gente, ele representa tudo na vida – ele é o bambu, a planta mais maravilhosa do mundo.
No Ocidente, o bambu pode ser ainda considerado uma planta rara e exótica, mas no Oriente, para cerca da metade da população, ele constitui uma necessidade como o ar ou a água. “Seria difícil imaginar como conseguiríamos viver se não fosse o bambu”, declara Thanom Sivichai, chefe de uma aldeia do povo thai. “Todas as manhãs acordo numa cabana feita de bambu, com telhado de folhas de bambu. Ergo-me de uma cama de bambu, bebo água num recipiente de bambu, sento-me num assoalho de bambu e como brotos de bambu fritos, com arroz. Enquanto minha mulher varre a casa com uma vassoura de bambu, eu rego os arrozais utilizando uma bomba de bambu que canaliza a água através de um sistema de tubos de bambu. Na época das colheitas, junto o arroz na eira com um ancinho de bambu, separo os grãos com uma peneira de bambu, carrego o arroz numa cesta de bambu e vou guarda-lo numa arca de bambu.”
“Meu meio de transporte é uma carreta de bambu”, diz o fazendeiro filipino Luiz Lualhati, “equipada com eixos de bambu, e o búfalo atrelado a ela leva uma canga também de bambu. Quando vou pescar, coloco um mastro de bambu em meu barco, uso um caniço de pesca de bambu e as cestas em que trago o peixe também são de bambu. Quando vou caçar, levo uma lança de bambu, e disparo flechas de bambu com um arco de bambu. Para preparar o almoço, faço uma fogueira com achas de bambu, cozinho o arroz numa panela de bambu, corto uma cana tenra de bambu e bebo seu suco.”
Barato, abundante e perene, o bambu dá uma madeira, rija, leve, limpa, oca, macia e polida, que é ao mesmo tempo flutuante, flexível, maleável, elástica, resistente e extremamente durável. Em qualquer parte do mundo, o bambu pode ser considerado um inesgotável manancial de virtudes – uma planta com mil e uma utilidades. No Oriente, o bambu é, talvez, o melhor amigo do homem.
Indiscutivelmente, em muitos aspectos, o bambu apresenta algumas das características mais notáveis de quaisquer outros espécimes do reino vegetal. A planta é, de todos os seres vivos conhecidos, aquele que cresce mais depressa. Há certos casos em que poderíamos dizer, sem grande exagero, que é possível ver a planta crescer. Esta afirmação não deve causar surpresa, pois já foram constatados casos de bambus que cresceram mais de 120 centímetros num só dia!
Quanto ao tamanho, os bambus podem ser simples raminhos com menos de dez centímetros de altura, ou plantas de porte gigantesco, com mais de 60 metros; em grossura, vão desde débeis caniços de 2,5 milímetros de seção até robustos troncos com 18 centímetros de diâmetro.
Ao contrário do que muita gente pensa, o bambu não é uma árvore, mas uma herbácea. A família das babusóideas, à qual pertence, abrange 1.250 espécies. “O bambu”, na opinião de um botânico, “é uma erva com pretensões a árvore.”
O bambu é tão diferente das outras plantas que os botânicos tiveram de criar termos especiais para identificar alguns órgãos dos espécimes dessa natureza. Assim, o caule, que é bem forte, em vez de ser chamado “tronco”, foi classificado pelos botânicos como colmo, termo específico para os caules ocos, como o do bambu, que apresentam nós de espaço em espaço. Da mesma forma, a designação de “raiz” foi substituída pela de rizoma, que descreve com mais exatidão a rede extremamente compacta de ramificações subterrâneas, as quais por sua vez dão origem a novas plantas, cada uma das quais cria depois seus próprios rizomas.
Quaisquer que sejam suas espécies, a família das babusóideas é característica de zonas de climas quentes, ou mesmo tórridos. Desenvolve-se com mais abundância no Oriente, sendo nativa na China, Índia, Japão e todo o Sueste da Ásia. Também é nativa em determinadas regiões da África, América Latina e Australásia. Embora pareça incrível, os bambus nunca surgiram como plantas nativas na América do Norte, na Europa, nem em vastas regiões da Eurásia. Somente há poucos séculos é que os primeiros rebentos de bambus foram trazidos de zonas onde a planta era nativa e cuidadosamente replantados. Ao contrário do que seria de esperar, os rebentos se adaptaram admiravelmente aos novos climas.
Quais os motivos dessa extraordinária capacidade de adaptação? Bem, é que três das principais características do bambu são o seu enorme vigor, vitalidade e poder de reprodução. A planta pode suportar muitas das mais adversas condições meteorológicas. Há determinadas espécies de bambus que resistem admiravelmente à neve, à geada e mesmo ao gelo; por outro lado, o bambu de climas subtropicais pode suportar as mais violentas tempestades. Por exemplo, na ilha de Hokkaido, na região setentrional do arquipélago japonês, há vastas planícies onde a variedade de bambu sasa sobrevive e se reproduz, suportando até a inclemência dos ventos gelados que sopram da Sibéria. Por sua vez, na Jamaica quente a úmida, as varas de bambu que há alguns anos foram enterradas no chão para servir de suportes a dois milhões de pés de inhames criaram raízes e, em menos de três anos, formaram uma selva impenetrável.
Como devem calcular, o que fornece toda a vitalidade ao bambu são as raízes. Todas as moitas de bambus mais próximas estão interligadas por essa densa e complicada teia que se alastra pelo subsolo. Como os membros de uma família humana, cada caule, rebento e rizoma estão ligados com outros não apenas por “parentesco”, mas por essa rede em constante crescimento. Essa interligação umbilical permite que toda a família se mantenha em constante cooperação, repartindo entre si a selva e a água, e se propagando indefinidamente – ou melhor, quase indefinidamente, pois quando um bambu floresce, isso significa que irá morrer.
Até agora, ninguém sabe a ocasião em que esse momento falta irá ocorrer, mas, quando as flores aparecem na planta, as folhas velhas caem e já não são substituídas. As folhas jovens que ficam não possuem pujança suficiente para prover a planta de água e alimento – e, então, o bambu morre. O mesmo acontece com o rizoma, através do qual a vida é transmitida à planta.
A morte de um bambu ocorre muito raramente. A planta pode durar 60, ou mesmo 120 anos, conforme a espécie. Primeiro, só uma das plantas floresce; depois, passados um ou dois anos, toda a moita de bambus fica coberta de pequenas flores brancas. Outro fenômeno também inexplicável é que determinada espécie de bambu floresce simultaneamente em toda a área que ocupa. Em princípios de 1973, por exemplo, uma espécie de bambu de caule grosso, conhecida como madake, que é mais disseminada em todo o arquipélago japonês, deu flor em todo o país, pela primeira vez desde 1864.
Os bambus apresentam ainda outras características invulgares, que podem ser comparadas a certos “sentimentos” próprios dos seres humanos. Como os colmos jovens se desenvolvem muito rapidamente, “mamãe” bambu, muito prudente, vai armazenando seiva em seu rizoma, e então, sacrificando-se, acaba por definhar para poder alimentar seus filhotes insaciáveis. Só quando os caules jovens já estão bem desenvolvidos é que ela começa a se alimentar outra vez. Tal como acontece com os progenitores humanos, “mamãe” bambu (como a planta se reproduz por autopolinização, não há necessidade de um “pai”) até transmite aos filhos seus próprios caracteres “genéticos”. Se os cultivadores de plantações de bambus pretendem obter plantas de colmos grossos, selecionam “mães” altas e robustas; se querem colmos mais delgados, fazem o contrário. Por outro lado, os caules das plantas jovens podem ser facilmente moldados (será que poderíamos dizer educados?) durante os primeiros meses de vida. Os caules em desenvolvimento podem ser comprimidos com talas de madeira de cedro e, assim, os colmos dos novos bambus podem sair quadrangulares, oblongos ou mesmo triangulares.
Embora as utilizações práticas do bambu sejam inumeráveis, esta planta durável e sempre viçosa desempenha muitas outras funções não menos importantes. O bambu está intrinsecamente ligado às origens de toda a cultura oriental, às suas lendas, sua história, poesia, pintura e erudição. O bambu é tão importante para os orientais como o mármore o foi para os clássicos gregos, ou as Madonnas para os artistas da Renascença italiana. Qualquer deles desempenhou papel fundamental na expansão das atividades criadoras dos artistas de cada uma dessas épocas da história.
Nas brumas da pré-história, por exemplo, os chineses já concediam ao bambu um lugar de honra, considerando-o com um dos venerados Quatro Nobres, os quais eram: a orquídea, a ameixeira, o crisântemo e o bambu. Os sábios admitiam que a planta possuía poderes místicos e até sobrenaturais. O bambu também desfrutou de lugar de destaque entre os chamados Três Amigos, ao lado da ameixeira e do pinheiro; o bambu simbolizava a figura divina de Buda, enquanto os outros dois representavam os grandes filósofos Confúcio e Lao-tsé. Em conjunto, simbolizavam os três pensadores mais influentes da história chinesa, e foram universalmente aceitos como símbolos da felicidade e da boa sorte. Mesmo na China de Mão Tse-tung, essa crença ainda sobrevive.
O bambu tem aparecido praticamente desde o início de todas as formas de arte chinesa. Os primeiros entalhadores que se dedicaram a trabalhos de escultura em bambu surgiram durante a dinastia Sung (960 – 1279 D C). A arte da caligrafia talvez nunca tivesse aparecido se não fosse a descoberta do pincel de bambu. Porém é no mundo esplendoroso da pintura chinesa que o bambu tem sua mais elevada expressão. Os antigos pergaminhos eram feitos de papel de bambu e suspensos de pesados tubos também de bambu. Como tema de pinturas, o bambu não é rivalizado por qualquer outro motivo pictórico. Ao longo de dois mil anos, ele tem sido representado mais vezes em pinturas e tratado com maior interesse do que qualquer outro assunto, além das próprias figuras humanas.
No Oriente, o bambu também tem desempenhado papel fundamental nas próprias origens da ciência e da tecnologia. Por toda a Ásia, talvez não haja nenhuma ponte, grande ou pequena, onde o bambu não esteja presente. Ainda hoje, resistentes cordas de bambu são utilizadas para entrançar cabos, enquanto canas de bambu, cortadas ao meio no sentido do comprimento, são usadas como pranchas em inúmeras pontes suspensas. No rio Yangtsé, grupos de 300 homens, ou mais, rebocam gigantescas barcaças de madeira ou batelões, fazendo-os vencer as corredeiras de Si-kiang. Esses homens arrastam os batelões puxando por cabos de bambu que chegam a ter 400 metros e que podem suportar esforços de tração de 690 quilos por centímetro quadrado; os cabos são tão resistentes que não se esgarçam, mesmo quando friccionam em rochas afiadas. Na opinião de peritos, o bambu tem uma resistência igual à do ferro para suportar esforços de tração. O mais incrível é que o bambu conseguiu resistir à bomba atômica em Hiroxima; foram encontrados alguns rebentos verdes de bambu germinando precisamente no centro do local da explosão.
O extenso rol de virtudes do bambu também inclui seu papel preponderante na medicina chinesa e na de outros países orientais. Embora algumas espécies tropicais sejam venenosas, ainda hoje existem muitos remédios recomendados há já vários séculos que podem atenuar ou até curar certas doenças. Na Idade Média, por exemplo, um misterioso medicamento conhecido como tabaxir, destilado de colmos de bambu, veio desde os confins da Índia até a Europa, onde as pessoas mais rústicas e crédulas supunham que era o antídoto ideal contra todos os venenos. Com toda a sabedoria de que dispunham na época, os cientistas da corte vitoriana negaram as virtudes desse medicamento. No entanto, há relativamente poucos anos, pesquisadores químicos descobriram que certos colmos de bambu contém um pó fino e branco de sílica pura, produto muito utilizado para absorver toxinas, tal como o carvão ativado.
Mais recentemente, cientistas japoneses descobriram inúmeras aplicações novas para o sempre inexplorado bambu. Criaram um hormônio vegetal que ativa extraordinariamente o crescimento de trepadeiras, arbustos e árvores frutíferas. Descobriram também uma nova droga contra o câncer, que tem suscitado controvérsias; uma solução que auxilia o desenvolvimento de culturas de bactérias; e um produto químico que conserva os alimentos e tira o cheiro desagradável do peixe. Em contrapartida, no Ocidente, cientistas conseguiram extrair do bambu um produto que serve de combustível para motores Diesel, enquanto outros defendem a idéia de que a planta constitui ótima forragem para o gado.
Contudo, é pela sua madeira que o bambu continua sendo mais procurado. Sob o aspecto econômico, o bambu proporciona mais lucros do que qualquer outra madeira. Por exemplo, uma plantação de bambu que seja bem tratada pode aumentar em 20% o peso de sua madeira em cada ano. O crescimento é mais rápido que o de qualquer outra planta, a idade de abate é inferior, e as matas de bambu não precisam ser capinadas nem replantadas. O dinheiro investido em plantações de outras árvores de mais lento crescimento fica empatado por muito mais tempo, enquanto as plantações de bambu vão dando lucros anualmente. Elas são, na verdade, uma autêntico negócio da China.

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