quarta-feira, outubro 4

Mesmo assim, sermos amados.

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 1981
Autora : Ellen Goodman

Ninguém é perfeito neste mundo.
Portanto, todas as manhãs devemos enfrentar nossos defeitos e nos alegrarmos por.... mesmo assim, sermos amados.

De vez em quando, meu tio Mike gosta de nos transmitir a sabedoria que herdou de gerações anteriores.
Sobre o tema do amor eterno, por exemplo, ele e minha tia são as próprias personificações da perdurabilidade do amor. Eles se amam de verdade; gostam de estar juntos e conseguem ser felizes há 41 anos.
Quando alguém lhe pergunta qual o seu segredo, titio confessa de boa vontade ter moldado o seu próprio êxito no exemplo de seu pai. “Papai, todas as manhãs ao levantar-se, olhava-se no espelho e dizia par a sua imagem: ‘Você não é lá grande coisa...’” É isto, acho eu, que faz um grande enamorado.
Pode ser que eu esteja cansada das pessoas que ficam em cima das imperfeições dos outros como se se tratasse de espinhas faciais. Talvez eu conheça gente demais que passa o seu tempo avaliando se o companheiro está à altura do que idealizara. Acho, porém, que titio Mike é quem tem razão.
Se começarmos o nosso dia olhando nossos próprios defeitos bem de frente, poderemos conseguir sentir uma espécie de apetite de gratidão antes do café da manhã. Se, logo ao despertar, soubermos que não somos perfeitos, à noite saberemos apreciar melhor os que, apesar de tudo, nos amam. Com a experiência não especialmente grande que já levo e com os conselhos do meu tio, acho que o segredo de qualquer relação a longo prazo é sermos amados, de qualquer modo.
Existem pelo menos dois ingredientes necessários para se conseguir isso:
1- Conhecermos o que há em nós de pior e
2- Encontrarmos alguém que também tenha esse conhecimento mas não nos ache insuportáveis.
Ser amado de qualquer modo, portanto, não é ser considerado impecável, mas sim ser aceito justamente com as nossas imperfeições.
Não me parece que tal coisa vá soar lá muito romântica. Haverá pessoas que prefeririam receber sonetos, flores e adoração. Francamente, a adoração, a mim, me faria ficar nervosa. Estaria sempre à espera de que me descobrissem o que tenho de pior.
Uma amiga minha, divorciada, teve um caso com um homem que sentia por ela intenso temor reverencial. Era imensamente lisonjeiro – mas o caso só durou três meses. O problema era que ela não podia berrar com as crianças na frente dele. E tinha de lavar constantemente os cabelos para mantê-los sempre bem arrumados. Muito simplesmente, ela não agüentou.
Se é que existe uma constante na vida, essa será certamente o receio, bem humano, de não ser amado. A insegurança foi descoberta pela primeira garotinha que foi pegada fazendo travessuras e perguntou à mãe: “Será que, mesmo assim, mamãe me ama?”
Dentro de cada um de nós vive uma criança igual a essa. É ela que todos os dias opta entre a segurança de esconder os seus defeitos e o risco de ser descoberta, mas de, mesmo assim, ser amada.
Dizem-nos que as pessoas que se amam por muito tempo devem isso a certo efeito químico, ou então é porque continuam sentindo curiosidade uma pela outra, ou porque uma cumula a outra de atenções, ou porque, simplesmente tem sorte. Mas parte do amor é a capacidade de perdão e de gratidão, e assumirmos o fato de não sermos perfeitos, mas, mesmo assim, podermos ser amados. Apesar de tudo.

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