sábado, outubro 7

Nunca é tarde demais

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1973
Autor : Will Stanton

Uma saga de como fazer do casamento um laço que aperte – sem um contrato legal

A vida era muito mais simples quando Maggie e eu nos casamos. Naquela época, quem pudesse economizar o suficiente para pagar a licença e comprar uma aliança barata, já estava “em ponto de bala”. Hoje, as pessoas tem conselheiros matrimoniais, e o casamento tornou-se até matéria do currículo escolar.
Gostaria que Maggie e eu tivéssemos tido mais orientação, em certas ocasiões. Não estou insinuando, com isso, que tenhamos qualquer incompatibilidade. Com apenas uma semana de conhecimento, descobri que ela não gostava de torta de nozes... e nem eu. Mas, seria isso base suficiente para estruturar um casamento?
No outro dia, resolvi “pegar o touro à unha”. Pensei que, talvez, uma espécie de acordo escrito pudesse trazer ordem à mixórdia em nossa casa.
“Maggie”, comecei, aproveitando um momento de tranqüilidade, “você sabe que o casamento é o contrato mais importante na vida de uma pessoa, e embora estejamos casados....”
“Oh, céus!”, e Maggie pôs no chão a lata do lixo que estava carregando. “Que livro você andou lendo ultimamente?”
“Você deixou cair uma casca de banana”, disse eu, apontando naquela direção. “Se você não enchesse tanto a lata, não haveria esse problema.”
“Quatro crianças e uma casa de dez cômodos”, resmungou ela para si mesma, “e ele pensa que uma casca de banana é problema.”
Tirei do bolso um livrinho chamado Considerações sobre o Casamento. “Achei isso numa loja....”
Antes que pudesse terminar,Maggie tinha pegado a lata do lixo e saído. Esperei que voltasse. Uma coisa que o casamento nos ensina é a paciência.
“Há aqui a amostra de um contrato de casamento”, disse. “È um acordo pré-matrimonial entre um tal Maurice Dubin e uma certa Rose Cahoon, mas qualquer casal pode se aproveitar desse exemplo.”
Maggie inclinou a cabeça: “Vá lá, estou pronta.”
Abri o livro. “Primeiro, o autor relata aqui toda a história pregressa do casal: ligações anteriores, propensão às drogas, prisão, doenças mentais, enfermidades hereditárias...”
“Chega!” exclamou Maggie. “Não quero ouvir mais nada. Quem já ouviu falar de tanta desgraça junta?”
“É claro que a maioria destas coisas não se aplica a Rose e Maurice. A idéia é cobrir todas as áreas possíveis de problemas. Dessa maneira, você não despertará para surpresas infelizes depois de passada a lua de mel.”
Maggie pegou sua cestinha de costura, e colocou-a no divã, ao seu lado. “Não é nisso que estou interessada, mas no fato de que tudo já parece um pouco tarde para nós;”
“Nunca é tarde demais”, retruquei. “Não há dúvida de que esta primeira parte só focaliza as histórias passadas, mas o resto poderia se aplicar a qualquer casal. O livro especifica os direitos e as responsabilidades de cada um, e explica como enfrentar qualquer problema que possa aparecer.”
“Ora, que bobagem!”, exclamou Maggie. “Não se pode resolver um problema antes da hora.”
“Esta é a hora exata para resolve-los”, respondi. “Quando ambas as partes estão calmas e de cabeça fria.”
“Hum!’ Ela pegou umas calças blue-jeans para remendar. “Você é capaz de explicar como Sammy fazer um furo no lado de trás do joelho?”
Dei uma pancadinha no livro. “Que tal entrarmos num acordo sobre onde passar as férias?” Você decide nos anos pares, enquanto eu decidirei nos ímpares.”
“E o que acontece se, no meu ano, estivermos sem dinheiro e tivermos de ficar em casa?”
“Naturalmente, fica previsto que faremos empréstimos para as situações especiais. O contrato não é assim tão obrigatório.”
“Se não é obrigatório, para que serve?”
“É uma espécie de roteiro para o casamento”, disse. “Ele nos mostra onde podemos ir, e nos permite saber o que podemos esperar.”
Maggie mediu um pedaço de linha, e cortou-a . “Muito engraçado...”
“Você não preferia saber das coisas mais desagradáveis desde o início? Ou prefere continuar a viver num paraíso de loucos?”
Ela encolheu os ombros. “Se foi o único que conseguimos criar.” E enfiou a linha na agulha. “Continue. O que há mais acerca dos seus jovens amantes?”
Voltei ao livro. “Maurice, no momento, está morando com a mãe. Foi casado anteriormente, mas o casamento se desfez no fim de pouco tempo. Rose admite ter tido um caso com um homem casado, mas já terminou há dois anos e, desde então, nunca mais o viu.”
“Como pôde ela ser tão boba?” interrompeu Maggie.
“Não acho assim tão surpreendente”, disse eu. “Mesmo as mulheres mais inteligentes às vezes se deixam seduzir.”
“Não estou falando do caso”, retorquiu ela. “É bastante natural. Mas deixar Maurice saber....”
“Espere um instante”, disse. “O que quer você dizer com o caso é bastante natural?”
“Quis dizer apenas que ninguém liga para um caso como esse, hoje em dia. Mas, mesmo assim, não é preciso torna-lo público.”
Sentei-me, então, contemplando calmamente o tapete. Passaram-se alguns minutos, e Maggie subitamente atirou o par de calças no chão. “Oh, pelo amor de Deus!”, exclamou ela. “Não seja tão ridículo. Você pensa realmente que eu sou uma pessoa desse tipo?”
“Nunca achei”, disse. “Mas como poderia saber? Você não me diria...”
“Ora, é lógico que eu diria.”
“Mas você acaba de dizer....”
“Eu sei o que acabei de dizer. Mas é porque sou uma idiota ainda mais completa do que Rose. Pelo menos, ela tinha uma coisa real por que se bater. Estamos discutindo sobre um caso que nem sequer aconteceu.”
Ela terminou o remendo, e cortou a linha com a tesoura.
“De uma coisa estou certa, em todo caso”, voltou ela. “Rose não chega ao fim da história. A mãe não vai deixar.”
“A mãe de Maurice? Como saberia ela de alguma coisa?”
“Não seja burro”, disse. “Ela sabe de tudo. Afinal de contas, Maurice mora com ela. Foi ela quem acabou com seu primeiro matrimônio.”
“O livro não diz isso.”
Maggie me olhou com piedade. “Não seja ingênuo”, disse ela. “Está na cara quem governa esse poleiro. Pobre Rose, não pode dar um pio.”
“Está bem”, argumentei, deixe-me ler uma coisa. “Ficou combinado que a mãe de Maurice iria visitá-los só duas vezes por mês.”
Maggie pegou de novo as calças, procurando mais furos.
“E, estas visitas, duram quanto tempo?”
“Não sei”, disse. “Pode ser meia hora, pode ser uma noite.”
“E podem ser duas semanas.”
“Oh, deixe disso! Você precisa ter um pouco de bom senso, um pouco de consideração.”
“Para que? Quem tem tudo isso não precisa de um contrato.”
“Mas as mulheres estão sempre falando sobre igualdade, e um contrato poderia garantir isso. Meio a meio, com direitos para ambos.”
“A igualdade não é tão importante assim para a maioria das mulheres. Se uma mulher ama um homem, ela fará tudo ao seu alcance para torna-lo feliz. Mas age assim porque quer, não porque está escrito em algum contrato de doidos.”
Saí para o pátio. Não adiantava. Maggie era constitucionalmente incapaz de entender uma coisa tão simples como um contrato.
“Quer café?”, gritou ela. “Acabo de fazer um bule bem quentinho.”
“Cairia bem”, disse, voltando rapidamente. “O que é que você está comendo?”
“Torta de nozes. Quer uma?”
Levei o bule de volta ao fogão.
“Não”, disse calmamente. “Acho que não vou querer.” E caminhei até a sala de estar.
Sem dúvida, a mulher fará tudo para tornar seu homem feliz. Maravilhoso! Mas, só uma pergunta: Como pode uma mulher viver com um homem há dezessete anos, e não saber que ele não gosta de torta de nozes? E, de qualquer modo, por que Maggie as estaria comendo? Ela também não gosta. Nessa altura, eu voltei à cozinha.
“Maggie”, perguntei, “você gosta de torta de nozes?”
Ela assentiu com a cabeça. “Adoro.”
“Escute”, disse. “Lembra-se da primeira vez que lhe paguei um cafezinho?”
“Lógico. Naquela lanchonete da rua do Mercado. Não pensei que você ainda se lembrasse disso.”
“Perguntei, naquela ocasião, se você queria uma torta de nozes, e você me disse que detestava torta de nozes. Mas era a única coisa que eles tinham.”
“Eu sei”, respondeu. “E eu sabia também que você estava sem dinheiro. Sabia que você tinha pedido um pouco emprestado. Uma torta para cada um de nós, e você ficaria sem dinheiro para a passagem do bonde. Teria que voltar a pé quando saísse de minha casa.”
“Eu nem sequer sabia que iria à sua casa.”
“Bem, acredito que você não soubesse.”
Pousou a sua xícara, e sentou-se olhando pela janela.
“Estava justamente pensando”, disse ela, “em Rose e Maurice. Eles tem muitos problemas, muitas dores de cabeça. Só gostaria que houvesse uma maneira de faze-los compreender que o casamento vale a pena.”
Era assim minha mulher – preocupando-se em entrar em contato com o casal inexistente. Quem, senão Maggie, estaria preocupada? Sentei-me ao lado dela, e comi o último pedaço de sua torta. Afinal não era assim tão ruim como eu supunha. O que me intrigava era não compreender por que motivo ela nunca me confessara que gostava de torta.
“Pensei que você não gostasse de torta”, disse ela.
Tirei mais dois pedaços, um para Maggie e outro para mim.
“Não gostava”, disse eu. “Mas nunca é tarde demais para aprender.”

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