sexta-feira, outubro 20

Saiba dizer "não sei"

Fonte : Revista Seleções
Data : Junho de 1978
Autor : Jack Denton Scott

É preciso humildade e um espírito aberto para se dizer “não sei”

Tão freqüentes como o resfriado comum ( e quase tão desagradáveis) são esses sabichões que fazem parar uma conversa e fecham seus próprios espíritos ao dizerem “Eu sei”, quando alguém menciona um assunto de interesse. Eu posso dize-lo, pois também fui assim.
Certa noite, porém, tive minha lição durante um jantar oferecido pela esposa de um mestre-cuca muito conhecido. A senhora parecia deprimida e nervosa, enquanto um dos outros convidados e eu conversávamos com ela. Apontou um objeto preto de metal que estava sobre uma mesa e se assemelhava a um estranho grelhador elétrico.
“Isto é algo muito especial para raclette”, disse. “Vocês conhecem?”
Eu estava quase dizendo que sim, quando o sujeito a meu lado anunciou: “Não, eu não sei. Que é? Um novo processo de grelhar bifes?”
O sorrido da anfitrioa era digno de ser apreciado. À medida que ia explicando como o aparelho funcionava, a senhora se iluminava... e eu ia aprendendo. Raclette não era o sanduíche aberto de queijo suíço fundido, como eu pensava que fosse, mas uma variante do fondue, em que um pedaço de queijo suíço é devidamente derretido até um grau de maciez que permita raspa-lo para dentro de um prato e depois servi-lo com batatinhas cozidas e pequenos pepinos em conserva. Mais importante, porém, do que o fato de eu constatar que não sabia o que julgava saber foi fazer ressaltar uma de minhas deficiências. Eu tinha quase certeza de que o sujeito a meu lado, um homem que andara pelo mundo e perito em culinária, saberia o que era raclette. Sabia também algo que eu desconhecia: a maneira e o momento de, diplomaticamente, dizer “não sei” – e, assim, dar aos outros a oportunidade de brilhar.
Na ocasião seguinte, porém, eu já sabia. Temos uma vizinha que, em parte por motivo de um defeito físico, raramente toma parte nas conversas durante uma reunião. Nessa noite, elas nos trouxe de presente um legume de aspecto invulgar, de cor verde, esguio e curvo, com uns 30cm de comprimento. Das seis pessoas presentes, houve cinco que não sabiam (ou disseram que não sabiam) o que era, mas havia um sujeito que ainda não aprendera o que eu tinha aprendido. Pelo menos, foi isso que eu pensei.
“Pepino que não faz arrotar”, disse ele imediatamente. Podia ver-se a senhora do pepino desanimando – e iria emudecer de todo, quando o homem que identificara o pepino me surpreendeu.
“Ruth”, disse, “você que entende tanto de horticultura, conte para nós o que há por trás desse legume estranho.”
Assim, ficamos sabendo como certa firma de sementes tinha gasto anos apurando um pepino digerível, e vimos a nossa amiga introvertida descontrair-se e se divertir.
Pouco tempo depois de me ter convencido de que havia dominado essa nova arte de espírito aberto e boca fechada, me vi sentado ao lado de um fazendeiro amigo, numa reunião em nossa cidadezinha, durante a qual houve uma longa palestra sobre vacas, preços de leite e incentivos aos fazendeiros, feita por um sujeito da cidade que recentemente se radicara em nosso meio rural e estava dirigindo o mais importante escritório local.
Terminada a reunião, eu disse para meu amigo: “Você, Charlie, que sabe tudo sobre vacas e problemas dos fazendeiros, por que não se pronunciou?”
“Sim, sei sobre vacas”, respondeu Charlie, “mas não sei nada de política. Tenciono aprender, mantendo a boca fechada.”
Na verdade, aprendeu. Dois anos depois, era um cobra da política local – o porta-voz dos fazendeiros.
O psicólogo industrial Benjamin Hewitt acha que o emprego habitual das palavras “eu sei” indica espírito fechado e relutância em se abrir ou se revelar. Faz ver a muitas pessoas a quem aconselha que respostas rápidas e fáceis implicam uma maneira de pensar estereotipada, e que o “não sei” demonstra rapidez em ser imaginativo e agir criativamente. Recorda o caso de um industrial, homem que se realizou às suas próprias custas, e que, tendo começado seu negócio do nada, acabou por conhece-lo em todos os aspectos. No entanto, quando falava com seus empregados, era sempre com uma atitude de “não tenho a solução completa, você a tem?”, e assim continuava aumentando sua reserva de conhecimentos. “Ele se elevou ao sucesso encorajando os outros a se manifestarem”, relembra Hewitt. Afinal de contas, é como disse abertamente Thomas Alva Edison: “Nós não sabemos a milionésima parte de 1% de nada.”
Hewitt acha que todos podemos acrescentar incomensuravelmente algo à nossa arte de viver aprendendo a dizer calmamente para conosco “Tenho de pensar nisto”, ou abertamente para os outros: “Não sei.” Esse psicólogo indica cinco recompensas de que todos podemos nos beneficiar, praticando essa forma de auto-domínio.
Aumentar nossa credibilidade. A pessoa mais culta que conheço é uma senhora de 80 anos que já correu quase o mundo inteiro. É ex-professora universitária, fala cinco línguas, tem lido à bessa e domina um vocabulário que faz seus interlocutores sentirem complexo de inferioridade. Também tem uma memória que mais parece um arquivo. Apesar disso, ela nunca abusa de seus conhecimentos durante uma conversa, nem diz que sabe algo, se não sabe. Tenho aprendido como aumentar minha própria credibilidade escutando essa senhora sempre com resposta para tudo, mas que freqüentemente diz “Não sei” e que sugere que “se consultem os livros”, em vez de se fazer alarde de nossos próprios conhecimentos.
Abstrair do fanatismo e das convicções erradas. Certa noite, ouvi um homem que recentemente tivera alta do hospital falar de um banqueiro aposentado, considerado por muitas pessoas um ricaço austero, muito cheio de si. Não disse nada e fiquei perplexo ao saber que esse homem “rude” passava grande parte de seu tempo visitando doentes em hospitais, levando-lhes livros e pequenos presentes. Não apresentando minhas próprias opiniões na conversa, desfiz uma convicção fanatizada e descobri que eu e outras pessoas tínhamos permitido que a riqueza e o temperamento reservado daquele homem criassem uma impressão errada a seu respeito. Presentemente, esse banqueiro aposentado é meu amigo íntimo e respeitado confidente.
Contribuir para abrilhantar uma conversa, não para acabar com ela. Um dos mais exímios animadores de conversas que tenho tido o prazer de observar é Walter F. Sheehan, ex-diretor da escola Canterbury, estabelecimento de ensino preparatório, na Nova Inglaterra. Mestre da arte do “não sei”, ele gosta de desviar a conversa de um sujeito chato ou de um sabichão introduzindo um assunto interessante em que é versado. A guerra civil norte-americana é um de seus assuntos favoritos. Uma noite, quando falávamos de Robert E. Lee, um conviva perguntou: “Lee não menosprezou os fatos, ou não foi, inclusive, cruel, quando perdeu mais da metade de seus homens atacando Round Top, em Gettysburg, contrariando os conselhos de seus melhores oficiais?”
“Não sei”, respondeu calmamente o diretor. “Não sou militar.” Depois, virando-se para o sujeito ao lado, perguntou: “É verdade que os homens de Lee gostavam tanto dele que teriam feito a carga mesmo sem receberem ordens?” Tenho ouvido dizer isso. Não sei se é verdade ou não”. O sujeito percebeu a deixa e começou a falar entusiasticamente da magnética personalidade de Lee.
O diretor utilizou seus conhecimentos para guiar e inspirar a conversação, nunca permitindo que o “eu sei” dominasse, e fez de um serão que parecia destinado a cair em sonolenta monotonia uma valiosa experiência.
Fazer os inibidos sair de suas conchas. A conversa sobre o pepino digerível é um bom exemplo. O tato é a técnica a utilizar. Quando se sabe demasiado sobre os conhecimentos das outras pessoas e se lhes dá a entender isso, essa atitude pode levar os tímidos a se retraírem ainda mais.
Abrir nossos espíritos, proporcionando-lhes novos horizontes. Sócrates enunciou uma vez, muito sucintamente, a maneira de se conseguir um espírito aberto: “Quanto a mim, só sei que nada sei!” Vários discípulos o seguiram.
Antoine Gilly, um dos grandes mestres-cucas, é muitas vezes assediado por pessoas que querem lhe transmitir seus “fantásticos” segredos culinários. Uma vez, ouvi uma senhora falar com ele durante 20 minutos para lhe explicar como é que ela fazia omeletes. Mais tarde, ele me declarou, sorrindo: “Você sabe, eu nunca usei esse método porque ela da forma à omelete empurrando – nunca a vira. Parece uma coisa lógica e dá menos trabalho. Quando se põe a omelete no prato, seu aspecto, afinal, é o mesmo. Ainda hei de experimentar.”
Essa é a diferença entre um grande mestre-cuca e um cozinheiro vulgar que supõe conhecer tudo.
Um assunto que eu pensava que sabia um bom bocado era a Índia, especialmente suas selvas, onde costumava ir estudar os animais selvagens. No entanto, seguindo a idéia de Antoine Gilly, em vez de falar do que já conhecia a um indivíduo que permanecera lá bastante tempo, ouvi ele me descrever um horizonte completamente novo (uma região no sopé do Himalaia, a apenas 150km do Tibet chinês) que eu nunca vira. Aquilo que aprendi por não ter fechado meu espírito veio fazer parte de um romance que fez sucesso. Elephant Grass.

Em seu livro The Cawthorn Journals, o escritor Stephen Marlowe inclui um personagem que exemplifica minhas idéias de maneira incisiva: “Não ter certeza é uma ótima sensação. Ouvi hoje bastantes respostas prontas que ficarão gravadas em mim a vida inteira. Começo a pensar que o som mais interessante da nossa língua é o das duas palavras não sei, pois elas nos dão uma base para começar – para a gente se maravilhar, inclusive, e perceber o sentido de mistério em cada vida humana.”

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