sábado, outubro 21

Uma vez no Waldorf-Astoria

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1979
Autores : Jean e Bud Ince

A história verdadeira de uma experiência mágica por que passou um jovem casal apaixonado no mais famoso hotel do mundo.

BUD: Numa chuvosa noite de outubro, há 30 anos, sentei-me em meu quarto na Academia Naval de Anápolis, Maryland, com a lição de navegação na frente e o pensamento em Jean. Eu a conhecera no mês de agosto em Chicago e me apaixonara. Três dias mais tarde ali estava eu de volta a Anápolis, cercado de regras e regulamentos, enquanto ela se encontrava tão longe, provavelmente até rodeada de bons partidos. As coisas pareciam realmente pretas.
Surgiu, porém, um raio de espeladélfia para o jogo entre o Exército e a Marinha em novembro. Ambos tínhamos sido convidados para passar o fim de semana com meus tios em Nova York. Se eu tivesse chance, teria de aproveita-la e tornar aquele fim de semana algo de fantástico e inesquecível para ela. Joguei todos os meus livros para o lado e escrevi a seguinte carta:

Ao gerente
The Waldorf-Astoria
Nova York

Caro senhor
No sábado, 27 de novembro, espero abrir caminho entre os corpos prostrados da equipe de futebol de West Point e dirigir-me à cadeira, no Estádio Municipal, onde uma garota vai estar me esperando. Iremos às pressas para a estação ferroviária e partiremos para Nova York. Uma vez lá, tomaremos um táxi em direção ao seu hotel – e é aí que o senhor e o Waldorf-Astoria entram em cena.
Estou profundamente apaixonado por essa jovem, mas ela ainda não percebeu sentir o mesmo por mim. Preso neste mosteiro militar, raras são as chances de corteja-la. Essa noite portanto tem de ser maravilhosa sob todos os aspectos, pois pretendo pedi-la em casamento.
Gostaria de uma mesa perfeita, com luz de velas, prata cintilante e toalha de linho branco; com vinho e um jantar digno do clímax da carreira de seu mestre-cuca. À meia-noite em ponto gostaria que a orquestra tocasse “Navy Blue and Gold” suavemente.
Então farei a proposta.
Ficaria grato se o senhor pudesse confirmar meu plano e dizer-me também o valor aproximado da conta. Certamente ainda não fiquei rico ganhando 13 dólares por mês, mas já juntei um bocado.

Sinceramente,
E. S. Ince
Aspirante da Marinha dos Estados Unidos.

No momento em que a carta foi despachada, arrependi-me de tê-la escrito. Era tola, primária e acima de tudo presunçosa. É claro que o gerente do hotel mais famoso do mundo não estaria interessado na vida amorosa de um obscuro aspirante. A carta seria jogada à cesta de papéis, que era seu devido lugar.
Passaram-se duas semanas. Esqueci a carta, tentando loucamente encontrar um meio de convencer Jean, em apenas 36 horas, a passar o resto da vida comigo. Uma bela manhã, porém, encontrei em minha mesa um envelope timbrado de The Waldorf-Astoria. Rasguei-a e li:

Caro Aspirante Ince,
Sua carta gentil recebeu atenção considerável de nossa equipe. Apenas à guisa de brincadeira, juntarei as sugestões de nosso Maitre-d’hôtel, o famoso René Black.
“Pérolas negras de esturjão do mar Cáspio, acomodadas em garras de lagostas, abertas a louvar o Rei dos Oceanos.
“Filé de pampo, conhecido como a donzela do Atlântico, apresentado num saco de papel com a inscrição ‘Saudações de Poseidon’.
“Peito de galinha servido num pequeno ninho representando a segurança do brigue, acompanhado de legumes e salada verde.
“Uma excelente sobremesa conhecida por ‘Ritorna vincitor’, da Aida de Verdi. Um licor doce para selar a expectativa.
“O preço desta manoeuvre, incluindo vinhos, champanha, gratificações, flores e música fica em torno de 100 dólares. Esperamos assim que suas pequenas provisões estejam fortalecidas para a vitória completa.”
Para falar com sinceridade, a não ser que o senhor tenha recursos próprios, acho inteiramente desnecessário gastar tanto dinheiro. Ficaria feliz em reservar-lhe uma mesa na Wedgwood Room e providenciar uma mesa agradável com o melhor atendimento e flores: o senhor e a jovem poderão escolher diretamente do cardápio o que melhor lhes apetecer.
Certamente desfrutarão de alguns coquetéis, um jantar muito agradável e uma garrafa de champanhe pela terça parte do sugerido por René Black; mas a decisão cabe ao senhor. Por isso avise-me do que gostaria, para que preparemos sua pequena festa.
Saudações.
Cordialmente,
Henry B. Williams
Gerente

Fiquei atordoado, sentindo entusiasmo e gratidão; e consternado também – minhas poupanças nem se aproximavam dos 100 dólares. Com pesar escrevi ao Sr. Williams dizendo que ele tinha sido mais realista que o Sr. Black na estimativa dos meus recursos e que eu apreciaria muito que ele reservasse uma mesa.
Os dias se passaram sem que viesse uma confirmação de minha reserva. Estava certo de que a carta nunca chegara ao Sr. Williams ou que a coisa toda tivesse sido levada na brincadeira. Finalmente chegou o dia 27 de novembro. A Brigada dos Aspirantes observou seu time participar de um jogo emocionante, forçando um empate de 21-21 contra o Exército, franco favorito. Depois disso corri direto para a arquibancada, a fim de encontrar Jean. Ela estava mais linda e maravilhosa do que nunca.
No trem a caminho de Nova York mostrei-lhe a carta do Sr. Williams. Disse-lhe não ter certeza da reserva e não saber se deveríamos ir ao Waldorf. Decidimos tentar.
Entramos pela recepção. A Wedgwood Room se encontrava á direita, depois de uma pequena escada que tinha uma fita de veludo e um pajem na base e outro no topo. Inúmeros casais elegantemente vestidos esperavam para entrar. Jean e eu nos entreolhamos e engoli em seco. “Em frente!” Tomei coragem e dirigi-me amedrontado para o primeiro pajem. “Senhor”, disse, “sou o aspirante Ince; talvez haja uma reserva em meu nome.”
Num passe de mágica ele retirou a fita e nos deu passagem. “De fato, há sim”, disse ele, e vimos o maítre no alto sorrindo e perguntando: “Aspirante ince?” “Sim senhor”, consegui responder. “Por aqui”, disse e estalou os dedos. Fomos levados através da sala até uma linda mesa. Dois garçons acendiam compridas velas brancas...

JEAN: Andando na frente de Bud olhei para a mesa, maravilhada. No centro, entre as velas havia estefanotes brancos e rosas cor de rosa num vaso branco baixo. Logo que o garçom, de paletó vermelho, me ajudou a sentar, reparei numa caixa diante de meu lugar. Abri-a e encontrei um buquê de pequenas orquídeas brancas.
O cardápio era pintado a mão, em aquarela. Um navio cinzento da Marinha soltava vapor para o canto alto direito; à esquerda sobressaía o desenho do rosto de uma moça de periquitos azuis nos cabelos.
No momento em que nosso deslumbramento com as flores, a mesa e o cardápio permitiram uma interrupção, o garçom perguntou a Bud: “Desejariam um coquetel?”
Pedimos um Manhattan e esse foi o nosso único pedido a noite toda.
O jantar teve início. A prata reluzia e o cristal brilhava à luz das velas. Eddy Duchin e sua orquestra tocavam ao fundo. O serviço era constante, atencioso, discreto e cada prato parecia melhor que o anterior.
Mais ou menos no meio do jantar, um cavalheiro distinto, de cabelos prateados e enorme nariz gaulês, aproximou-se da mesas. “Sou René Black. Vim apenas para ver se tudo está bem e se você não está zangado comigo.” Bud pulou de pé e eu me curvei, ambos agradecendo efusivamente ao homem que planejara a noite. Ele puxou uma cadeira, sentou-se e falou, deleitando-nos com episódios de seu contínuo caso de amor com a esposa, a origem das omeletes e uma história maravilhosa sobre um jantar que preparou para seu regimento na França durante a Primeira Guerra Mundial. Quando lhe perguntamos se ele havia pintado o cardápio, sorriu, virou-se e rapidamente desenhou a cabeça de um mestre-cuca com a caneta. Sob o desenho, escreveu:
Si l’amour ne demande que dês baiser à quoi bom la gloire de cuisinier?” (Se bastam beijos para amar, para que serve a glória de cozinhar?)
Depois que o Sr. Black nos deixou, fitei Bud. Eu planejara assistir ao jogo entre o Exército e a Marinha e passar o fim de semana com ele, mas imaginava o que eu sentia em relação ao vistoso aspirante a quem vira tão pouco no verão anterior.
Agora estávamos no Waldorf-Astoria em Nova York. Tínhamos acabado de conversar com o famoso René Black; tínhamos degustado um jantar digno de um rei e estávamos bebericando vinho juntos. Mais era impossível!

BUD: Poucos minutos depois Eddy Duchin deixou seu lugar e aproximou-se da nossa mesa. O lendário músico era cordial e amistoso e comentou sobre a grande partida que a Marinha havia jogado naquela tarde; também ele servira na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial. Aproveitando-se de uma distração de Jean, inclinou-se e murmurou: “Navy Blue and Gold’ à meia-noite. Boa sorte!”
Levantou-se sorrindo maliciosamente, e voltou ao piano.
Saboreávamos um licor quando o garçom disse que me chamavam ao telefone na recepção. Segui-o, imaginando quem poderia estar chamando, mas encontrei o maítre me esperando atrás da porta. Estendeu-me a conta e disse: “Pensamos que preferiria não a receber na mesa.” Desdobrei-a receoso e conferi o total. Exatamente 33 dólares – a quantia que eu podia gastar, conforme afirmara na carta ao Sr. Williams. Eu tinha certeza de que tal quantia não pagava nem o início daquela noite no Waldorf e também que a razão por que a conta me fora apresentada com tal fineza era para me poupar o embaraço dos 33 dólares. Olhei o maítre e ele sorriu: “Todos nós da equipe esperamos que tudo corra bem para você.”

JEAN: Bud surgiu de volta à mesa e, em resposta à minha curiosidade sobre o telefonema, disse: “Nada importante. Vamos dançar?” Senti sua mão no meu braço guiando-me gentilmente para a pista. Outros casais dançavam à nossa volta, conversando e sorrindo. Eu só via Bud. Estávamos vivendo uma noite de sonhos, mas que era de verdade. “Estou apaixonada!”, pensei. “Que maravilha. Estou apaixonada.”

BUD: Faltando cinco para a meia-noite, estávamos sentados na mesa numa aura de felicidade. De repente o garçom responsável pelos vinhos apareceu com uma garrafa pequena de champanhe. Abriu-a com um pop suave e encheu duas taças de cristal. Levantei a taça para Jean e naquele momento rufaram os tambores da bateria. Eddy Duchin virou-se para nós e inclinou-se. Ergueu a mão e foi então que ouvimos a melodia da mais bela e sentimental das canções de estudantes: “...For sailormen in battle fair since fighting days of old have proved the sailor’s right to wear the Navy Blue and Gold.”
Olhei para Jean, minha adorada Jean, e com um nó na garganta, disse: “Você quer casar comigo?”

JEAN: Bud e eu nos casamos no mês de junho seguinte. Agora, 30 anos mais tarde, com nossos cinco filhos crescidos e um contra-almirante no lugar do aspirante, às vezes folheamos o maravilhoso presente de casamento que recebemos do Sr. Williams: uma edição limitada lindamente encadernada da história do Waldorf-Astoria, falando dos príncipes e potentados, presidentes e reis que freqüentaram este hotel deslumbrante. Uma noite, porém, não foi incluída – uma noite em que homens cordiais, bondosos, amavelmente românticos, abriram as portas da felicidade para um jovem casal teso e apaixonado. Aquela noite é nossa, como testemunha o presente de casamento do Sr. Black.
Emoldurada e exibida em lugar de honra na sala de jantar, está uma aquarela representando um pequeno mestre-cuca segurando seu espeto numa cozinha antiga. No alto, impressas na caligrafia familiar do Sr. Black, as palavras:

Si l’amour ne demande que dês baisers, à quoi bon la gloire de coisiner?

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