quinta-feira, maio 11

20.000 bolas no fundo do lago

Fonte : Revista Seleções
Data : Junho de 1995
Autor : Bill Geist

Só uma pessoa com garra, com espírito empreendedor e senso de oportunidade conseguiria descobrir aquele tesouro escondido.

Proveniente do oitavo tee do campo de golfe de Grand Cypress, em Orlando, a bola sobe bem alto no cálido céu azul, impulsionada por um moderníssimo taco de haste de grafite, mas inicia sua queda um pouco cedo demais e, em vez de cair no green, mergulha num simpático lago.
“Boa!”, exulta Jim Reid, sentado num carro de golfe estacionado às margens do obstáculo aquático.
Lá vem outra bola, esta lançada do tee a uma altura bem inferior. Ela toca na água uma, duas, três vezes, antes de finalmente afundar sob o espelho brilhante da água.
“É um som maravilhoso, não acha?”, pergunta Reid, de ouvido atento ao ruído produzido pelas bolas de golfe que mergulham constantemente no lago.
Ele tem toda razão para estar feliz. Nisso onde os outros só vêem aborrecimento e frustração, Jim Reid descobriu uma oportunidade. “No fundo, tiro partido é dos erros dos outros”, explica ele, que começou a faze-lo em 1981, transformando-se no Rei das Bolas de Golfe Usadas da Flórida.
Em 1971, tendo aceito um lugar de superintendente no Walt Disney World, mudou-se de Oklahoma para a Flórida, onde conheceu Beverly, uma funcionária da companhia dos telefones com quem veio a casar. Compraram uma casinha.
Jim começou a praticar mergulho de profundidade, percorrendo os destroços de navios à procura de dobrões de ouro e outros tesouros, mas, um dia, resolveu vestir seu traje de mergulho e saltar dentro de um lago de um campo de golfe, só para ver o que havia lá.
“Fiquei estupefato”, recorda ele. “O leito do lago estava totalmente branco, coberto por milhares de bolas de golfe!”
Examinou um punhado delas à luz do dia. “A maior parte me parecia absolutamente nova”, conta ele. Mostrou-a então ao diretor do campo, que lhe ofereceu 10 cêntimos por cada uma.
Voltou a mergulhar no lago. Nesse dia, conseguiu recuperar mais de 2.000 bolas, tenho ganho praticamente tanto quanto o que recebia por uma semana de trabalho. Depois de discutir o assunto com Beverly, resolveu se despedir do emprego e dedicar-se à caça submarina de bolas de golfe.
“O negócio era meio embaraçoso”, admite ele. “Quando nos perguntam qual é nossa profissão e dizemos que mergulhamos em poças de lama para recuperar bolas de golfe, as pessoas ficam nos olhando de esguelha.”
Apesar disso, ele continuou a fazê-lo, e sua caça foi dando frutos. Primeiro, Jim recolheu montanhas de bolas e limpou-as na máquina de lavar roupa da mulher. Esta lhe dava todo o apoio, mas acabou não topando que ele lhe arruinasse a máquina. Diante disso, Jim teve de comprar a sua lavadeira automática.
Os vizinhos também não gostaram nada daquilo. Imaginem o que é ter de se ouvir 500 bolas de golfe chacoalhando sem parar dentro de uma máquina de lavar até altas horas da noite. Mas Jim encontrou a solução: contratou os vizinhos.
Com o passar do tempo, ele resolveu fazer experiências com outro tipo de tecnologia. Tentou limpa-las numa betoneira, mas o processo alisava a superfície irregular das bolas e elas passavam a não voar direito.
Jim e sua equipe de vizinhos voltaram então ao processo anterior – a máquina de lavar roupa. Uma vez limpas, as bolas eram empoleiradas em três pregos, pintadas com jatos de tinta e metidas em caixas. Depois, vendiam-se pela metade do preço das novas.
A notícia logo se espalhou e outros mergulhadores começaram a se interessar pelo negócio. Jim passou a comprar as bolas deles. Pouco tempo depois, eram muitos furgões que se dirigiam à sua garagem. Lá, depositavam montes de bolas lamacentas e depois as levavam de volta como novas. Na impossibilidade de contratar todos os queixosos da vizinhança, Jim decidiu mudar seu negócio para uma zona industrial.
“Então, que tal foi a pesca hoje?”, grita ele para os mergulhadores que despejam a caça do dia em suas instalações.
“Muito boa”, responde um deles. “Eu diria que anda perto de 2.500 bolas.”
Os apanhadores cobram 8 cêntimos por bola. Um deles, Dan Becher, é um mergulhador verdadeiramente excepcional. Só em 1993, recuperou 652.000 bolas. Atualmente, dirige um carro com telefone celular e ganha cerca de 50.000 dólares por ano.
Mas Jim chama a atenção para o fato de aquilo não ser um gênero de vida nada fácil: “É preciso ser um tipo de pessoa muito especial para passar horas no escuro, na companhia de cobras e enguias, para não falar de nossa imaginação.”
Os obstáculos aquáticos dos campos de golfe podem atingir profundidades da ordem dos 15 m. Os mergulhadores falam de vezes em que pisaram em vidros partidos e pedaços de metal com arestas vivas. Muitos deles foram atingidos por bolas de golfe. O próprio Jim foi apanhado por um raio, certa vez que se encontrava debaixo da água.
Já é fim de tarde e os montes de bolas de golfe usadas não param de chegar, mergulhador após mergulhador, a colheita de uma quantidade de tacadas azarentas.
Uma vez descarregadas, elas são contadas, lavadas e ficam numa cuba numa “vinha-d’alhos” com o molho secreto de Jim, um branqueador. Quando ele diz que é secreto, é porque é mesmo. Os empregados tem de assinar uma declaração de cinco páginas, comprometendo-se a não divulgar sua receita.
Depois de branqueadas, as bolas são pintadas com tinta acrílica. Uma grupo de pessoas sentado a uma mesa dedica-se então à separação das bolas por marca e estado, deixando-as depois cair numa engenhoca com tubos plásticos que, saindo dali em diversas direções, acabam por despejar as bolas em baldes. Aquelas em más condições costumavam ser vendidas a navios de cruzeiro, para serem atiradas ao mar – gracinha com que a legislação ambiental acabou. Agora ficam guardadas, para o caso de alguém um dia aparecer com algum uso inteligente para elas.
“Quando me despedi do trabalho”, conta Jim, “calculei que tinha de encontrar cerca de 2.500 bolas por semana para não ficar na saudade.” Agora, ele recebe entre 80.000 a 100.000 bolas por dia e sua empresa em Orlando, batizadas com o nome de Second Chance Golf Balls Recyclers ( algo como Recicladores Bolas de Golfe Segunda Chance ). As que ele recebe chegam a vir de campos de golfe distantes, até do Havaí. Em 1993, a Second Chance teve uma receita bruta de 5 milhões de dólares.
“A única coisa que poderia prejudicar a Second Chance agora seria um dos principais fabricantes de bolas de golfe lançar uma bola que flutuasse”, diz Jim, “mas isso seria ainda pior para eles. Do jeito que as coisas estão agora, todos fazem dinheiro – menos o Fulano que dá a tacada na bola.”
São fabricados cerca de 200 milhões de bolas de golfe novas todos os anos. Onde é que vão parar? Dentro da água.
“E quando é que eles vão aprender?”, perguntei a Jim.
“Espero que nunca.”

Depois de ter vendido a Second Chance por 5,1 milhões de dólares, em maio de 1994, Jim Reid se entretém agora no gozo da vida a borde de seu iate, o Ball Bandit (Bandido das Bolas). “Talvez eu comece a jogar golfe”, afirma ele, para logo depois explicar: “Sabe como é, eu nunca joguei...”

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