terça-feira, maio 2

De quem é o meu cão?

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1974
Autor: Havilah Babcock

Foi um cão que provou que o melhor amigo do homem é o próprio homem.

“Já faz três semanas, não faz, Sr. Junes?”
Após quarenta anos de casamento ela ainda chamava o marido de “senhor”.
“Fez alguma tentativa para encontrar o proprietário?”
“Bem... Quer dizer, claro que fiz. Mas acho que ele não é um cão aqui da vizinhança. Se fosse, não teria ficado quietinho aqui em casa.”
“Não tenho tanta certeza assim!”, ela disse com firmeza, pondo de lado as maçãs que estava descascando. “Da maneira como você vem mimando o vira-lata... a lei não o obriga a pôr um anúncio no jornal?”
“Obriga. Três vezes na seção de achados e perdidos. Fui à cidade perguntar precisamente isso, hoje de manhã.”
“Mas não pôs o anúncio, pôs?”
“Sabe como é, tenho andado meio ocupado esses dias”, ele se defendeu timidamente. “Só uma coisa me preocupa: se ponho o anúncio no jornal, como vou saber que o primeiro que vier aqui é mesmo o dono? Não me conformo em ver um ótimo cão como esse...”
“Diga ao reclamante que descreva o cachorro antes de ver o nosso”, ela disse. “E faça-o chamar o bicho pelo nome. Já tem nome para ele?”
“Não, e já pensei em todos os nomes que um perdigueiro possa ter. Mas vou continuar pensando...”
Henry Junes tinha passado a vida toda apaixonado por um sonho. Até os 14 anos ele viveu no campo, onde durante tardes sem conta caçou esquilos com um fox terrier e sua adorada espingarda calibre 22. mas, quando o pai morreu, Henry e sua mãe tiveram de se mudar para a cidade a fim de cavar a vida com grande dificuldade. Henry teve vários empregos enquanto freqüentava as aulas. Mais tarde entrou para a escola noturna e passou a trabalhar como guarda-livros de um banco, pelo qual via passar muito dinheiro, embora pouco desse lhe coubesse. Nada menos do que 35 anos num escritório, sentado a uma mesa, fazendo absolutamente a mesma coisa por todos aqueles dias intermináveis.
Mas não sintam pena dele, porque o Sr. Junes tinha um sonho: o de que, algum dia, ainda voltaria para o campo e capturaria de novo o doce pássaro de sua juventude. Agora, aos 66 anos, ele comprara uma fazenda: uma chácara abandonada, na qual a terra não era grande coisa, mas mesmo assim uma chácara. A região também não era muito boa para caçar esquilos mas, em seus passeios, ele deparara com bandos de codornizes, e o barulho de sua revoada o emocionara tremendamente.
Ele havia comprado também uma bela espingarda calibre 20. Mas, e o cachorro? Não tinha nenhum, e o tipo de cão que desejava era difícil de achar, mesmo que ele tivesse o dinheiro. Agora, por um desses acasos, um magnífico cachorro tinha surgido do nada e se deixado adotar.
O Sr. Junes já sabia desde o início que teria de anunciar o cão. Sabia que este era o seu dever, e por isso se envergonhava um pouco de ainda não o ter feito. Um cachorro como este dificilmente deixaria de ser reclamado, pensava.
Alguns dias depois, o anúncio saiu na seção de achados e perdidos do jornal local: Encontrado um cão. Dono que o identificar pelo nome pode reclama-lo.
Uma semana se passou, e ninguém apareceu para ver o cachorro. Até que um carro estranho parou na porta da casa. Junes estava fazendo sidra e sua mulher vinha do pomar com uma cesta carregada de ameixas. O sujeito se dirigiu a eles. Notaram que o homem era alto, tinha um sorriso jovial e que uma das mangas de seu casaco pendia vazia do ombro.
“Espero que me perdoem essa intromissão”, disse. “Estava justamente a procura de... sidra! Ele fez uma pausa e ciciou, deliciado. “Sidra bem fresquinha.”
O Sr. Junes apanhou um copo e encheu-o até a boca. Copo após copo, o tal homem ficou ainda mais “alto”. Finalmente, disse: “Posso ajuda-lo com este alguidar?”
Notando a falta do braço, o Sr. Junes queria recusar, mas não sabia como.
“Deixe comigo”, disse o rapaz. Ele fez girar os cilindros com firmeza, enquanto as maçãs espremidas se amontoavam numa caixa ao lado.
Daí a pouco, a Sra. Junes apareceu com um prato de comida para o hóspede. “O senhor fez uma longa viagem. Pensei que talvez...”
Ele comeu com um apetite que Sra. Junes teria classificado como o “de um lobo faminto”, mastigando vagarosamente o alimento como se o achasse bom demais para ser engolido. Quando terminou, deu uma palmadinha no estômago e comentou: “Se eu ficasse mais tempo com vocês, ganharia uma barriga digna de um político.”
“Qual é a sua altura?” perguntou o Sr. Junes, tentando medi-lo de alto a baixo.
“Um metro e oitenta e oito, mas dizem que na infantaria a gente encolhe”, respondeu rindo.
“Jim tinha mais um centímetro”, disse o Sr. Junes.
“Jim?”, indagou o homem aparentemente intrigado.
“Nosso filho. Morreu na guerra.”
“Tenho certeza de que ele lhes deixou muitas lembranças felizes”, respondeu o rapaz em tom grave. E a sua própria mente se transportou para um trincheira na Nova Guiné.
Mas aquilo não vinha ao caso no momento. “Bem, agora que só faltei comer a dispensa inteira de vocês, vou lhes contar porque vim até aqui. Foi por causa do cachorro. O que vocês anunciaram”, disse, tirando o recorte do bolso com alguma dificuldade, como se ainda não tivesse aprendido a fazer com uma só mão o que sempre fizera com duas.
“Oh,” disse o Sr. Junes. “O cachorro.”
“Há um mês estava passando aqui por perto e um dos pneus furou”, continuou o rapaz. “Quando saí para pedir ajuda, alguém arrombou o carro e me levou a pasta e o cão. Não me importei pela pasta, mas o cão...”
“Que espécie de cachorro era ele?”, perguntou o Sr. Junes, com a voz carregada.
“Era um setter enorme, macho, branco, com uma mancha no dorso e outra na cauda. Quando se deita, costuma cruzar as patas dianteiras. Eu o reconheceria instantaneamente, assim como ele me reconheceria.”
Foi aí que a esperança morreu no coração do Sr. Junes. Ele se levantou, com muita dificuldade, e pela primeira vez pareceu acusar os 66 anos que tinha. Mesmo quando sabemos que uma coisa vai acontecer, sempre esperamos que ela não suceda.
Mas era um homem honesto, por isso disse: “Tenho certeza que é o seu cão, mas não se importa de chamá-lo pelo nome e deixar que ele o reconheça? Um garoto aqui da vizinhança levou-o para reunir umas vacas, mas já devem estar de volta.”
Na entrada do bosque, os dois homens tropeçaram num bando de codornizes, que saíram em disparada para se esconder nos arbustos.
“Viu aquilo?”, perguntou o Sr. Junes, excitado. “Foi ali que o cão as encontrou no outro dia. Há ótimas codornizes aqui perto, mas acho que nunca vou aprender a caçá-las. Sabe, não tenho oportunidade de caçar desde os meus 14 anos, e agora...”
“Espere”, interrompeu o rapaz. “Você disse que o cão encontrou as codornizes aqui perto outro dia? Como se comportou?”
“Foi um espetáculo! Ficou parado por um tempão, com a cabeça levantada e a cauda ereta. Parecia uma estátua. Era um espetáculo, posso lhe dizer. Mas acho que nunca vou aprender a caçar outra vez. Acha que vou?”, perguntou ansioso, sem impedir que as palavras se atropelassem. “Não me acha muito – velho?”
“Claro que vai aprender”, respondeu o jovem. “Com um bom cachorro e um pouco de prática, você pode se tornar um ótimo caçador.”
Unidos pela intimidade daquele momento, o rapaz de um só braço também se sentiu impelido a perguntar. “Você acha que eu também poderia aprender?”. Mas rapidamente reconsiderou a pergunta e se calou.
“Lá vem o cão”, disse o Sr. Junes, quando o avistou. “Aposto que ele vai ficar feliz em vê-lo.”
O cão começou a correr rapidamente em direção ao rapaz, depois parou e olhou indeciso para o Sr. Junes. Imóvel no meio dos dois, ele olhava de um para o outro, parecendo inteiramente desorientado. Então, como se tivesse resolvido o problema, optou nitidamente pelo Sr. Junes e lambeu sua mão.
Após um silêncio constrangedor, o rapaz falou. “Sabe, há uma incrível semelhança. Incrível mesmo. Mas não é difícil encontrar cães muito parecidos. Só mesmo chamando pelo nome é que vamos saber. Aqui, Chief. Vem, Chief.”, chamou, baixinho.
A única resposta do cão foi se enroscar de novo pelas pernas do Sr. Junes, e lamber sua mão.
“Não é o meu cão”, disse o rapaz. “Espero que você descubra o verdadeiro nome dele. Dá azar mudar o nome de um cachorro.”
De volta a casa, o jovem agradeceu apressadamente a hospitalidade do casal e foi embora. Ouviu-se o motor de seu carro sumindo na estrada.
“Bom rapaz”, disse o Sr. Junes. “Não sei porque tinha tanta pressa. Ao descrever o cão, estava certo que ra o dele. Isso me fez envelhecer seis meses.”
Quando, após uma semana, ninguém mais apareceu para reclamar o cão, os últimos temores do Sr. Junes se dissiparam. “O problema agora é descobrir o nome dele. Não se pode chamar um cão por qualquer nome”, disse.
Naquele mesmo dia chegou um telegrama. Tinha vindo de uma cidade distante e não estava assinado. Meio temeroso, o Sr. Junes leu a mensagem que acabara de lhe chegar às mão e era muito curta.
Dizia apenas: Tente chama-lo Tennessee.

Nenhum comentário: