sexta-feira, maio 5

Carta de uma amante a uma esposa

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 1993
Autor : Michael Drury*

Uma visão surpreendente de uma inusitada fonte de informações.

Sou mais parecida com você do que você pensa. Também já fui uma esposa apaixonada, mas a ausência de filhos destruiu o meu casamento. Acabamos nos divorciando, a princípio contra a minha vontade, embora nossa relação já fosse então fria e sem significado.
Dois anos depois, encontrei um homem através do trabalho que eu fazia. Ele era casado e eu sabia que nunca tomaria a decisão de abandonar a mulher. Surpreendi-me, por isso, quando ele sugeriu que iniciássemos uma relação. O que fizemos foi errado e não há justificativa para tal.
Já fui jovem, agora não sou. Com base em minha experiência, posso concluir que, se uma amante domina melhor os aspectos amorosos e uma esposa os práticos, vale a pena explorar a situação em conjunto. As esposas e as amantes podem aprender umas com as outras, mas raramente o fazem, uma vez que a sociedade assume que, se a amante está do lado errado, nada tem a dizer a uma mulher que está do lado certo. Mas não terá mesmo?

Nem só de pão vive o homem.
Não há dúvida que o matrimônio é mais conveniente que uma relação amorosa. Isto, por si só, deveria alertar uma esposa a não deixar que seu casamento se transforme numa simples relação de conveniência.
As amantes são um mal para a sociedade, para os filhos, para o lar, para a segurança, para a velhice. Mas um romance proporciona aventura, coisa tão necessária para a alma como o alimento para o corpo.
Na adolescência, homens e mulheres são ensinados a pôr de parte a aventura. Mas, se nem só de pão vive o homem, também não lhe basta um salário certo, segurança e o regresso diário a casa às 17 horas. Se os homens – e as mulheres – não se aventuram, deixam morrer a vida interior. O casamento arrasta sua própria queda quando tenta refrear a ousadia e acautela num saco fechado o futuro, a aventura e a esperança.

Para ser amado
Uma amante sabe fazer-se amar; uma esposa raramente se lembra de que é necessário aprender. Poucas coisas serão mais ilusórias do que a máxima “para ser amado basta amar”.
Se é que existe um segredo para ser amado, ele consiste em não ter de ser amado. E uma amante tem de estar ciente disto. Desde que compreenda que, uma vez terminada a relação, terá de sobreviver, ela detém a força de ser amada e, de certo modo, o comando da situação.
Somos responsáveis por nós mesmos. Os homens e as mulheres conscientes desse fato são as pessoas mais atraentes da terra e hão de ser sempre amados porque aprenderam a sê-lo.

Como manter o amor
Ao chegar inesperadamente da frente de batalha, um homem encontrou sua mulher vivendo com outro. Expulsou-a de casa e, em seguida, foi-se também embora. Mas os meses passavam e ele ia adiando a ação sobre o divórcio pendente, até que um dia lhe perguntei por que o fazia. “Sei que não faz sentido. Cortei com tudo, sem dúvida”, me respondeu ele. “Mas eu jurava que a conhecia até a ponta de seus cabelos. Isso obviamente não me fez sentir... bem, algo atraído por ela de novo. Para mim, ela é como uma estranha.”
Se você deseja continuar a ser amada, mantenha um pouco de mistério. Guarde certa reserva da mente e do coração, uma cláusula que é um contrato moral com a existência.

Não interfira
Muitas mulheres adoram ajudar os maridos em suas carreiras e ficam magoadas quando não vêem seus esforços recompensados. Todos os homens de valor gostam de atingir um determinado objetivo à sua própria custa. O clichê do homem que abandona a mulher depois de esta o ter ajudado a subir na vida é não só uma banalidade, mas uma justiça grosseira. É, de certo modo, um novo corte do cordão umbilical.
Um dos casamentos mais estáveis que conheci assentava, em parte, na lucidez do marido que, ainda noivo, segurando as mãos da futura mulher, lhe tinha dito: “Minha querida, eu te amo e quero ter um lar e filhos com você numa base de compreensão mútua. Mas não interfira com meu trabalho.”
Esse homem estava no início de uma carreira de romancista e dramaturgo. A mulher sonhava com as noites de estréia, em que envolta num casaco de visom, subiria ao palco para agradecer os aplausos do público. Em vez disso, descobriu que o marido trabalhava numa sala encardida, cuja entrada lhe era praticamente interdita, exceto para lhe levar sanduíches. Atreveu-se uma vez a lhe dizer que a sala estava fria e ele gritou: “Pois é assim que eu gosto!” Mas quando publicou o primeiro livro, dedicou-o à mulher.

Viver o momento
As esposas e as amantes tem maneiras diferentes de encarar a vida. Uma esposa se torna tão obcecada com o futuro que deixa de viver o dia-a-dia. Tudo é para amanhã: a educação das crianças, a casa maior, a aposentadoria. Uma amante talvez viva demasiado no presente, mas esse imediatismo é o ideal.
Qualquer pessoa com senso comum se preocupa um mínimo com o futuro, mas não a ponto de hipotecar o presente a um dúbio “algum dia”. Uma jovem viúva em dificuldades financeira me disse: “Todos os dias me lembro com prazer das imprudências que cometemos. Ainda bem que não fomos sensatos demais, porque agora seria tarde.”

A lida de casa
O homem de quem fui amante me disse um dia: “Se você quiser que eu não te deixe, esquece esse negócio de trabalho doméstico.” Ele não queria dizer que as coisas não tivessem de ser feitas, mas que elas não podiam estar no centro de nossas vidas. E também não se referia apenas às lides domésticas, mas a trivialidades de qualquer espécie.
As amantes não são criaturas encantadoras que nunca varrem a casa nem cosem meias; são extremamente domésticas. Jamais conheci nenhuma que não fosse uma ótima cozinheira ou que não tivesse prazer em conversar. Mas todas essas tarefas diárias são realizadas disfarçadamente, quer por deferência para com os outros, que por justiça para com elas próprias.
Quando eu era jovem, tínhamos uma amiga que vivia numa grande fazenda. Domava potros, tocava guitarra e, com seu vestido de seda bordada, dançava no baile do governador. Quando sua amiga mais velha morreu, esta mulher já estava com 87 anos. Na igreja, conseguiu fazer 400 pessoas chorarem quando se despediu da outra, lançando flores sobre seu caixão. “eram as grandes mulheres do oeste americano. Gente assim já não há”, escreveu um repórter sobre ela e sobre a amiga falecida.
Concordo com ele, mas que desperdício e que pena! Há um mundo lá fora, e todos os homens e mulheres nasceram para vive-lo. É preciso estudar algo, aprender algo, arriscar mais do que se pensa que se pode – se na verdade se quer ser amado.


Sobre o sexo.
Ainda, criança, acontecia-me interceptar por vezes um olhar inconfundível entre meu pai e minha mãe. Era evidente que havia nele um segredo mágico entre o homem e a mulher, segredo esse que um dia seria meu. Nunca passaria pela cabeça de minha mãe nos dar explicações pormenorizadas sobre o ato sexual. Mas também ela não nos deixou na ignorância de seus aspectos práticos, de seu poder, de sua ternura.
Não concordo com a educação sexual moderna. Nós não somos mentes ou corpos, com impulsos sexuais ou meras histórias clínicas, nem mecanismos de respirar e digerir.
O que me choca é a desumanização do sexo nas jovens esposas, que reduzem essa força poderosa a uma técnica pouco diferente da de dirigir um carro ou de se vestir bem. Já não terão as mulheres instintos, mistérios ou brio? Tudo terá de estar sujeito a instruções ou manuais, como se o amor fosse uma escola de culinária?
O sexo necessita desesperadamente não de educação, mas de imaginação. Uma amante não se preocupa com teorias e normas. Entrega-se totalmente ao homem e à sua experiência com ele.

As aparências
Todos os recém-casados são, por força, amadores. Mas convencem-se de que atingiram uma meta importante, quando apenas estão a dar os primeiros passos hesitantes de um longo caminho.
Os amadores se mostram determinados a fazer as coisas segundo as normas. O cozinheiro amador mede todas as gotinhas e grãos, irrita-se se a frigideira tem mais 0,5 cm do que a receita indica. O profissional improvisa, sem se preocupar com o que o livro diz.
Uma mulher casada pode sair-se bem nas tarefas rotineiras e necessárias da casa e da vida social. Não há problema aqui. Mas a esposa evoluída sabe que o casamento e o amor não se alimentam só disso.

Cultivar a inteligência
Uma esposa sensata cultiva pelo menos uma atividade e a alimenta continuamente, evitando que os filhos e a casa se ressintam com isso. Todos sofrerão mais se o casamento se afundar na monotonia e na indiferença.
A uma amante nunca lhe passará pela cabeça que alimentar o espírito possa ser perigoso para o amor, antes pelo contrário. Não é preciso ser um gênio para saber disso. Uma atividade intelectual é imprescindível para um amor duradouro, porque enriquece a personalidade e é difícil amar um ser nulo.

Alo longo dos anos, a maior parte de minhas amigas tem mantido casamentos sólidos. Quando trocamos impressões sobre os homens e as mulheres, chegamos a conclusões surpreendentes. Percebo, então, que o que as esposas e as amantes aprendem não difere muito entre si. Os caminhos são diferentes, mas o destino de chegada é o mesmo. E é fácil uma jovem esposa esquecer que o primeiro e o último requisito e preencher é o de ser mulher.

* MICHAEL DRURY, escritor free-lancer e autor de diversos livros, é, apesar de seu nome profissional, uma mulher.

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