quarta-feira, maio 3

Mamãe, a ecologista

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1972
Autor : Sam Bevenson

Minha mãe era especialista em recorrer a recursos. Nunca tinha ouvido palavras como ecologia, reciclagem e reprocessamento. Sabia só que, se não tomarmos conta do que temos, não o teremos. Os métodos que mamãe usava talvez possam ser reusados. As vezes por necessidade, outras por puro talento, mamãe inventava para as coisas usos que os seus inventores nunca tinham sonhado. “Se não se recebeu uma boa instrução”, dizia ela, “temos de usar a cabeça.”
Punha tudo a trabalhar para ela: um pouco de óleo de rícino fazia tudo andar mais depressa – relógios, ventiladores, brocas ou crianças; um desentupidor de pia novo, grudado perto da pia do banheiro, servia de toalheiro; algumas gotas de cânfora num ferro de engomar a vapor, e podia-se passar uma camisa e curar resfriado ao mesmo tempo; um par de calças sob o colchão há hora de ir para a cama garantia um vinco impecável ( talvez quatro ou cinco) de manhã; a água ainda quente da lavagem de roupa servia para lavar o chão ou jogar pela janela sobre os garotos barulhentos que se encontravam lá fora; uma aliança de casamento servia para partir nozes, bater nos canos de gás, abrir garrafas de refrigerantes ou bater no crânio de uma criança para chamar-lhe a atenção; farinha e água faziam cola, emplastro ou panquecas, e o pão nunca ficava dormindo se se tivesse mais filhos.
Um grampo de cabelo servia para abrir fechaduras de portas, coçar cabeças, desatar cordões de sapatos esfrangalhados, desatar nós, extrair moedas de cofres, limpar a cera dos castiçais ou dos ouvidos, apertar um parafuso, consertar um relógio, puxar os cordões do corpete, depenar um frango e, acima de tudo, para extrair outros grampos dos canos. Se os grampos não dessem certo, usava-se uma abotoadeira. Se a abotoadeira também caísse no cano, mamãe usava um grampo atado a um barbante para pesca-la. Se ambos ficassem no cano, pescava-se tudo com um cabide de arame.
Nós, crianças, descobrimos sozinhas que lâminas podiam ser afiadas esfregando-as na superfície interior do copo; um fósforo queimado podia acender-se num bico de gás aceso a fim de acender um bico de gás apagado; em seguida, esse mesmo fósforo podia ser usado para desenhar bigodes e barbas nas fotografias de senhoras no jornal ou escurecer os nossos bigodes adolescentes antes de sairmos para um encontro; uma caixa de sapatos podia ser transformada numa lancheira, numa casa de bonecas de quatro ou cinco quartos inteiramente mobiliados, num projetor cinematográfico com a luz passando por um quadrado aberto atrás, numa casa para tartaruga, numa cama de boneca ou apenas numa caixa marcada: “Particular. Não toque. Refiro-me a você.”
Comida era coisa que se jogava dentro, não fora. Cada um de nós funcionava como uma espécie de lata de lixo. Mamãe pisava no pé da gente, nós abríamos a boca, algo entrava e fechávamos a tampa. “Não existe comida ruim”, costumava dizer. “Há apenas crianças estragadas.”
“Mãe, estou com fome.”
“Pega pão com manteiga.”
“Não quero pão com manteiga.”
“Se não quer pão com manteiga, é porque não está com fome. O seguinte.”
Uma garrafa de leite vazia só estava realmente vazia depois de ter sido parcialmente cheia de água e agitada como uma coqueteleira para libertar a película leitosa, que era então bebida como leite. Água quente numa garrafa vazia de ketchup transformava-se numa boa tigela de sopa de tomate. Uma mancha de mostarda entre duas fatias de pão preto fazia um sanduíche de carne de dar água na boca.
Para mim os métodos de mamãe custam a morrer. Quando estou em casa de amigos, até hoje não consigo habituar-me a usar uma das lindas e limpas toalhas para os convidados que se encontram empilhadas, muito arrumadinhas, ao lado do lavatório. Saio procurando uma trás da porta, e, se não encontro, uso a parte de dentro da cortina do chuveiro. Minha consciência está limpa.
Mãe, não fui eu que sujei a toalha limpa.”

Nenhum comentário: