quarta-feira, maio 3

Meu filho, o adolescente

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1972
Autor : H. T. Barker

Robert Benchley, o humorista, disse certa vez que um rapaz na madura idade de 14 anos é dono de uma personalidade muito característica. Tenho pensado muito nisto. Eu próprio tenho um filho de 14 anos, o que me faz um especialista.
Benchley não nos diz que espécie de personalidade tem os rapazes “na madura idade de 14 anos” – era esperto demais para começar algo que não podia acabar. Mas eu vou falar-lhes acerca dessa “personalidade mais característica”:
Chama-se conflito com a autoridade.
Chama-se resistência à instrução
Chama-se mau gênio.
Chama-se não tomar banho.
Chama-se também uma séria de outras coisas, mas estas já dão para começar. Poderão observar que as características tem algo em comum: O garoto tem as suas próprias idéias e já não faz aquilo que eu quero.
Vejamos, por exemplo, ontem à noite, ao jantar. Eu disse-lhe: “Não fale com a boca cheia.”
“Não to com a boca cheia.”
“Continua falando com a boca cheia. Pára com isso.”
“Não estou com a boca cheia”, repetiu, esta vez distintamente, abrindo muito a boca para que eu pudesse ver o róseo interior da cavidade vazia.
“Estava cheia quando eu falei”, disse eu. Ele sabe que é verdade, e eu também sei. Mas pra prova-lo teria de gravar o diálogo. Olhei para o garoto magricela, sentado do outro lado da mesa, batendo com o garfo nos dentes e rindo-se de mim por dentro, e sei que ele ganhou mais uma. É lógico que eu podia dar duro nele e manda-lo de castigo para o quarto, mas o emprego de violência apenas provaria que eu tinha perdido.
Sabem o que está acontecendo? É o Touro Jovem tentando tomar conta e o Touro Velho agarrando-se com unhas e dentes ao seu lugar.
Tomemos como exemplo o meu aparelho de barbear. Ora, para mi, o barbeador é o símbolo da minha maturidade masculina. Separa-me do resto da família. Assim, quando o Touro Jovem quis usa-lo, senti um murro no estômago.
O garoto não tem barba. Tem só uma sombrinha mais escura no lábio superior, mas, pelo modo como a cultiva, cantarolando baixinho, parece que está criando petúnias para entrar em concurso. Certo dia, ele escureceu aqueles pelinhos dispersos com o lápis de sobrancelhas da mãe e pediu para usar o meu aparelho. Dei-lhe uma resposta sensata: “Claro que não!” Acho que era inevitável que o Touro Jovem tomasse isto como uma afronta – e usasse o barbeador.
Encheu o banheiro de espuma, pois tinha apontado o bico da lata do aerosol na direção errada. Usou duas lâminas novas para cortar o seu difuso jardim de sombra de bigode (o que dá quase 10 centavos de dólar por pelo) e deixou a pia cheia de água com sabão e o chão coberto de toalhas encharcadas.
“Desobediência!” trovejei. “Duas semanas sem mesada!”
isto, porém, não deu muito certo, porque eu lhe devia 10 dólares. Ele havia trabalhado durante algum tempo, ganhando cinco dólares por semana. Pediu-me que lhe guardasse 10 dólares desse dinheiro, e eu, precisando, gastara-o . De modo que, agora, ele diz alegremente: “Está legal papai, sem mesada. Pode mandar os 10 que você me deve?” Mais uma vez o Touro Jovem enfrentava o Touro Velho.
É a mesma coisa com a mãe. A sua função, tal como ela a entende, é manter o garoto limpo, devidamente vestido, fazer que vá à igreja e ajuda-lo nos deveres de casa. O maior problema é a limpeza. Já terei dito que os pés dele parecem ter andado num rio de lama? Ora bem, há alguns dias ele apareceu com uma erupçãozinha de pele. “Vá lavar!”, ordenou a mãe. “O que você precisa é de água e sabão!” Ele sumiu, e ontem disse à mãe: “Lembra daquela ferida que eu tinha? Desapareceu.”
“Viu?”, disse a mãe, triunfante. “Água e sabão!”
“Não usei nada disso”, disse ele. “Eu não lavei.”
O seu grande problema nos deveres de casa é a matemática. “Mamãe, como é que se desenvolve um número?”
“Não sei; pergunte ao seu pai.”
“Papai, como é que...?”
“Não sei.”
“É, vocês querem que eu passe, não é? Vivem dizendo que...”
“Está bom”, digo eu com um suspiro. Olho para o livro. Tenho lembranças vagas. Finalmente digo: “Faz assim”, e mostrei-lhe.
“Mas não é assim que se faz, papai”, diz ele. “É assim.” E enche uma folha de incompreensíveis parênteses torcidos, uma séria de 10 e ângulos inclinados.
“Bem”, digo, “se você sabe, por que pergunta?”
“Eu só queria ver se você sabia. Me ajuda a fazer um mapa da Austrália?”
ele também compete, e com muito mais violência que antes, com o irmão e as irmãs. Na sua busca interminável de atenção, tem o maior prazer em criar o caos onde existe paz. Adora espreitar por trás da irmã, por exemplo, quando ela está debaixo do secador de cabelo. O aparelho faz grande barulho – e ela está vulnerável. Quando a irmã sai do secador, ele joga água nela.
As vezes solta uma ou duas palavras a um dos irmãos, e cria confusão na hora. Eis algumas das suas contundentes observações: “Hoje, na escola, Johnny Shepard disse que você era feia”, ou “Ih, você está com uma pá de espinhas novas.”
Pois é, isso tudo soa horrível, não é verdade? Um garoto que brinca o tempo todo, tortura os mais jovens, nunca toma banho e, além disso, é intratável, não é muito encantador. Certo?
Errado! Aí é que está a graça de tudo isto. Quero dizer, se ele fosse o filho de qualquer outra pessoa, não o queria em casa. Mas este tem vaga comigo enquanto quiser. Por que? Porque Benchley tinha razão. Um garoto “na madura idade de 14 anos” tem uma verdadeira personalidade.
Tudo nele é confusão e conflitos silenciosos, que não consegue resolver porque não sabe realmente quais são. Além disso, é agressivo, atrevido, irritante e tagarela, mas, acima de tudo, tem algo de encantador. Ele está “na madura idade de 14 anos”, e isso não é fácil. Já não é um garoto; não é ainda um homem.
É apenas algo entre um e outro.

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