sexta-feira, maio 19

A Volta do Mundo de Júlio Verne

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1978
Autor : George kent

Em 1978 comemoram-se os 150 anos do nascimento do inventor da ficção científica.

Na penúltima década do século passado, um homem de barba ruiva visitou um dia o ministro da Educação da França. O funcionário que o atendeu olhou para o cartão e seu rosto iluminou-se.
“Sr. Verne”, disse ele, oferecendo-lhe uma cadeira, “queira sentar-se. Quem viaja tanto como o senhor deve estar cansado.”
Júlio Verne, o escritor, devia estar exausto. Dera muitas vezes a volta ao mundo... uma vez em 80 dias. Percorrera 60 mil milhas submarinas, transportara-se à Lua e explorara o centro da Terra. Conversara com canibais na África, com indígenas no Orinoco. Com efeito, havia muito pouco da geografia do mundo que ele não conhecesse.
Mas o próprio Júlio Verne, como homem, era do tipo caseiro. Se sentia cansaço, só poderia ser entorpecimento de escritor. Durante 40 anos vivera sentado num pequeno quarto da torre vermelho-tijolo de sua casa em Amiens, escrevendo a mão, anos após ano, um livro de seis em seis meses.
Verne foi o grande idealizador de coisas do futuro. Concebeu a televisão antes de ser inventado o rádio: chamou-lhe fonotelefoto. Imaginou o helicóptero meio século antes de o homem aprender a voar. Poucas são as maravilhas do século XX que esse homem da era vitoriana deixou de prever: os submarinos, os aeroplanos, as luzes de gás néon, as calçadas rolantes, o ar-condicionado, os arranha-céus, os mísseis dirigidos, os tanques. Foi ele sem dúvida alguma o pai da ficção científica.
Verne escreveu sobre as maravilhas do futuro com tamanha riqueza e precisão de detalhes que sociedade de sábios o discutiam e matemáticos levavam semanas examinando seus cálculos. Quando foi publicado seu livro sobre a viagem à Lua, 500 pessoas se apresentaram voluntariamente para a expedição seguinte.
Aqueles que mais tarde foram inspirados por ele, prazerosamente lhe renderam homenagem. Ao regressar de seu vôo ao Pólo Norte, o almirante Byrd declarou que o seu guia fora Júlio Verne. Simon Lake, pai do submarino, escreveu no começo de sua autobiografia: “Júlio Verne foi o supremo orientador da minha vida.” August Piccard, aeronauta e explorados das profundezas do oceano, Marconi, celebrizado pela invenção do telégrafo sem fio – estes e muitos outros confessam que Júlio Verne foi o homem que impulsionou seu pensamento. Lyantey, o famoso marechal da França, disse uma vez na câmara de deputados em Paris que a ciência moderna se limitava a traduzir em realizações práticas o que Verne Imaginara.
O autor assistiu à realização de muitas de suas fantasias, e dizia com naturalidade: “Tudo o que alguém é capaz de imaginar, outro homem pode fazer.”
Quando Verne nasceu, perto de Nantes, em 1828, Napoleão acabava de morrer: Wellington era primeiro-ministro da Inglaterra; a primeira estrada de ferro não contava mais de cinco anos; os vapores que então cruzavam o Atlântico eram ainda providos de velas para auxiliar a pouca força das débeis máquinas.
Por insistência de seu pai, que era advogado, Júlio Verne foi para Paris, aos 18 anos de idade, a fim de estudar direito, mas interessava-se mais em escrever poesias e peças teatrais. Era espirituoso, atrevido, descuidado.
Uma noite, aborrecido com um sarau elegante a que assistia, saiu bruscamente e desceu pelo corrimão abaixo, indo cair sobre a pança de um corpulento cavalheiro que se dispunha a subir a escada. Júlio balbuciou a primeira coisa que lhe veio à cabeça: “O senhor já jantou?”
O outro respondeu que sim. Jantara esplendidamente uma omelete à moda de Nantes.
A isso retorquiu Verne: “Ora, em Paris ninguém sabe fazer omelete à moda de Nantes!”
“O senhor sabe?” indagou o senhor corpulento.
“Mas é claro... eu sou de Nantes”, respondeu Verne.
“Muito bem, então vá jantar comigo na próxima quarta-feira... e faça a omelete.”
Assim começou a amizade de Júlio Verne com o autor de Os Três Mosqueteiros. O conhecimento com Alexandre Dumas confirmou no jovem o desejo de escrever. Ele e Dumas escreveram de colaboração uma peça que alcançou certo êxito. Depois, estimulado pelo mais velho, Júlio concebeu o projeto de fazer pela geografia o que Dumas tinha feito pela história.
Seu pai, descontente com a negligência do rapaz com os estudos, cortou-lhe a mesada. Júlio arranjou um modesto emprego num teatro, mas os anos que se seguiram foram difíceis. “Eu como bifes que poucos dias antes estavam puxando carroça em Paris”, escreveu à mãe. “Minhas meias”, referiu ele a um amigo, “parecem uma teia de aranha em que houvesse dormido um hipopótamo.”
Petulante, bem parecido, Júlio enamorou-se. Numa festa ele ouviu a moça dizer a uma amiga que suas “barbatanas de baleia” a estavam matando. Júlio observou: “Como eu gostaria de mergulhar e brincar com as baleias!” O pai da jovem ouviu-o, ficou furioso e enxotou imediatamente o escritor. Ele tornou a se enamorar, mas desta vez acabou casando.
Com a ajuda de seu pai, tornou-se então corretor de fundos públicos. Sua situação financeira melhorou, mas ele continuou morando numa água-furtada e escrevendo. Às seis hora da manhã estava à sua escrivaninha redigindo artigos científicos para uma revista infantil. Lá pelas 10 horas envergava a roupa de trabalho e ia para seu escritório na Bolsa.
Seu primeiro livro foi Cinco Semanas em um Balão. Quinze editores o devolveram. Num acesso de cólera, Júlio atirou o original ao fogo. Sua esposa salvou-o e fê-lo prometer que tentaria mais uma vez. O 16º editor finalmente aceitou –o .
Cinco Semanas em Um Balão, um sucesso de livraria, foi traduzido para todas as línguas civilizadas. Em 1862, com a idade de 34 anos, seu autor era famoso. Desistiu de ser corretor e assinou então um contrato pelo qual se obrigava a produzir dois romances por ano.
Seu livro seguinte: Viagem ao centro da Terra, principia com a descida de suas personagens à cratera de um vulcão, na Islândia. Passam por mil aventuras e finalmente saem deslizando sobre uma corrente de lava na Itália. Havia nesse livro tudo o que a ciência sabia ou podia conjeturar sobre o que se passava nas entranhas da Terra, e a que o autor adicionara o condimento da aventura. O público não se fartava de o ler. Ferdinand de Lesseps, que acabar de concluir o canal de Suez, ficou tão entusiasmado que usou sua influência para que Júlio Verne fosse agraciado com a Legião da Honra.
Quando tiveram um filho, os Vernes mudaram-se de Paris para Amiens. O dinheiro jorrava, Júlio comprou um iate, o maior que havia. Construiu uma casa com uma torre que continha um quarto que parecia cabina de capitão de navio. Ali, cercado de mapas e livros, passou os últimos 40 anos de sua vida.
Talvez o mais conhecido dentre os livros de Júlio Verne seja A volta ao mundo em oitenta dias. Enquanto ia sendo publicado por capítulos em Lê Temps de Paris, a marcha de seu herói, Phileas Fogg, que empreendia uma corrida contra o tempo a fim de ganhar uma aposta, despertou tamanho interesse que correspondentes de jornais de New York e Londres enviavam cabogramas diários informando sobre o lugar onde se encontrava o imaginário Fogg.
Faziam-se apostas num sentido e noutro – se ele chegaria ou não a Londres dentro do prazo a que se propusera. Habilmente, Verne mantinha vivo esse interesse: seu herói salvou da morte uma viúva hindu prestes a ser imolada na fogueira, apaixonou-se e por causa dela quase perdeu de vista seu objetivo. Atravessando as pradarias da América do Norte, foi atacado por peles-vermelhas e, quando chegou a New York, viu reduzido a um ponto no horizonte o navio que devia transporta-lo à Inglaterra.
Todas as companhias de navegação transatlântica ofereceram a Verne Grandes somas em dinheiro para que ele fizesse Phileas Fogg embarcar em um de seus navios. O autor recusou; o seu herói fretou um barco. Faltou-lhe combustível e, enquanto o mundo aguardava com a respiração suspensa, a equipagem queimava a estrutura de madeira do tombadilho e a mobília do camarote. Fogg alcançou Londres e o Reform Club poucos segundos antes da hora marcada. A conclusão é digna de citação: “Aos 57º segundo, abriu-se a porta da sala de visitas e, antes que o relógio de pêndulo marcasse o 60º segundo, Phileas Fogg apareceu e, com sua voz calma, disse: ‘Aqui estou eu, senhores’”
Foi isto em 1872. dezessete anos mais tarde, um jornal de New York contratou uma repórter chamada Nelly Bly para bater o recorde de Phileas Fogg – ela fez a volta ao mundo em 72 dias. Viajando por conta de um jornal inglês, o coronel Burnley-Campbell desceu essa marca para 68 dias. Posteriormente, graças à construção da Estrada de Ferro Transiberiana, que Verne sugerira muitos anos antes, um francês fez o mesmo em 43 dias.
Em Vinte Mil Léguas Submarinas, Verne inventou o submarino, o Nautilus, que não só era dotado de duplo casco e propelido a eletricidade, mas também era capaz de fazer o que dois cientistas ingleses conseguiram experimentalmente na década de 1950 – extrair eletricidade do mar. Podia fazer também o que o submarino atômico da Marinha dos Estados Unidos, o Nautilus, só em nossos dias foi capaz de fazer na realidade: permanecer submerso indefinidamente.
Um dos prescientes e menos lidos dos romances de Júlio Verne é o Diário de um Jornalista Norte-Americano no Ano de 2890. New York, chamada Cidade Universal, é a capital do mundo. Avenidas de 100m de largura são ladeadas por arranha-céus que alcançam a altura de 300m. o clima é controlado e há plantações no Pólo Norte. Os anúncios são projetados nas nuvens. O herói de Verne edita um jornal chamado Earth Herald, que conta 80 milhões de leitores. Os repórteres do Earth Herald transmitem pela televisão suas notícias de Júpiter, Marte e Vênus, e em suas próprias salas de estar os assinantes vêem o que vai pelos mundos. Custa crês que os livros de Júlio Verne tenham sido escritos há um século.
Os derradeiros anos do escritor não foram felizes. Os círculos intelectuais zombavam dele. Apesar de ser o escritor francês mais lido de sua geração, não foi eleito para a Academia Francesa. Acumularam-se os infortúnios. Ele foi acometido de diabetes e começou a sofrer da vista e dos ouvidos. Profeticamente sus últimos livros eram cheios de temos ante o advento de tiranos e totalitarismos.
Júlio Verne morreu em 1905. o mundo acompanhou os funerais – inclusive aqueles que o haviam escarnecido e ridicularizado, 30 dos membros da Academia Francesa, o corpo diplomático e representações especiais de reis e presidentes. Dos milhares de palavras de louvor, as que Júlio Verne mais teria apreciado foram estas duas frases de um jornal parisiense: “O velho contador de histórias morreu. É como a morte de Papai Noel.”

Nenhum comentário: