quarta-feira, maio 10

O melhor na quadra

Fonte: Revista Seleções
Data : Junho de 1995
Autor : Suzanne Chazin

O menino não podia correr, fintar nem lançar uma bola, mas para aquele time ele seria sempre.... O MELHOR DA QUADRA

Byron Houston, estudante do quarto ano, era um astro to time de basquetebol da Universidade do Estado de Oklahoma ( os Cowboys ). Ele fez um último lançamento para Bryant Reeves e observou o desajeitado calouro de cabelos louros afundar a bola no aro da cesta. Os dois atletas acabavam ali o treino para o jogo que nessa noite disputariam em casa contra a equipe da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Foi então que viram o treinador que vinha vindo para a quadra com um senhor que empurrava um menino numa cadeira de rodas.
“Quero apresentar a vocês Scott Carter e seu pai, Mike”, disse ele, após chamar toda a equipe.
“Oi, pessoal”, disse o garoto de quase 12 anos, acenando com seu braço fininho. Usava óculos pretos de hastes de osso grandes demais para seu rosto, pálido e encovado, e um boné de beisebol que lhe cobria a cabeça calva. Por baixo das calças de ginástica, via-se a canela de uma prótese na perna esquerda.
Sutton explicou que Scott perdera parte da perna devido a um câncer ósseo e perguntou-lhe a seguir se tinha algo a dizer à equipe.
Os jogadores esperavam que o menino dissesse algo a respeito de sua doença, mas em vez disso Scott se contraiu. “Bem, não sei”, respondeu ele com um sorriso meio maroto para o treinador. “O que eu disse para um time de futebol americano não ajudou muito: eles não venceram um único jogo em toda a temporada!”
No começo, houve um silêncio. Depois, todo mundo começou a rir. “Olha só que garoto corajoso”, pensou Houston consigo.
Reeves, em especial, espantou-se com o à vontade dele. Jogador meio tímido, ele levara um bom pedaço de tempo gaguejando uma resposta em sua primeira entrevista coletiva. Ruborizou-se só de pensar na coragem necessária para falar à frente dos atletas.
Scott era o mais jovem dos três filhos e sempre adorara esportes, embora não fosse um atleta nato. Também amava pescar com o avô, Bo, e o tio, Tom, já falecidos. Vivia em Oklahoma com o pai, um advogado, e a mãe, Paula.
A primeira vez que Scott se queixou de dores no joelho esquerdo, os pais pensaram tratar-se de uma lesão devida ao esporte. Mais tarde, quando lhes disseram que o filho tinha um tumor maligno e precisava ser submetido a uma operação complexa para extirpa-lo, Mike e Paula começaram a chorar. Scott olhou para os pais e depois se voltou para o médico. “Só não entendo é por que eles estão chorando quando sou eu que tenho um problema nas pernas”, disse de brincadeira, fingindo-se aborrecido.
A irreverência de Scott continuaria ao longo de dez meses de terríveis tratamentos de quimioterapia. Quando lhe perguntaram como se sentia ao despertar da cirurgia na perna, ele respondeu: “Socorro”. Caí e não consigo me levantar!”
Uma semana após os Cowboys derrotarem o pessoal da Califórnia naquela noite de dezembro de 1991, o time foi escalado para se defrontar com a Universidade do Estado de Wichita em seu estádio abarrotado de público, em Stillwater. Imediatamente antes do início da partida, o treinador assistente, Bill Self, viu Mike Carter tentando arrumar o filho numa fileira de cadeiras superlotada. “Olhe, se ele quiser sentar no banco dos suplentes, por mim pode”, lhe disse o treinador.
Quando Self comunicou a Scott o convite de Sutton, ele vibrou de felicidade. Sentado ao lado da equipe, o jovem incitava com vontade seus novos amigos. Em determinado momento, Byron Houston foi substituído para poder descansar.
Crescido no ambiente difícil das ruas de Kansas City, ele agora era um atleta bastante famoso, que fazia sempre por manter à distância torcedores e companheiros da equipe.
Mas Scott puxou conversa com o jogador por ele ter metido o cotovelo num adversário: “Você acha que é durão, mas está é jogando como um ursinho de pelúcia”.
O atleta cerrou os dentes. Quem era aquele garotinho doente para julgar sua atuação? Foi então que percebeu o sorriso travesso na cara de Scott.
“Cuidado, hein?” respondeu, também na brincadeira. “Você não vai gostar nada de segurar este ursinho.”
Depois do jogo, nova vitória consecutiva do time, Sutton convidou Scott a seguir os atletas até os vestiários. Passando a mão pela cabeça raspada de um jogador, Scott comentou: “Nosso barbeiro deve ser o mesmo.”
Percebendo a facilidade com que seu time acolhia Scotti, Sutton de repente teve um pressentimento. “Talvez você seja o nosso talismã da sorte”, disse, com sua voz arrastada. Era um homem elegante, cujo cabelo começara a ficar grisalho. “E que tal se você sempre se sentasse no banco em nossos jogos em casa?”
Os olhos do menino brilharam e dessa vez nem conseguiu falar.
“Aceito isso como uma resposta positiva”, concluiu Sutton.
Pouco depois, nascia um ritual. Durante um jogo, um dos atletas saudou Scott batendo-lhe nas palmas das mãos ao sair de campo. O gesto foi repetido pelo jogador seguinte, e ao atingir-se o princípio de janeiro, já ninguém saía de campo sem fazer isso.
Uma noite, Scott e o pai sintonizaram um programa de rádio a seguir a um jogo. O patrocinador nomeava um dos Cowboys seu “melhor em capo”.
“E que tal se déssemos um prêmio nosso, pai?”, sugeriu o garoto. Os dois imaginaram então um certificado com as palavras, “Escolhido por Scott como o melhor jogador em campo”, escritas na parte superior. Ele seria entregue a quem desse mais de si próprio no jogo. Na derrota ocorrida em fevereiro contra a Universidade do Colorado, Scott viu o primeiro suplente Cornell Hatcher roubar três bolas e apelidou-o de “Cowboy Ladrão”. Outro jogador recebeu um prêmio pelo bom humor demonstrado no banco. Os jogadores adoraram essas coisas, exibindo suas premiações na porta dos escaninhos em seu dormitório.
No começo de fevereiro de 1992, os Cowboys ocupavam a segunda posição no ranking das equipes universitárias de todo o país. Foi então que o melhor marcador, Byron Houston, sofreu uma grave entorse.
Sutton sabia que sem seu astro o próximo encontro contra a Universidade de Nebraska seria um problema. Sentou-se ao lado do jogador antes da partida: “Você acha que pode jogar?”, perguntou.
“Não dá”, resmungou o jovem, tocando no inchaço de seu tornozelo esquerdo.
Scott então dirigiu sua cadeira de rodas para Houston e disse, brincando: “Acho que eu é que vou ter de entrar se você não jogar.” O atleta sorriu e nesse momento se deu conta da ironia: seu tornozelo estava apenas torcido, e ali estava uma criança que não tinha metade de uma perna. Dando-lhe um pequeno murro fingido, respondeu então: “Olhe, vou fazer meu melhor jogo de todos os tempos. Por você!”
Quando o sinal sonoro do fim da partida soou nessa noite, os Cowboys tinham esmagado a equipe de Nebraska por 72-51, e poucos adivinharam que Byron Houston, que marcara 17 pontos, tivesse sofrido dores o tempo todo.
Scott Carter foi em sua cadeira até o vestiário. “O prêmio desta noite do melhor em campo vai para alguém que não desiste, sejam quais forem as dificuldades que lhe apareçam”, disse. “Eu o admiro porque se preocupa com sua equipe e porque é meu amigo.” No certificado, com os rabiscos de uma criança de 12 anos, estava escrito o nome de Byron Houston.
Com lágrimas nos olhos, o jogador foi ter com o menino. “Obrigado”, murmurou ele.
Uma semana depois, após o último jogo da temporada disputada em casa pelos Cowboys Houston foi aplaudido de pé ao sair do campo e disse finalmente o que não conseguira dizer no vestiário. Colocando um braço comprido e musculoso à volta de seu frágil amigo e chorando copiosamente, sussurrou ao ouvido de Scott: “Gosto muito de você, cara!” “Também gosto muito de você”, respondeu o garoto,
Era uma época de esperança para Scott, que já andava de muletas. Seus exames ósseos e pulmonares não revelavam novos tumores, embora ele parecesse ter uma pequena fratura na coluna. Se não aparecessem tumores, os médicos garantiam que ele poderia deixar a quimioterapia e até voltar a nadar e pescar.
Foi então que o médico do menino telefonou a Paula. “Aquilo que se identificou na coluna de seu filho não é uma fratura, mas um tumor maligno.” Scott necessitaria de uma operação dolorosa, seguida de seis meses num aparelho que o cobriria da cintura até o pescoço e mais quimioterapia e radiações.
Paula tentara sempre fazer que o filho encarasse do modo mais otimista possível a sua doença. O menino respondeu às novidades com um aceno de cabeça.
Começou então a buscar refúgio nas infelicidades alheias. Um dia, ao ver um outro menino tremer ao ser colocado numa cadeira de rodas à porta do hospital, disse para a mãe. “Da próxima vez que alguém disser que vai rezar por mim, vou pedir que reze por ele. Eu estou bem.”
Paula e Mike falavam sempre com seus filhos a respeito de Deus e do Céu, e em todas as ocasiões Scott demonstrava uma bondade e uma preocupação para com os outros que convencia o casal Carter de que ele entendia que a vida não se limitava apenas à satisfação das necessidades egoístas de cada um.
A notícia do novo tumor de Scott foi um duro golpe para os Cowboys, cuja tristeza aumentou ainda mais quando souberam que os cirurgiões não tinham conseguido remover sua totalidade, pois ao faze-lo, poderiam tornar o jovem paraplégico.
O treinador Sutton ansiava por fazer algo de especial pelo garoto e um dia teve uma idéia: encomendou um uniforme de treino dos Cowboys com as medidas de Scott e mandou entregar em sua casa.
“Acho que isto quer dizer que sou um verdadeiro Cowboy!”, exclamou ele ao telefonar para Sutton.
“Você será sempre um de nós, meu filho”, garantiu o treinador.
Ninguém se espantava mais com o eterno bom humor de Scott que Bryant Reeves. Agora que Houston já concluíra seus estudos, era aquele rapaz louro e tímido o grande astro da equipe. Mas, apesar da grande autoconfiança demonstrada dentro de campo, ele, que era segundanista, continuava a ser terrivelmente hesitante em tudo o mais.
Numa gélida noite do fim de fevereiro de 1993, os Cowboys defrontavam a equipe do Missouri. Scott assistia ao jogo pela televisão, na cama do hospital. Com seu time perdendo por 64 a 61 a 2 segundos do final, Reeves recebera instruções para lançar a bola para uma das zonas laterais, onde alguém tentaria uma lançamento longo de três pontos. Em vez disso, porém, ele agarrou a bola e virou-se para a cesta e acertou de chuá bem ao soar do sinal sonoro. Esse incrível lançamento de 13,7 m obrigou a um prolongamento da partida, na qual os Cowboys acabaram vencendo por 77 a 73.
Nesse momento alucinante, Reeves sentiu-se possuído da mesma coragem e confiança que vira em Scott. Desejou dizer-lhe como se sentia, mas como era lógico, o menino não estava presente.
Semanas mais tarde, Reeves estava calmamente sentado à mesa principal do centro de convívio de estudantes com mais de 600 torcedores, repórteres e familiares dos jogadores. O banquete anual da equipe de basquetebol chegava ao fim e a tarefa que o jogador tinha pela frente era talvez a mais complicada de toda a sua vida.
Sutton, o treinador, subiu ao palanque e anunciou: “Bryant Reeves gostaria de dizer umas palavras.”
De pé no palanque, sem ouvir nada que quebrasse o silêncio reinante, além do ruído de um ou outro copo, o tímido atleta viu Scott e a família sorrindo para ele.
“Scott Carter é o inspirador dos jogadores desta equipe”, comunicou Bryant com voz trêmula. “Gostaria de lhe agradecer por me ter mostrado o que é a determinação.”
Fez então sinal ao jovem para vir, e enquanto Scott ia-se aproximando com a ajuda de suas muletas, o jogador retirou uma bola da parte inferior do palanque, onde havia um autógrafo seu e as palavras: “Estado de Oklahoma contra Missouri, 24 de Fev. 1993, o ‘Grande Lançamento’.”
“Quero oferecer a você a bola com que fiz aquela cesta contra o Missouri”, disse o atleta. “Ninguém a merece mais que você.”
Equilibrando-se em suas muletas, Scott caiu nos braços enormes do jogador. E, enquanto Reeves tentava conter as lágrimas, a assistência de pé irrompeu em aplausos.
No início de outubro de 1993, um exame ósseo revelou novos tumores que se desenvolviam em volta da coluna de Scott, ameaçando destruir-lhe a medula espinhal. Isto seria o fim de suas dores intensas, mas o jovem perderia a sensibilidade da cintura para baixo. Foram ainda encontrados outros tumores nos pulmões e no cérebro.
“Acabou”, disseram os médicos aos pais do menino. “É provável que ele morra antes de dezembro.”
O medo que despertara nos corações de Mike e Paula desde que tinham ouvido a palavra “câncer” pela primeira vez atingia agora seu ponto máximo. Teriam agora de reunir forças para a despedida.
Quando o casal revelou a notícia ao filho, o frágil adolescente ouviu-a com calma. Quando por fim falou, não se referiu a todas as coisas que não poderia fazer ( acabar o secundário, casar, ser pai ), mas sim ao que iria pode fazer: “Vou voltar a ver tio Tom no céu”, disse ele. “Vou pescar com ele e meu avô Bo.”
No dia de Ação de Graças, vários furgões começaram a estacionar diante da casa dos Carter. “Você nem vai acreditar quando vir quem está aí à porta!”, gritou Paula para o filho, agora confinado a uma cama no quarto principal. E Scott sorriu ao ver os Cowboys, um por uma, com seus treinadores e famílias, no corredor da casa.
Totalmente paralisado da cintura para baixo, seu corpo estava inchado devido às grandes doses de esteróides que lhe tinham ministrado, enquanto os medicamentos para controlar as lesões cerebrais derivadas do tumor retardavam-lhe a fala. Mesmo assim, ele continuava o mesmo: “É melhor que você ganhem amanhã”, disse para Reeves, “porque eu vou lá para me certificar disso.”
Na noite seguinte, apesar das arquibancadas lotadas, um lugar permanecia vago: o da ponta do banco dos Cowboys. Ao longo da primeira metade do jogo, o time jogou mecanicamente.
Sutton abanava a cabeça: fora tolice acreditar que Scott conseguiria vir. Mesmo assim, ele desejava partilhar só mais uma vitória com o pequeno.
Então, por entre o ruído da multidão, o treinador percebeu o de uma cadeira de rodas. Virou-se e viu Mike Carter empurrando Scott para a quadra. Já incapaz de se sentar, ele vinha estendido na cadeira reclinável, com a cabeça levantada para poder ver o jogo. Os Cowboys que estavam dentro da quadra perceberam a coisa de imediato: O Scott está aí!” A partir de então, jogaram por ele e a equipe da Universidade de Oklahoma venceria por 113-102. o descomunal Brooks Thompson marcou 33 pontos, um número recorde em sua carreira, mas não escapou à repreensão final de Scott: “Sua exibição foi muito boa”, disse o jovem ao atleta, “mas por que não acertou aquele último lançamento?”
Depois, fez algo que vinha acontecendo há mais de duas temporadas, embora necessitasse de todas as suas forças para repeti-lo: ao passarem por ele a caminho do chuveiro completamente suados, os jogadores o saudaram batendo-lhe nas palmas das mãos, pálidas e magras, mas mesmo assim levantadas.
Seria a última vez. No dia 2 de dezembro de 1993, Scott, rodeado pelos pais e irmãos, parou de respirar.
Foi enterrado ao lado de um pequeno rio semelhante àquele onde pescava com o tio e o avô, vestindo um uniforme preto de treino dos Cowboys. “Foi para um lugar melhor”, disseram Paula e Mike Carter a um Sutton de olhos vermelhos e aos jogadores que carregaram o caixão de seu jovem amigo.
Nos meses seguintes, quando ficava deprimido ao pensar no lugar vago em seu banco de suplentes ou via um jogador de cara sombria, o treinador Sutton recordava à equipe os prêmios de Scott. Segundo lhe dizia, o Melhor em Campo seria quem se esforçasse até já não poder mais, por muito negras que fossem as perspectivas; quem valorizasse tanto sua equipe, seus torcedores e com sua fé em Deus que lhe fosse impossível renunciar.
Scott Carter, disse-lhes, seria para sempre seu modelo de Melhor Jogador em Campo.

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