segunda-feira, maio 8

Tenho pensado em não lhe escrever

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 1993
Autor : Wilbur Cross

Se você não consegue resolver o problema da correspondência por responder, fique descansado: há outras maneiras de se manter contato.

Contemplando uma folha de papel em branco, fazemos quase tudo para evitar escrever uma carta. Certo profissional de publicidade, por exemplo, de consciência pesada por não ter escrito à sua mulher que saíra de férias, passou uma hora esboçando em garatujas um desenho para lhe pedir desculpas; depois, levou mais meia hora decifrando o que pretendia para o diretor de arte da agência, que por sua vez o explicou a um artista, o qual gastou mais uma hora para aparecer com o produto final. Mas o esforço foi um sucesso: não foi preciso escrever nem sequer uma única palavra.
O problema não é de agora; há quase 2.000 anos já Plínio o Novo se queixava a um correspondente: “você diz que não há nada sobre que falar. Então, me escreva dizendo isso.”
Felizmente, porém, há uma saída! Tal como pude descobrir enquanto lutava contra uma pilha crescente de cartas por responder, existem dúzias de formas de manter o contato mesmo sem utilizar o telefone: pode-se, por exemplo, enviar uma mensagem num cassete de vídeo. Estes podem ser enviados de um lado para o outro e depois reutilizados várias vezes. Não é necessário preparar um discurso formal: podem-se gravar a família se divertindo, uma festa com os vizinhos ou conversas durante as refeições. Qualquer um desses aspectos dará uma impressão suficiente calorosa daquilo que se vai fazendo.
Se não gostar de falar em gravadores de fita ou de ser observado por uma câmara de vídeo, deixe que sejam as fotografias a contar a sua história. A maior parte delas chega a precisar de um parágrafo inteiro no verso para explicar aquilo a que aquela imagem pouco nítida e distorcida se deve. Mas, se você se tornar habilidoso, suas fotos valerão realmente 1.000 palavras. Depois de 10 anos difíceis, uma mãe de oito filhos assinalou seu primeiro dia sem ter de lavar fraldas colocando um aviso que dizia “fechado” no varal de roupa. A fotografia disso que ela enviou a toda a família não precisou de legenda.
O crítico literário Wilson idealizou um postal especial com uma lista de situações impressa. Ticando com seu lápis, ele conseguia comunicar que não iria ler um determinado manuscrito, proferir um discurso, tomar parte num comitê ou fazer qualquer outra das aborrecidas tarefas para as quais era incessantemente convidado. O postal padrão do cáustico escritor inglês que era Evelyn Waugh dizia apenas: “Evelyn Waugh lamenta profundamente não poder corresponder àquilo que lhe foi gentilmente solicitado.”
Um homem que conheci utilizava a correspondência recebida para efeitos de resposta. Certa vez, enviou o recibo de uma conta de armazém a um amigo com a seguinte anotação: “Agora você já poderá entender por que, no mês passado, não me foi possível ir ter com você para jogarmos golfe no fim de semana.”
Há também o caso daquela mulher que se mudou para outra parte do país quando o marido foi transferido. Durante anos, amigos e parentes queixaram-se: “Não temos a menor idéia do que a Betty está fazendo. Ela nunca escreve.” Por fim, ela começou a cozinhar especialidades por Hobby e seus dias de incomunicabilidade acabaram: sempre que inventava uma nova receita, datilografava-a e enviava fotocópias para as pessoas de onde viera, sendo cada uma devidamente personalizada: “Peru à Theodore”, Lagosta Louise” ou “Biscoitos Catherine.”
Enviar objetos é um ramo interessante da Arte de Não escrever Cartas. Um piloto de aviação capaz de lidar com centenas de mostradores e alavancas, parecia incapaz com uma esferográfica. Ao longo do ano, gastava 184 dólares para enviar flores campestres (que amassavam todas durante a viagem) à sua noiva, compensando-a assim pelas cartas que prometera, mas que nunca escrevia.
E não nos esqueçamos do telegrama. “Lamento muito não poder ir”, comunicou certa vez o almirante Charles Beresford, da Marinha Real inglesa, ao príncipe de Gales, “A justificativa inverídica segue pelo correio.” Eis o espírito adequado!
Até um jornal poderá ser utilizado de uma forma criativa. Um anúncio num jornal de estudantes universitários dizia: “Velhinha dócil deseja corresponder-se com estudante de 1,83 m, olhos castanhos e iniciais J. D. B.” Estava assinado: “Mãe”.
Se todo o resto falhar, arranje outra pessoa que escreva. Se por acaso você for à Cidade do México, encaminhe-se para a praça de Santo Domingo, onde, por uma quantia módica, um escriba profissional, a que se dá o nome de escribano, redigirá para você sobre qualquer assunto que você lhe indique. Em espanhol, é claro. Um sistema melhor para assuntos do dia-a-dia será pôr seus filhos para escrever as cartas aos avós, tias e tios.
Mas, sonhe você com os substitutos engenhosos que sonhar, claro está que há ocasiões em que a cata à moda antiga não poderá ser substituída.
E caso você se encontre do outro lado da barricada (sendo um bom correspondente, mas não conseguindo receber resposta nenhuma), siga o exemplo do industrial milionário americano Andrew Carnegie, que há muito tempo provou que um pouco de inventividade pode fazer muito. Certa vez, ele apostou com a cunhada que conseguiria arrancar uma carta do filho dela, que jamais escrevia. Redigiu um bilhete informal para o sobrinho, terminando com a mensagem de que junto seguia um cheque de 10 dólares. Como não o enviou, conseguiu uma resposta imediata. Ganhou a aposta.


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