terça-feira, maio 2

O chapéu roubado por amor

Fonte : Revista Seleções
Data : junho de 1995
Autor : Ed Stivender

Quando o caso era entender as garotas, eu me confundia todo.

No colégio católico em que eu estudava quando tinha 11 anos, negócio de beijo nem pensar. Também estavam proibidas as manifestações escritas de amor – exceto no Dia dos Namorados. Mas, então, mandar cartões impressos para alguém especial era muito mais comum que as mensagens de genuína afeição
Naqueles tempos, um menino que quisesse demonstrar seu interesse por uma garota só tinha uma opção: roubar-lhe o chapéu, na esperança de que ela se importasse o suficiente para correr atrás dele tentando reavê-lo.
Não faço idéia de quantas vezes terei roubado o chapéu da Diane Tasca. O que sei é que meu amor por ela era para valer. Eu me apaixonara por sua garra – um misto de atitude positiva e alegria de viver.
Era essa sua garra que emprestava vibração ao modo como ela reagia a meus furtos. Invariavelmente Diane punha as mãos nas cadeiras, dizia “Edward, me devolve imediatamente o meu chapéu” e fazia algumas tentativas para reavê-lo – nenhuma, porém, suficientemente enérgica para dar resultado. Isso tiraria todo o sabor da brincadeira.
Não se tratava de uma brincadeira vulgar do tipo barata-voa. Jamais atirei seu chapéu para outro menino, pois isso corresponderia a um abuso de confiança. Se a finalidade fosse me divertir à custa dela, essa atitude teria sido apropriada, mas tratava-se de amor.
Um dia, certa menina, objeto freqüente de implicâncias, observava algumas colegas pulando corda, quando seu chapéu foi roubado. Bem que ela tentou reavê-lo, mas não conseguiu levar a melhor aos meninos de 13 anos que a atormentavam.
O chapéu voava de um para outro, quando, traindo minha tendência para acabar com brincadeiras desleais, deu um salto, apanhei-o e devolvi-o à dona, que já chorava. Do canto do lho, vi Diane me olhando.
Imediatamente os meninos me rodearam, ameaçando-me com retaliação. Foi quando ocorreu o milagre: tocou a campainha anunciando o fim do recreio.
Voei para chegar à minha aula, mas não deu. Irmã Regina Christi me apanhou quando eu tentava penetrar na sala.
“Edward, você tem uma boa desculpa para chegar atrasado?”
“Não, irmã”. Era óbvio que, seu eu contasse como havia acudido à garota, retiraria parte do significado ao acontecimento. Em vez disso, lancei um olhar a Diane. Seu rosto estava cheio de compreensão.
“Edward, espere por mim depois das aulas.”
Nessa tarde, quando eu passava pelo convento a caminho de casa, Diane apareceu, acabada de sair de sua aula de piano.
“Posso acompanhar você até a sua casa?”, perguntei, não sem surpresa para mim próprio.
Durante o caminho, ela me disse: “Eu vi o que você fez hoje.”
“Ah, não foi nada”, comentei. “Fico mesmo doente quando vejo perseguirem alguém desamparado.”
“Você gosta dela?”
Olhe só! Era óbvio que Diane estava com ciúme.
“Claro, gosto dela sim”, reconheci.
“E de mim você gosta?”
“Ah, de você eu gosto mesmo.”
“Então, por que é que rouba o meu chapéu?”
Fiquei estupefato! Seria possível que Diane me considerasse tão mau como aqueles meninos do recreio?
“Porque gosto muito de você. Repare: se eu não gostasse, pegava seu chapéu e o atirava para os outros meninos. Mas não é isso que eu faço. Eu fico com ele.”
“Você quer ficar com ele?”
“Depois eu não o devolvo a você?”
“É, mas assim mesmo eu acho indelicado.”
“Você prefere que eu pare de fazer isso?”
“Bem, sim... e não” respondeu ela. “Não, porque não quero que você pare. É bom você prestar atenção em mim.”
“E o sim?”
“Sim, porque isso interfere com minha vocação e com a sua também, eu acho.”
Hoje, a palavra vocação pode estar mais relacionada com qualquer uma das respostas à questão: “O que é que você quer ser quando crescer?”, mas, em nossa tradição só tinha um significado – a resposta a um chamamento para consagrarmos nossa vida a Deus, tornando-nos padre, frade ou freira. Com a exclusão do matrimônio.
“Mas você pensa mesmo que tem vocação?”, perguntei-lhe.
“Bem, eu pensei muito nisso. E você?”
“Minha mãe quer que eu seja padre, mas meu pai me preveniu contra qualquer profissão em que eu tenha de usar saias para trabalhar.”
A Diane ergueu o olhar, as faces ruborizadas devido ao choque provocado por minha resposta. Finalmente, quando eu já não conseguia manter a cara séria, desatamos os dois a rir.
Foi então que ela roubou meu boné de beisebol e correu pela rua abaixo. Quando reagi à surpresa e consegui alcança-la, já ela estava à porta de sua casa, com meu boné rodopiando na ponta do dedo.
Soltou uma risadinha e atirou-o para mim de volta. Depois, desapareceu dentro da casa, deixando-me ali completamente confuso.
Passadas algumas semanas, a irmã Regina Christi disse à classe que Diante tinha uma declaração a fazer. Será que ela já estava indo para um convento?
“Meu pai foi promovido e nós partimos este fim de semana”, anunciou ela.
“Partir:? Ela vai embora?” Olhei fixamente para Diane, que evitou me encarar.
“Sexta-feira é a festa de despedida”, informou a irmã.
Sexta-feira, como obra do destino, Diane e eu formávamos o par concorrente numa versão do jogo-da-velha, com perguntas e respostas. Desenharam-se quatro linhas no quadro, compondo nove quadrados, cada qual representando um tema diverso.
Atiramos a moeda ao ar e era eu quem devia começar, mas disse: “Cedo o lugar a Diane.”
Ela sorriu para mim. “Quadrado superior direito, por favor.”
“O tema é Geografia”, disse a irmã. “A pergunta é ‘Qual o produto mais exportado do Texas?’”
“Petróleo bruto”, respondeu Diane.
“Correto. Agora Edward.”
“Quadrado central, por favor, irmã.
“Aritmética. Quantos são onze ao quadrado?”
“Cento e vinte e um.”
“Correto. Diane?”
“Canto inferior direito.”
“Soletre a palavra enciclopédia.”
Diane soletrou.
“Correto. Edward?”
“Quadrado central esquerdo, por favor.”
Um dos meninos me lançou um olhar de consternação. O centra esquerdo deixaria a Diane um espaço para vencer. Não pude explicar-lhe por linguagem de sinais que tentava apenas demonstrar-lhe meu afeto. No entanto, a irmã sorria para mim.
“O tema é Civismo. Qual é o número de assentos no Senado dos Estados Unidos?”
“Noventa e seis.”
“Correto. Diane?”
“Quadrado central direito, por favor.”
“Esta é decisiva. Calados, por favor. Mencione os sete sacramentos.”
Ouviu-se um gemido dos meninos. Era fácil demais.
“Batismo, Crisma, Santa Eucaristia, Penitência, Extrema-Unção, Ordem...”
Aí, Diane hesitou. Todos retiveram a respiração. Seria possível que ela tivesse esquecido o matrimônio?
Ela olhou para mim e, com um vigor excessivo na voz, disse: Adoção dos votos de uma freira – pobreza, castidade e obediência.”
Um gemido das meninas. A irmã abriu a boca, estupefata.
“Errado. Edward?”
Todos os meninos faziam figas.
“Batismo, Crisma, Santa Eucaristia, Penitência, Extrema-Unção, Ordem e Matrimônio.”
Os garotos vibravam e as meninas estavam atônitas. Diane, porém, sorria abertamente quando me estendeu a mão. “Parabéns, Edward.”
Mais tarde, ela começou a esvaziar sua carteira.
Ofereci-me para levar os livros.
“Não há nenhum para levar”, disse ela rindo, “mas pode levar meu chapéu.”
Estendeu-me o mais fácil de tirar, um gorro, com uma borla no alto, que eu pus em minha pasta.
No dia seguinte, minha cabeça não me deu descanso enquanto eu ia indo até a casa de Diane devolver-lhe o gorro e despedir-me dela. Sentia-me ainda confuso com o jogo de perguntas e respostas. Teria ela esquecido o matrimônio? Nunca mais voltaria a vê-la?
Diane estava na frente da casa, junto a um enorme caminhão de mudanças. Eu tinha uma pergunta na ponta da língua, mas ela não me saia da boca.
A mãe chamou Diane. “Tenho de ir embora, Edward”, disse ela. E me beijou – bem na boca. Chocado, deu um passo atrás enquanto ela entrava em casa.
“Eu amo você”, gritei-lhe. Comecei então a caminhar, tentando ainda compreender a resposta que ela dera durante o jogo. Talvez Diane sentisse mesmo a vocação e esta fosse a sua única maneira de me dizer que nosso amor era impossível.
Foi então que percebi. Ela me deixara vencer. Amava-me de verdade ou sentia por mim algo muito semelhante a isso. Exultante, atirei minha pasta para cima. O chapéu dela escorregou e caiu a meus pés. Apanhei-o e corri de novo até sua casa.
Bati com força. O som ecoou. Vi que ela partira e que eu não ia mais voltar a vê-la. Levei o gorro ao nariz, inspirando o aroma perfumado de seus cabelos. Em seguida, pendurei-o na maçaneta da porta e comecei a caminhar para casa.

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