terça-feira, maio 16

Brincadeiras dos bichos

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1995
Autor : Douglas Harbrecht

Enquanto os cientistas estudam a fundo o comportamento lúdico dos animais, estes deitam e rolam.

Por todas as razões científicas, a tartaruga Pigface, que morreu de velhice em outubro de 1993, não devia ter jeito para jogar basquetebol. Afinal, o enorme animal africano era, por volta dos 50 anos, velho demais para ficar dando voltas pelo aquário com uma bola na ponta do focinho. Além do mais, brincar, que é coisa comum entre os mamíferos e aves, não é propriamente o forte dos répteis, animais de sangue frio. Quando postos em cativeiro, por questões de sobrevivência, logo ao nascerem, raramente exibem aquilo a que os cientistas chamam comportamento lúdico.
Pigface, porém, não sabia disso e todos os dias, durante horas, costumava deliciar os visitantes do Zôo Nacional de Washington. Os tratadores começaram por lhe atirar uma bola como distração temporária. Não esperavam que a tartaruga brincasse com aquilo, mas ela pareceu apreciar o exercício diário. Quem o conta é Gordon Burghardt, biopsicólogo da Universidade de Tennessee que prepara um ensaio que vai certamente provocar controvérsia no campo da ciência do divertimento. As tartarugas estão entre as espécies mais antigas do planeta e Burghandt acha que o comportamento “mamífero” delas pode ser devido à herança de seus antepassados, que se contavam entre as espécies de sangue quente semelhantes aos répteis.
Muito interessados recentemente em tartarugas que batem uma bolinha, macacos que jogam água uns nos outros e alces que correm atrás de folhas arrastadas pelo vento, os cientistas vêm procurando passar da anedota a estudos mais aprofundados, a fim de determinar as razões pelos quais os animais brincam. Mas o assunto permanece complexo e enigmático.
A primeira vez que o biólogo Robert Fagen, da Universidade do Alasca, observou corças de cauda branca correrem dentro da água, sacudindo o corpo e a cabeça, confessa: “Minha reação imediata foi pensar que elas tinham enlouquecido ou que eu estava tendo visões. Só mais tarde percebi que elas brincavam ali.”
Os pesquisadores apontam geralmente três modos básicos de os animais realizarem seus jogos: perseguição e luta simulada, repetição de destrezas locomotoras e uma tendência dos animais jovens de correr riscos em que haja perigo incluído.
Muitas cabriolices dos animais imitam brincadeiras infantis. Os macacos pulam carniça, as hienas jovens entretêm-se brincando de cabo-de-guerra e os morcegos vampiros jovens brincam de pegador, batendo com as asas uns nos outros.
Num mesmo nicho ecológico, aves e mamíferos parecem partilhar suas brincadeiras. Pica-paus, papagaios e warblers ( certo pássaro canoro) divertem-se perseguindo-se uns aos outros. Os falcões jovens, as corujas e as águias muitas vezes brincam com sua presa morta, tal como o fazem os gatos, as martas e os ursos.
Mas as brincadeiras dos animais nem sempre são coisas divertidas. Na vida selvagem podem ser perigosas. Os animais jovens não só constituem presas fáceis para os predadores, como podem ferir-se seriamente. Na África, os babuínos ficam à espera de que os macacos jovens apareçam para os agarrarem e comerem. O cabrito-montês siberiano, quando jovem, chega a se ferir mortalmente nas travessuras em terrenos rochosos. Apesar de tais perigos, a brincadeira pode ser uma forma de desenvolver técnicas de sobrevivência.
John Byers e outros zoólogos da Universidade de Idaho encontraram provas seguras de que é quando as células do cérebro animal e seu sistema nervoso se desenvolvem mais rapidamente que os bichos brincam mais. A propensão para a brincadeira parece estar mais interiorizada nos animais com cérebros maiores e ciclos de maturação mais longos. Assim, as baleias e os chimpanzés entregam-se a jogos mais elaborados e longos do que, por exemplo, os ouriços-cacheiros e os musaranhos.
Segundo Byers, 90% das brincadeiras das espécies mamíferas reproduzem um dos três comportamentos diferentes mais tarde usados na vida – a captura da presa, a fuga à captura e a luta com outros membros da mesma espécie. O fato de a maior parte dos animais passar um tempo tão significativo ( 100% da juventude) em brincadeiras “implica em que a natureza está tirando o máximo partido com o mínimo custo”, conclui Byers.
Para muitos animais, porém, a brincadeira representa também elaborada função de relações e estabelecimento de regras sociais. “Os animais que brincam juntos permanecem juntos”, observa Mark Bekoff, da Universidade do Colorado, em Boulder. De fato, estudos recentes demonstram que, através das brincadeiras, os animais aprendem a negociar com suas próprias espécies e a saber até onde podem avançar.
Vejam-se as focas das enseadas, as quais, por razões que só elas conhecem, não gostam de ser tocadas. John W. Lawson, etologista do Departamento de Pesca e Oceanos, em St. John’s, na Terra Nova, passou anos observando colônias dessas focas nas ilhas próximas. Quando os animais descansavam, reparou ele, faziam-no sempre separados uns dos outros. Uma vez, inadvertidamente, ele deixou cair um saco plástico que rebentou e roçou em uma cria. “O animal ficou enraivecido”, conta Lawson. “Correu para um adulto, que o mordeu e o atirou para o outro. O grupo acabou todo correndo para a água.”
Ele descobriu que o mesmo se vê nas brincadeiras das crias dessas focas. Os jovens reúnem-se na água e vão-se empurrando para terra, borrifando os adultos com a espuma do mar. O truque consistem em parar pouco antes de tocar em algum adulto, evitando com isso serem por ele mordidos. “Os animais pareciam estar aprendendo até onde podiam ir”, diz Lawson.
Maxeen Biben, zoólogo que estudou nos Institutos Nacionais de Saúde, de Washington, os jogos de primatas, diz que a brincadeira é para os jovens macacos uma forma de ganhar experiência das funções sociais “sem ser ferido ou morto”. Chamemos-lhe conceito de espírito esportivo da seleção natural.
Os animais jovens escolhem deliberadamente os parceiros que podem dominar na luta e permitem-lhes que eles os dominem uma vez. Estes jogos trazem experiência a ser usada na idade adulta, permitindo que ambos os participantes refinem os movimentos e as destrezas sociais de que precisarão mais tarde.
Tais brincadeiras de cunho social são assinaladas por uma variedade de formas. As doninhas indicam que é hora de brincar andando aos pulinhos, de pernas esticadas, dorsos arqueados e caudas erguidas. Os coiotes e os lobos curvam-se nas quatro patas e empinam os traseiros, como os cães quando pousam aos pés do dono algo que apanharam. Os papagaios da Nova Zelândia deitam-se de costas e balançam pequenos objetos nas patas, depois atiram-nos e correm atrás deles, aparentemente numa tentativa de atrair outros papagaios para a brincadeira.
Um das questões que mais intrigam os cientistas é aquela cuja resposta é dada pelo riso encantador de uma criança num playground. Sentir-se-ão gratificados os animais com suas brincadeiras? Pigface, a tartaruga jogadora de basquetebol, soltaria alguma exclamação de júbilo a cada encontrão dado nos nenúfares?
Alguns cientistas se mostram relutantes em classificar qualquer comportamento animal como brincadeira sem o terem estudado exaustivamente. Entre os gatos, verifica-se um fenômeno a que alguns pesquisadores tem chamado de “jogo de distensão”, em que um jovem felino molesta com selvageria sua presa durante uma hora ou mais. Há quem considere essa atividade uma celebração. Mas será ela mais que uma mera brincadeira? Terá alguma coisa a ver com os mecanismos impressos de sobrevivência no cativeiro do predador, forçados a uma sobrecarga?
Do mesmo modo, estarão as lontras que deslizam repetidamente por uma vertente nevada simplesmente se divertindo? Ou será esse ato uma reação ao terreno embutida em seu cérebro como um truque locomotor de sucesso numa espécie que de outro modo viveria em condições inferiores na Terra?
Os biólogos de campo pensam muitas vezes que a distinção entre divertir-se e reagir é extremamente tênue. Uma lontra dentro da água desliza de um modo análogo a, por exemplo, uma criança correndo alegremente pelo recreio de sua escola. Mas, definindo o que é brincar, diz Marc Bekoff: “Você pode dar-lhe o nome que quiser, mas não há como se enganar com a coisa.”

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