segunda-feira, maio 15

Quando se comete uma gafe

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1995
Autor : Mary Murray

É preciso saber emendar as coisas.

Tudo começou em certa manhã em que o chefe de Deborah Work lhe passou uma série de tarefas difíceis, dizendo-lhe ainda que, nas semanas seguintes, pretendia leva-la “aos seus limites”.
“Parece um capitão-de-mato”, pensou ela consigo. “Como pode ser assim tão insensível?”
Escreveu então uma mensagem em seu terminal de computador para uma colega, queixando-se da falta de sentimentos daquele “andróide” e enviou-a pela rede informática do escritório. Ou, pelo menos, foi isso que pretendeu fazer.
Compreendeu seu engano segundos depois, ao ver a cara vermelha e profundamente chocada de seu chefe, que atravessava a sala. Em vez de mandar a mensagem para a amiga, ela tinha enviado para ele!
Todos cometemos grandes gafes de vez em quando. No princípio, ficamos atordoados, sem nem poder acreditar, mas, uma vez feito o mal, é preciso tentar, da maneira mais airosa, colar os cacos. Felizmente, existem formas de se corrigirem tais coisas e seguir em frente. Eis alguns conselhos dos quais você deve se recordar quando precisar se redimir.
Esclareça os pormenores. Depois de se humilharem, as pessoas não raro se sentem tentadas a murmurar alguma rápida desculpa e sumir do mapa. Na maioria dos casos, porém, é necessário mais do que um simples “lamento muito” para fazer as coisas voltarem ao normal. Foi o que se passou com Deborah.
Após respirar fundo por uns instantes, ela rapidamente redigiu um bilhete ao chefe solicitando-lhe uma entrevista. Ele acedeu e foram para uma sala de conferência vazia.
“Obviamente, não era ao senhor que aquela mensagem era destinada”, começou ela. “Peço desculpas.” E explicou que o termo “andróide” era apenas uma forma divertida e abreviada de descrever a forma como ele parecia distante e insensível em relação a ela.
O homem quase que lhe agradeceu por aquela crítica feita em termos razoáveis, prometendo até tentar ser mais compreensivo. “Déb”, disse ele, “quando sairmos desta sala, este incidente ficará esquecido.” E cumpriu a promessa. A partir desse momento, Deborah passou a achar bastante mais fácil sua comunicação com ele.
Ao discutir abertamente o assunto, ela o ajudou a se acalmar e resolveu o problema. Segundo o psicólogo Michael W. Mercer, este deveria ser sempre o objetivo principal do autor de qualquer rata. “Concentre-se em resolver a situação de forma madura, em vez de reagir emocionalmente.”
Demonstre o que realmente lhe vai na alma. A vergonha que sentimos quando erramos em público nos tenta muitas vezes a sermos demasiado reservado quando pedimos desculpas. Mas nossas vítimas “querem ver algum sinal de que nos sentimos realmente mal”, avisa Michael Mercer. “Ficarão mais suscetíveis de se acalmarem se parecermos transtornados.”
Judith Martin, a colunista especializada em assuntos de etiqueta conhecida nos EUA por Miss Manners, descobriu os encantos da auto-humilhação há muitos anos, após provocar um acidente no qual ela entrou num entroncamento e abalroou um carro onde seguiam um homem, uma mulher e um bebê. Após saber que ninguém se machucara, começou a balbuciar insistentemente: “Sinto muito... sinto realmente muito.”
Sua atitude de auto-humilhação continuou frente ao juiz, algumas semanas depois, e, após a leitura da sentença (dois sábados na escola de motoristas), o chofer do outro carro acompanhou-a até saírem do prédio e confidenciou ao marido de Judith: “Sua mulher é uma senhora fantástica!” “Pois é”, respondeu este. “Pena é não saber dirigir...”
As desculpas de Martin ilustram bem o poder do remorso. “Na maioria das vezes, as pessoas são muito compreensivas”, diz a colunista, “E, se admitirmos que erramos, elas se revelarão generosas.”
Tenha cuidado com as desculpas. Escrevi um artigo sobre o comportamento de um grupo de crianças em idade pré-escolar num parque de diversões e dediquei um parágrafo a um garoto de 4 anos, que passara o tempo todo dormitando. O pai me telefonou, após ler a história da primeira página, dizendo que eu me enganara: “Foi outra criança, não a nossa.”
“Mas a encarregada do parque de diversões me disse que tinha sido ele”, balbuciei eu. Minha resposta só fez que o homem ficasse ainda mais irritado, e ele acabou se queixando a meu patrão.
Como é lógico, “passar a batata quente” é normalmente uma forma ineficaz de nos acusarmos, mas o problema não era eu ter dado uma desculpa e sim tê-la dado de uma forma tão impolida.
Todos nos desculpamos. O psicólogo C. R. Snyder, autor de dois livros sobre o tema, afirma: “As desculpas aliviam a tensão,, ajudando ambas as partes a compreender que a gafe foi uma aberração que não voltará a suceder.” Mas, acrescenta que as escusas são mais eficazes quando as disfarçamos de justificações”.
Eu devia ter pedido desculpas ao pai ofendido e prometer-lhe um desmentido no jornal. Depois, então, é que lhe poderia ter explicado que eu tinha sido mal informada. O homem teria provavelmente ficado feliz por ouvir a história completa, após ficar satisfeito por eu aceitar a culpa da situação.
Compense o mal que fez. Após desculpas e justificações, devemos nos preocupar em reparar o mal praticado.
Quando este foi infligido a sentimentos, compensar a coisa com presentes, por exemplo flores, realmente melhora um pouco a coisa, mas os gestos materiais nem sempre são apropriados.
Depois de cometer erros no trabalho (falhando prazos ou colocando documentos no local errado), dê a seu chefe garantias tangíveis de que tais deslizes não se voltarão a repetir. É esse o conselho que nos dá a psicóloga Rhoda Frindell Green, que acrescenta: “Numa situação ideal, deveríamos conceber uma nova estratégia, que prevenisse a repetição do erro, resolvendo ao mesmo tempo outros problemas e nosso trabalho. Dessa forma, ajudaremos a que o chefe readquira a confiança em nós, recompensando-o ainda com algo em troca”.
Azares do destino.Um dos maiores problemas com que nos confrontamos após uma gafe é que não conseguimos nos libertar dela. O fotógrafo Tim Davis reagiu recentemente a um engano de forma que a maioria das pessoas o faz: enfurecendo-se consigo próprio. Fo ao Havaí com um grupo de amigos e ficou instalado numa casa de praia, construída sobre palafitas. Todos gostaram da viagem, até o momento em que surgiu uma tempestade que devastou as estradas e os encanamentos da casa.
Na manhã seguinte, Davis verificou constantemente a torneira da cozinha, para ver se o abastecimento de água já fora retornado, mas como isso não aconteceu, o grupo se mudou para um condomínio numa cidade das redondezas.
Dois dias depois, o fotógrafo recebeu um telefonema da agência de aluguel de propriedades. As pessoas da casa ao lado daquela onde ele tinha estado haviam visto água a cascatear pela varanda. Aparentemente, Davis deixara a torneira aberta e a pia transbordara, provocando uma inundação, assim que os encanamentos foram reparados.
“A culpa foi toda minha”, admitiu ele perante todo mundo. Resolveu ainda escrever uma carta, desculpando-se com os donos da casa e se oferecendo para pagar os danos causados. E, durante algum tempo, foi assolado por um sentimento de culpa.
Mas, quanto mais pensava no problema, começou a rir da imagem de uma cascata de fabrico humano caindo por aquela varanda. Bastou ver o lado cômico da questão para compreender também que não fizeram nada de perverso. Fora tudo um mero acidente, originado por uma seqüência de acontecimentos que começaram com a tempestade.
“Nosso controle sobre as coisas que acontecem é limitado”, afirma o psicólogo Frank Farley. “Por vezes, temos de pensar em nossos erros como obra do destino: azares que acontecem”.
Aprenda com seu erro. Há alguns anos, a escritora especialista em etiqueta Letitia Baldrige cometeu uma gafe tão terrível que lhe alterou de vez os hábitos do dia-a-dia. Uma amiga que trabalha nas Nações Unidas organizou um jantar em sua homenagem e do marido, Robert, convidando embaixadores de dois países.
“Teria sido uma honra ir àquele jantar”, diz a colunista, “mas anotei o compromisso no dia errado em minha agenda e, na noite do jantar, eu e o Bob fomos ao cinema.”
Ela só viria a se dar conta do problema na manhã seguinte, quando ouviu a voz magoada da amiga ao telefone: “Nesse instante”, recorda, “minha única vontade foi morrer;”
Letitia pediu-lhe desculpas pelo telefone, foi ao escritório dela para voltar a faze-lo pessoalmente, e ainda escreveu-lhe uma carta de quatro páginas falando de seus remorsos, a qual fea acompanhar com duas dúzias de rosas. Seis meses depois, enviou-lhe mais flores, para comemorar os seis meses de aniversário de sua descortesia. Nessa altura, a amiga já a havia desculpado, mas mesmo assim voltou a telefonar-lhe, reafirmando: “Tish, você está desculpada.”
Talvez estivesse, mas o sentimento de culpa ainda atormente a colunista, tendo-lhe deixado uma marca indelével. Hoje, ela verifica duas vezes a data de cada compromisso quando o anota em sua agenda. Acabaram-se as notas rabiscadas ao telefone com a intenção de serem passadas para sua agenda mais tarde.
“Dizem que os homens mais virtuosos são moldados pelos erros”, escrevei Shakespeare em Measure for Measure (ato V, cena 1 ), “e, em sua maioria, tornam-se ainda mais virtuosos por serem um pouco maus.” Dessa forma, cada deslize pode ser encarado como uma ótima ocasião para nos aprimorarmos. É que, quanto maior for a “distração”, maior será também a oportunidade de nos tornarmos pessoas melhores – na medida em que saibamos emendar as coisas.

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