quarta-feira, maio 3

Um cofre bom demais

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1972
Autor : J. D. Ratcliff

A guerra em torno das caixas-fortes é uma interminável batalha de tecnologia e talentos. De um lado, os ladrões; do outro lado, os fabricantes dos modernos cofres e casas-fortes subterrâneas.

Com o olhar arguto e profissional, o homem de meia-idade, observou o cofre diante de si: um velho cofre igual aos que muitos comerciantes têm nos fundos da loja. Como um cirurgião que se prepara para operar, ele espalhou suas ferramentas. Algumas pancadas secas com um cinzel, e o disco de combinação pulou fora. Mais algumas pancadas, e uma ponteira empurrou o eixo para dentro do cofre, quebrando o mecanismo da fechadura. Uma volta na maçaneta, e a porta abriu-se. Tinha gasto exatamente dois minutos para vencer um cofre que parecia absolutamente sólido.
Felizmente, este ‘assalto’ não tinha vítima. Tratava-se apenas de uma demonstração feita para a Polícia e agentes de segurança pela Fábrica de Cofres Mosler, uma divisão da American-Standard. Um dos maiores fabricantes mundiais de cofres e casas-fortes subterrâneas, a Mosler opera em 22 países e faz negócios de mais de 100 milhões de dólares anuais. Nos Estados Unidos, afirma, orgulhosamente, guardar 70% da riqueza particular e pública do país – incluindo outros objetos de roubo além de dinheiro: peles, narcóticos, fitas de computador, etc.
Através dos tempos, a guerra entre ladrões e os que tem valores a proteger tem sido uma batalha infinita. O melhor que a Mosler e os outros fabricantes de cofres de alta qualidade podem fazer é tornar a vida dos criminosos tão difícil quanto possível com cofres engenhosamente desenhados, casas-fortes subterrâneas e intrincados sistemas eletrônicos de alarma. “Nossa tarefa”, diz um diretor da Mosler, “é proteger os valores de quase qualquer risco: fogo, tremores de terra, ataque atômico – e, evidentemente, arrombadores de cofres. Mas, se lhe derem tempo, um ladrão competente pode abrir qualquer coisa – inclusive as casas-fortes subterrâneas do Forte Knox, que nós construímos, onde o Governo americano guarda seu ouro. O nosso trabalho é fazer que o ladrão perca tempo. Cada minuto extra que ele gasta aumenta a sua probabilidade de ser preso. Tempo é tudo.”
A história da Mosler começa na década de 1840, quando um negociante de Cincinati pediu a Gustav Mosler, fabricante de carrinhos de mão recentemente chegado à Áustria, que lhe construísse uma caixa de ferro. Mosler fez um bom trabalho, outras encomendas surgiram, e em 1848 nascia a Fábrica de Cofres Mosler.
Antigamente, os bandidos simplesmente carregavam com os pequenos cofres e ima abri-los calmamente a marteladas. Mosler surgiu com cofres mais pesados, presos ao solo. Na virada do século, os ladrões descobriram maçaricos de acetileno, que cortavam quase tudo. Mosler reagiu com um revestimento de cobre sobre o metal do cofre, que dissipava o calor e derrotava o maçarico. A nitroglicerina, então, teve a sua época. As fendas na parte de baixo e nos lados da porta do cofre eram vedadas com sabão, e nitroglicerina era derramada pela fenda de cima e a coisa era explodida com um detonador. Resposta de Moster: portas mais bem fechadas, com uma tolerância de apenas 0,15 milímetros.
Para brocas de alta velocidade, a resposta foi aço de manganês ainda mais rijo, além de um processo de endurecimento das caixas. Para as brocas de carbureto de tungstênio, aparecidas na década de 1940, aço reforçado com óxido de alumínio superduro, que fazia as brocas desviarem-se.
Na maioria dos corres, as basculantes das fechaduras são discos de metal com ranhuras – alinham-se as ranhuras, e o cofre abre. Ladrões, sempre cheios de idéias, tiveram uma: porque não localizar as ranhuras por meio de raios X e abrir os cofres sem maiores problemas? Mosler trocou os discos de metal por plástico, que não aparece aos raios X.
Neste momento, a companhia está preocupada com um espantoso instrumento chamado “lança térmica”. Trata-se de um cano de três metros de comprimento cheio de pequenos bastonetes de ferro, alumínio e magnésio. A ponta da lança é inflamada com um maçarico de acetileno. Oxigênio forçado através do cano mantém a chama acesa, queimando os bastonetes como combustível e gerando temperaturas de até quase 4.000ºC . Essas lanças ardentes podem varar 45 centímetros de concreto armado em três minutos e perfuram os aços mais duros como se fossem manteiga. Mas os buracos que abrem são pequenos, de forma que tem de fazer muitos; o equipamento é volumoso – vários tanques de oxigênio, um bom suprimento de bastonetes – e exige um manejo altamente especializado. O operador deve usar roupa de amianto e máscara de proteção e todos os membros da quadrilha necessitam de máscaras de gás. A Mosler classifica os assaltantes numa escala de 1 a 6: amadores, profissionais, quadrilha. A lança térmica é apenas para os assaltantes classificados em 5 e 6.
O método mais sofisticado é, de longe, a manipulação, no qual a mão é a única ferramenta. A rotina do arrombador de cofres começa pela utilização de uma série de combinações comuns. Então, sabendo que muitas vezes os donos escolhem combinações utilizando datas memoráveis, aniversários, etc, o arrombador bem preparado de antemão tentará este caminho. Ou, ao preparar-se para um assalto, pode ter alugado um quarto do outro lado da rua e tentar observar por meio de um telescópio quando o cofre é aberto e decorar a combinação.
Se tudo isso fracassar, o ladrão talentoso recorre aos olhos argutos, um estetoscópio, para amplificar os sons do mecanismo da fechadura, e dedos altamente sensíveis. Horas de trabalho paciente são geralmente necessárias para “sentir” uma combinação – e os fracassos são comuns.
Um inimigo tão grande como os ladrões é o fogo. Uma falência muitas vezes resulta de um incêndio que destrói os arquivos do negócio; fitas de computador ficam inutilizadas se a temperatura atingir 95º C . Uma das principais proteções criadas pela Mosler é um concreto armado no qual são retidas milhões de bolhas de água. Quando as bolhas aquecem, produz-se um manto de vapor protetor. Numa experiência realizada, um cofre foi aquecido ao rubro – mais de 1.000º C – e deixado cair de uma altura de três andares – sem qualquer dano ao seu conteúdo.
Outra preocupação é um ataque atômico. Mas a Mosler observa que, em agosto de 1945, quando o Banco de Teikoku, em Hiroxima, foi arrasado pela explosão atômica, a casa-forte subterrânea, de fabricação Mosler, e os papéis que continha, não sofreram o menor dano.
A proteção, evidentemente, não termina com o fornecimento da caixa-forte. A vigilância da área por meio de fotografia ou TV é cada vez mais importante. Além disso, as casas-fortes estão sendo inundadas cada vez mais com impulsos de radar ou ultra-sônicas: se alguém interromper as ondas, soa um alarma. Existem sensores que detectam o calor do corpo de um ladrão, instrumentos para fazer soar o alarma se alguém tirar um monte de notas de uma gaveta e equipamento sísmico para detectar escavações.
A maior obra da Mosler foi uma encomenda do Banco Chase Manhattan, de New York. Uma casa-forte de 4.000 metros quadrados ancorada num berço de rocha mais de 25 metros sob o nível da rua, garantida contra tudo, menos o impacto direto de uma bomba atômica. Existem três portas de acesso – duas pesando 35 toneladas e a outra 45 toneladas.
Mas o máximo da Mosler talvez seja um banco praticamente à prova de assaltos. O International Bank City, de New Orleans, é um dos vários exemplos. Não existem gavetas de dinheiro nem caixas no salão principal. O depositante entra numa cabina, aperta um botão e é ligado por circuito fechado de TV a uma caixa numa fortaleza. Depósitos e saque são feitos por tubo pneumático. Mas não fica perdido todo o contato humano. Se uma criança está com a mãe, um pirolito vem pelo tudo.
Talvez os maiores elogios da Mosler sejam os dos próprios criminosos. Um arrombador fracassado escreveu a giz no alto de um cofre intacto: “Duro demais.” Outro rabiscou um bilhete e deixou-o na cena de uma tentativa de roubo: “Mosler, vocês constroem um cofre bom demais. Parabéns. Ganharam esta. P. S. Até breve.” Mas entre todos os elogios o maior talvez tenha sido o do célebre assaltante Willie Sutton, que, com um colega, atacou dois cofres numa joalheria. “Quase desmaiei quando os vi”, Sutton diz na sua autobiografia. “Eram Moslers. Trabalhamos durante cindo horas, mas não conseguimos nada. Foi muito deprimente.”

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