terça-feira, maio 2

Passe a boa palavra

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1972
Autor : Norman Vincent Peale

Numa cidadezinha industrial americana, há alguns anos, jovem sacerdote designado para a minha primeira paróquia, encontrei uma congregação dividida ao meio por uma daquelas rixas que começam com dois rivais teimosos e acabam envolvendo todo o mundo.
A líder de uma das facções era uma força irresistível chamada Sra Follet. A chefe da outra era um objeto inamovível chamado Sra. Lloyd.
As coisas chegaram ao ponto de os dois grupos se sentarem em lados opostos da igreja, lançando-se olhares ferozes através da nave.
Com a minha vasta inexperiência, eu estava inclinadíssimo a ter uma conversa com cada uma das senhoras e chamar-lhes a atenção para a obrigação cristã de pararem de se odiar mutuamente. Mas um membro da congregação, um velho e curtido operário de nome Rowbottom, deteve-me. “Não dá certo”, disse ele.
“Você só vai piorar as coisas. O pastor de uma igreja deve ser um condutor de boa vontade. Boa vontade é mais forte que o rancor.”
“Mas como se pode transmitir boa vontade”, objetei, “se não há nenhuma por onde começar?”
Rowbottom bateu-me sabiamente no ombro. “Crie um pouco, meu rapaz”, disse. “Crie um pouco!” E foi-se embora.
Eu sabia que hostilidade gera hostilidade, ódio alimenta mais ódio, e que a paróquia fora apanhada neste círculo vicioso. Enquanto pensava nas palavras de Rowbottom, ocorreu-me que o contrário poderia também ser verdade. Se uma daquelas aguerridas senhoras pudesse ser levada a dizer qualquer coisa remotamente agradável sobre a outra, talvez a espiral descendente da cordialidade pudesse ser invertida.
Naqueles dias, cheio de zelo, eu costumava fazer inúmeras visitas a paroquianos. Como eu era magro, pesando 60 quilos no máximo, as boas mulheres da paróquia estavam sempre me oferecendo copos de leite, tortas e bolos “Para não ser carregado pelo vento”. Assim, um belo dia, na sala de visitas da Sra. Lloyd, enchi-me de coragem e comentei que tinha comido na véspera um pedaço de torta na casa da Sra. Follett. E acrescentei, como por acaso: “Ela é uma boa cozinheira, não é?”
“Hum!” retrucou a Sra. Lloyd. “É, é boa cozinheira. Pena que em matéria de gênio não seja tão boa assim!”
Meia hora depois eu estava na cozinha da sua adversária, equilibrando um prato de biscoitos nos joelhos. “Sra. Follett”, disse eu, depois de alguma conversa. “Ouvi a Sra. Lloyd falar bem da senhora.”
“Quem?” gritou a Sra. Follett, incrédula.
“A Sra. Lloyd. Ela disse que a senhora era uma boa...” (neste ponto engoli um biscoito, deliciado) “...cozinheira. O que é verdade.”
“Bom!” disse a Sra. Follett. “Ora, quem diria” Mas, para dizer a verdade...” ( ela sacudiu a cabeça, como se não pudesse acreditar no que a sua boca dizia ) “...Peggy Lloyd também tem a mão boa para doces!”
Vocês bem podem imaginar onde as minhas visitas me levaram no dia seguinte e o que foi que eu passei adiante. Por fraca que fosse a centelha de boa vontade, era o começo do fim daquela rixa paroquial. Rowbottom tinha razão: o amor é mais forte que o ódio, o afeto é mais poderoso que a inimizade, a hostilidade não é um estado natural de relacionamento humano – e a maioria das pessoas desejam fugir a isso e sentem-se melhor quando o conseguem.
Embora todos se tivessem beneficiado com a minha pequena experimentação, o principal beneficiário fui eu próprio, porque daí nasceu o meu passatempo favorito: fazer-me de estação retransmissora de centelhas de boa vontade que de outra forma talvez nunca conseguissem saltar através do espaço que separa as pessoas.
Qual é o meu sistema? Bem, na maioria das vezes é muito simplesmente o cumprimento por tabela. Aprendi a prestar atenção a qualquer palavrinha de aprovação ou elogio que alguém diga a respeito de outra pessoa – e passa-la adiante.
É tão fácil! Pode ser feito no seu próximo encontro acidental com a pessoa elogiada. Pode-se também encaixar no meio de um telefonema, entrar numa carta ou ser transformado num bilhete rápido.
E compensa tanto! O originador do pensamento carinhoso beneficia-se da gratidão da pessoa que o recebe. A necessidade de aprovação – e todos temos esta necessidade – de quem recebe é satisfeita de uma maneira agradável e inesperada. E você, o intermediário, tem a satisfação de saber que, graças ao seu esforço, um lampejo de boa vontade surgiu no ambiente.
É extraordinária a freqüência com que estes pequenos estímulos espirituais parecem atingir seus objetivos num momento em que a pessoa do outro lado da linha se encontra desencorajada ou deprimida. Certa vez, rabisquei um bilhete para um jovem ilustrador, transmitindo o que eu havia escutado de um diretor de arte sobre o seu trabalho. Semanas depois, tive notícias dele. Antes de receber o meu bilhete ele havia desistido de pintar e aceitara um emprego numa grande loja. “Mas”, escreveu-me, “achei que, se o seu amigo gostava de algo que eu já tinha feito, eu com certeza seria capaz, no futuro, de coisas tão boas, ou melhores. Voltei a fazer o que eu realmente quero, trabalhar como ilustrador free-lancer, e desta vez vou dar certo.”
Quando alguém lhe conta qualquer coisa agradável sobre uma terceira pessoa, você está, na realidade, diante de uma alternativa: pode absorvê-la e detê-la ali mesmo – ou pode desvia-la e fazê-la atingir o verdadeiro alvo. Ao lidar com nós emaranhados de relacionamentos humanos, já usei mais de uma vez este princípio do recochete, com excelentes resultados.
Certa ocasião, um membro da minha congregação apareceu um problema. Havia sido recentemente promovido a diretor de uma grande empresa. Outra pessoa, um brilhante gerente de vendas estava furioso porque achava que tinha direito ao lugar. “Nós dependemos do gênio profissional desse homem”, disse meu amigo. “ “Mas ele está tornando as coisas terrivelmente difíceis. Que devo fazer?”
Esse meu amigo era um bom jogador de bilhar. “Olhe”, disse-lhe eu. “Eu sei que muitas vezes, para se conseguir uma boa jogada de bilhar, é preciso fazer a bola branca bater uma ou duas vezes nas tabelas. Pois aqui está o meu conselho: Durante os próximos seis meses, faça questão de elogiar a capacidade desse homem sempre que falar com o pessoal do seu escritório e com as suas relações comerciais. Não importa o que ele faça – continue falando bem dele. No fim de seis meses, se nada tiver mudado despeça-o!”
A experiência funcionou tão bem que, anos mais tarde, quando aquele amigo estava para se aposentar, recomendou seu antigo adversário para a presidência. Por que? Porque algumas pessoas de bom coração haviam defletido para o alvo certo algumas das coisas boas que o chefe havia dito e um empregado transformara-se em amigo leal.
Há pessoas que acham difícil fazer elogios diretos. Ficam constrangidas. Ainda outro dia escutei um amigo dizer orgulhosamente a um grupo de homens que a sua mulher era a melhor pessoa que ele conhecia. Mais tarde, quando pude repetir isto para ela, sua face iluminou-se de alegria. “Oh, obrigada”, disse ela. “Ele nunca seria capaz de dizer-me isso!” Nestes casos, um cumprimento retransmitido pode ser como chuva sobre um campo ressequido.
Acho que, muitas vezes, a palavra gentil passada adiante é até mais significativa que a palavra direta. Realmente, quando alguém nos diz diretamente algo elogioso, é fácil considera-la uma mera gentileza, ou mesmo adulação. Mas quando alguém nos elogia pelas costas, o mais provável é que esteja falando a sério.
Quando pessoas atribuladas falam comigo à procura de conselhos, geralmente estão profundamente acabrunhadas. Para elas, o mundo está cheio de problemas e de desgraças – e não há nada que elas possam fazer. “Você está enganado”, digo-lhes. “Há algo simples, direto e imediato que pode fazer. Adquira o hábito de repetir para as pessoas qualquer coisa agradável, elogiosa e boa que ouça a respeito delas. Passe a palavra adiante nas 24 horas seguintes, para não esquecer. Quanto mais freqüentemente estes lampejos de boa vontade brilhares à volta, menos serão as emoções poluidoras, como medo, solidão e hostilidade. Você próprio ficará espantado quando descobrir como se sente assim muito melhor!”
E, realmente sentem-se melhor, porque dar um prazer é a melhor forma de ter prazer.
Há um provérbio árabe que resume tudo com extrema clareza: Abençoado quem diz algo carinhoso, três vezes abençoado quem o repete.
Porque então não sermos nós três vezes abençoados?

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