sexta-feira, maio 26

Dá de ti quanto puderes

Fonte : Revista Seleções
Data : 1959
Autor : David Dunn

Como a maioria das pessoas, acostumei-me desde criança a considerar a vida como um processo de obter coisas. A idéia de dar de vez em quando veio-me por acaso. Uma noite, deitado em um leito no luxuoso expresso Nova York – Chicago, conhecido como Twentieth Century Limited (Século Vinte Limitado ), pus-me a pensar em que ponto os dois expressos daquela companhia se cruzariam no meio da noite. “Isso daria bom assunto para um anúncio da Estrada De Ferro Central de Nova York”, pensei, “Onde os Séculos se encontram.” Na manhã seguinte escrevi à companhia expondo a minha idéia e acrescentando: “Ofereço-lhes esta idéia incondicionalmente. Não quero nada em troca.” Recebi uma resposta corres, e a informação de que os Séculos se cruzavam nas imediações de Athol Springs, Nova York.
Alguns meses depois recebi uma segunda carta informando-me que a minha idéia seria o tema da folhinha da Estrada De Ferro Central de Nova York para o ano seguinte.
Naquele verão eu viajei muito, e em quase toda estação, hotel ou agência de turismo que entrava, até na Europa, eu via a minha folhinha: uma visão noturna da locomotiva de um expresso se aproximando, e a plataforma de observação do outro, uma cena rica em colorido e romantismo ferroviário. Essa folhinha nunca deixou de me dar um certo prazer íntimo.
Foi então que eu fiz a importante descoberta de que tudo o que nos dá esse prazer íntimo está acima de considerações monetárias neste mundo, onde há tanta sofreguidão por dinheiro e tão pouca exultação íntima.
Passei a fazer experiências de dar e descobri que isto é muito divertido. Se me ocorre uma idéia capaz de melhorar a arrumação de uma vitrina, entro na loja e faço a sugestão ao proprietário. Se presencio algum incidente cujo relato possa interessar do padre católico de minha diocese, procuro-o e lhe conto o caso, muito embora eu não seja católico. Se descubro algum artigo que possa interessar a algum estadista, mando-lhe o artigo pelo correio. Às vezes até mando livros a estranhos quando me parece que uma ‘descoberta’ feita por mim possa interessa-los. Muitas amizades boas começaram assim.
Mas o processo de dar precisa ser cultivado, da mesma forma que o processo de obter. As oportunidades nesse setor são tão passageiras como as oportunidades de obter lucros. Mas a concepção do abrir as mãos é como certas variedades de flores – quanto mais as colhemos mais elas florescem. E o dar torna a vida tão interessante que eu o recomendo decididamente como passatempo. Não é preciso dinheiro para isso. De todas as coisas que uma pessoa pode dar, o dinheiro é a menos permanente no prazer que produz e a que é mais passível de dar resultados contraproducentes. Teve muita razão o filósofo quando disse que “o melhor presente é uma parte de ti mesmo”.
Cada um de nós tem uma coisa diferente para dar. Alguns tem tempo, energia, competência, idéias; outros tem aptidões especiais. Todos nós podemos dar apreciação, interesse, estímulo – coisas que não requerem gastos em bens materiais, salvo um selo de correio ou uma chamada telefônica.
Às vezes seremos tentados a conter-nos. Uma dia ocorreu-me uma idéia que me pareceu poder interessar alguma loja de departamentos. “Mas esta idéia vale dinheiro”, pensei. “Vou experimentar vende-la”.
“Não vais fazer nada disso”, objetou o meu segundo eu. “Não vais gastar tempo apregoando uma idéia: vais dá-la de graça e livrar-te dela”.
Escrevi então a uma das mais famosas lojas de departamentos do mundo, expondo a minha idéia e oferecendo-a de graça. Foi imediatamente aceita, e hoje tenho uma grande loja como amiga.
O simples elogio é uma das formas mais aceitáveis de dar. Descobri que os escritores, os atores, os conferencistas, os funcionários públicos – mesmo os maiores – vivem famintos de expressões de aprovação genuína. Costumamos pensar que eles vivem sufocados de elogios, quando na verdade vivem de migalhas. A publicidade dirigida, que funciona para mantê-los na ordem do dia, não os aquece. O que eles desejam ardentemente é a apreciação espontânea, humana, cordial, do povo ao qual procuram servir.
Outro dia estive no refeitório de um hotel onde tocava uma orquestra. Era uma boa orquestra, com um bom repertório, bem executado. Ao passar pelos músicos, na saída, parei e disse:
- Senhores, apreciei imensamente a música.
Por um segundo eles ficaram espantados, mas depois todos se abriram em sorrisos, e deixei-os satisfeitos com seus instrumentos. Devido a isto o meu dia também correu muito melhor.
Descobri também que é quase impossível dar qualquer coisa neste mundo sem receber alguma coisa em troca – contanto que a pessoa nada espere obter. Geralmente a recompensa vem de uma forma inesperada, provavelmente meses ou anos depois.
Por exemplo, um domingo pela manhã o correio do meu bairro entregou-me uma carta expressa importante em minha residência, embora estivesse endereçada para o meu escritório. Escrevi ao chefe da agência elogiando-o pela iniciativa. Mais de um ano depois precisei de uma caixa postal para um novo negócio que eu estava iniciando. Disserem-me no guichê que não havia caixas vagas, que o meu nome teria que ficar aguardando a vez numa longa lista. Eu já ia saindo quando o agente apareceu à porta. Ele tinha ouvido a conversa.
- Não foi o senhor que nos escreveu há um ano mais ou menos sobre uma carta expressa que foi entregue em sua residência?
Confirmei.
- Pois o senhor vai ter a sua caixa postal, nem que eu tenha de fazer uma. O senhor não sabe o valor que uma carta daquelas tem para nós. Geralmente só nos escrevem para reclamar.
Deram-me uma caixa na mesma hora.
Depois de anos de experiência, eis como me sinto a respeito do meu passatempo: tenho um emprego que me dá para viver; porque vou então regatear com o mundo as idéias e impulsos que me vêm? Que o mundo os utilize, se tiverem algum valor. A minha recompensa está em sentir que sou parte da vida do meu tempo, que estou fazendo o que posso para tornar as coisas mais interessantes para outras pessoas. E isso torna a minha vida mais interessante e a minha mente mais viva.
Como se isso não chegasse, verifico que os amigos se multiplicam, quê as coisas boas vem a mim de todas as direções. Estou convencido de que o mundo insiste em compensar os que dão – desde que a ele não estendam as mãos para receber recompensas.

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