terça-feira, maio 2

Como eram os cowboys de verdade

Fonte : Revista Seleções
Data : setembro de 1977
Autor : William H. Forbis

A imagem dele era a de um sujeito durão, incansável no cavalgar e rápido no gatilho, e é assim mesmo que ele aparece nos livros e nas pinturas do Velho Oeste. Muitos dos cowboys realmente domaram cavalos selvagens e alguns lutaram mesmo contra índios ou atiradores de laço, mas o verdadeiro cowboy norte-americano era com mais freqüência um trabalhador sujo e cansado, que derretia os ao sol da pradaria ou cavalgava quilômetros sem fim, sob chuva ou vendo, para cuidar do gado, antipático e teimoso, sempre sujeito ao pânico.
Sua época de glória não vai além de uma geração, desde o fim da Guerra da Secessão até meados da década de 1880, quando o tempo ruim e a má administração das pastagens, o uso do arame farpado e o baixíssimo preço pago pela carne puseram termo ao velho sistema das longas e livres viagens desde as zonas de pasto até o local da venda.
Neste breve intervalo, o número de cowboys que conduziam o gado através das Grandes Planícies não atingia 40 mil, com o vaqueiro médio tratando da manada apenas durante sete anos, antes de se estabelecer definitivamente na cidade ou em seu próprio rancho.
A irmandade dos vaqueiros era constituída por todo tipo de homens. A maior parte deles era surpreendentemente jovem ( a média de suas idades rondava aos 24 anos). Muitos eram mexicanos, índios ou negros; outros, antigos soldados da União ou Confederados. O nível de instrução do cowboy pode avaliar-se pela observação de um rapaz do Texas que disse: “Bem, quando vi que conseguia mungir uma vaca e fazer umas garatujas na lousa, achei que já estava ficando sábio demais para continuar na escola.”
O elemento básico da função e identidade do cowboy era o cavalo. Na realidade, poucos cowboys possuíam cavalos. Suas montarias eram fornecidas pelo rancho em que trabalhavam. As relações entre o homem e o cavalo – mais do que um caso de amor entre um patrão benevolente e um fiel servidor – eram uma questão de conveniência. A maior parte dos cowboys era categórica em sua opinião de que “um homem a pé não é homem nem nada”. Como disse o vaqueiro Jô Mora, cowboy sem cavalo “não passa de um mero ser humano de pernas tortas, que, às vezes, cheira a cavalo., dorme de camiseta e ceroulas e está sujeito a furúnculos e dispepsia”.
Outra coisa de que o cowboy se orgulhava era de sua arma. Eles tinham consciência da aura de virilidade mortal que as armas de fogo lhes conferiam e traziam-nas consigo, sempre que iam encontrar uma garota, certos de que com isso iriam impressiona-las. No entanto, procurando mostrar-se valentes, alguns pareciam apenas ridículos.
Um homem de Montana lembrava-se de um parente cowboy que regressou da cidade baleado. Dir-se-ia que fora ferido numa briga de bar. Nada disso: o pobre vaqueiro tinha disparado contra si mesmo, embora não gravemente, quando um fotógrafo lhe entregou a arma para que ele pudesse posar com um aspecto aguerrido para a família.
Lar na pradaria. O cowboy portava-se com uma espécie de pungente orgulho, perfeitamente convencido de que era o aristocratas dos trabalhadores do Oeste. Um inglês que visitou um amigo num rancho de Wyoming descobriu essa característica quando perguntou ao capataz: “O seu patrão está em casa?” Ele encarou-o bem de frente e respondeu: “O filho da mãe ainda não nasceu.”
O estoicismo era uma particularidade profundamente enraizada entre os vaqueiros. Queixar-se era considerado pouco profissional. Isso irritava os outros e não granjeava nenhuma simpatia. No entanto, poucas profissões havia com mais razões de queixa. Em qualquer dia, um cowboy podia encontrar-se no meio de um incêndio na pradaria, na areia movediça ou num estouro da boiada; podia ser cuspido de cima do cavalo ou escoiceado, atacado por uma vaca ou ficar meio enregelado no inverno à procura do gado tresmalhado. O fato de terem de suportar extremos de temperatura provocava-lhes muitas vezes pneumonia – uma das principais causas de morte entre os cowboys, assim como acidentes de cavalo ou fulminação por raios.
Os sentimentos de maior reverência nos cowboys dessa época vitoriana eram reservados à mulher, isto é, às moças de família entre as mulheres. Tratava-se de uma reverência distante. O casamento era uma maneira de viver que quase todos os homens tinham de evitar enquanto fossem cowboys, porque andavam sempre de um lado para o outro; eram poucas as moças de família, e o salário pequeno demais para eles poderem sustentar uma família. Apesar disso, sempre que iam a algum lugar, procuravam uma prostituta ocasional nas cidades de gado, mas suspiravam pela companhia de mulheres virtuosas.
Conta-se que um jovem cowboy solitário andava quilômetros “apenas para se sentar no portal de uma casa durante uma ou duas horas, ficar olhando a filha de um colono qualquer, de faces coradas, balançar numa cadeira e coçar os cotovelos, sem um beijo ou um abraço qualquer”.
Seu dormitório pouco mais era do que uma favela rural; geralmente não passava de uma cabana de tábuas toscas ou de troncos de choupo. Fosse qual fosse a construção, todos eles tinham uma característica comum que os tornava instantaneamente reconhecíveis; o cheiro.
O fedor que atingia as pessoas que por ali passassem era uma mistura de suor humano, estrume seco de vaca, alcaçuz dos nacos de fumo de rolo, velhas botas de trabalho e fumaça de lanternas de querosene ou de velas de sebo. Tais lugares apresentavam-se uniformes também quanto ao aspecto, num estado crônico de desarrumação. As roupas eram “dependuradas no chão”, como disse um historiador da vida dos cowboys, “para não caírem e perderem-se”.
Apesar do desconforto e da solidão, os cowboys conseguiam suportar a dura rotina da vida no dormitório e a filosofia básica das terras de pastagem em que ela assenta, pois cada um deles estava consciente de que se instalava um rancho para a criação e o bem-estar das vacas e não de pessoas. Se não estivesse fazendo hora ali pelo dormitório, ele sabia que poderia estar quase todo o tempo, até mesmo meses a fio, guardando gado e fazendo dezenas de outros trabalhos sujos ou monótonos muito pouco semelhantes a qualquer versão cinematográfica da vida de um cowboy.
Trabalho e contratempos. A longa viagem com o gado era a maior e mais árdua aventura da vida dos cowboys. Era o acontecimento culminante de sua vida profissional, a possibilidade de mostrarem suas proezas, acompanhando grandes manadas desde as pastagens, onde valiam quatro dólares, até um local de venda, onde podiam alcançar o valor de 40 dólares por cabeça.
Fosse a manada de 500 ou de 2.500 cabeças, cada viagem tinha sua parte de trabalho árduo e de contratempos. Os novilhos afogavam-se nos lugares mais profundos ao atravessarem os rios; os índios estavam constantemente pedindo ou roubando vacas; os colonos expulsavam a tiro as manadas de suas terras; raramente havia água suficiente para o gado, e as horas de sono era poucas para os vaqueiros extenuados. Durante a viagem, um vaqueiro podia trabalhar 18 horas por dia, sete dias por semana, e era capaz de andar quase 3.000 km sem outro conforto que não a fogueira do acampamento e sua cama de enrolar.
No entanto, o cowboy ia de boa vontade. Pouco importava que, como compensação por três ou quatro meses de poeira , sede, bolhas, frio e perigos, recebesse uns escassos 100 dólares em dinheiro – o que mal dava para um chapéu novo e um par de botas enfeitadas. Aquela vida tinhas suas compensações; a camaradagem no caminho, a satisfação de vencer a mais dura prova e talvez também uma orgulhosa sensação de partilhar algo de fundamental, de grande. Desafios e emoções desse gênero, ligados em alguns casos à premente necessidade de ter um emprego, lançavam os cowboys nesta carreira.
A situação mais perigosa durante a viagem era quando o gado, tomado de pânico, se punha em fuga durante a noite. Mil coisas podiam provocar o estouro da manada, desde o estrondo de um trovão na pradaria até a chama de um fósforo quando um cowboy acendia o cigarro. Incrível que pareça, o gado em fuga não emitia nenhum mugido. Um vaqueiro que estivesse dormindo apercebia-se subitamente de um retumbante tropel, a terra tremendo sob seu corpo. Compreenderia que o gado tinha estourado, e, quando o chefe gritava “Todos os vaqueiros e o cozinheiro!”, o grupo corria tropeçando na escuridão para montar a cava.o o gado, embira à primeira vista magro e desajeitado, corria a velocidade surpreendente, com os cascos ressoando na terra e os chifres se chocando à medida que disparavam por ali afora. Um estouro de boiada parecia, nas palavras de um cowboy, uma “tempestade de chifres e caudas”.
Dois ou três cowboys, usualmente os melhores cavalheiros, esporeavam com força os cavalos para se porem à frente do gado. Em seguida, dependendo unicamente da “destreza das patas do cavalo para evitar perigos constantes”, refreavam a marcha para reduzir a velocidade da investida. Ao cabo de cinco ou seis quilômetros terríveis, o gado habitualmente começava a formar círculo e, depois, a andar à roda. Para os vaqueiros, esse era um dos momentos mais perigosos, com a manada tão apinhada que, se um cavaleiro fosse apanhado no meio dela, podia ser derrubado de sua montaria e pisoteado até a morte.
O fim da viagem. Quando os cavaleiros, numa longa viagem, subiam a última colina e viam a distância os sinais de fumaça das lanternas tremulantes que assinalavam o fim da viagem, sentiam uma onde de quase irreprimível desejo. Durante meses, aqueles homens só se haviam banhado em águas lodosas no vai dos rios, e tinham o aspecto e o cheiro de um verão inteiro em cima da sela. Agora, com a cidade pecuária finalmente à vista, todos eles sabiam o que desejavam, acima de tudo, e não era uma bebida nem uma mulher: queriam sentir-se de novo limpos.
Barbeado e depois de um banho de água quente numa tina de pensão, o cowboy ia representar seu clássico papel de valentão gastador e beberrão. Na realidade, cowboy havia que, na bebedeira do fim da viagem, sucumbia, à ébria compulsão de demonstrar sua virilidade com um revólver de seis balas. Não obstante, embora o jogo das pistolas viesse, de uma maneira ou de outra, a ser o mais espetacular e mais popular símbolo do cowboy, o clássico duelo de pistolas foi praticamente uma invenção dos romancistas baratos e do jornalismo sensacionalista do século XIX; na prática, poucas dessas contendas se deram. A maior partes das lutas com armas de fogo não eram entre cowboys, mas entres os que se dedicavam ao jogo, os bandidos e os criminosos profissionais que cruzam as sendas escuras de qualquer sociedade.
Os cowboys, como outros norte-americanos do século XIX, adoravam ter aquela imagem dourada do Velho Oeste. Alguns vieram a gostar tanto dessa fanfarronice que chegaram a inventar incidentes de falsa violência para impressionar crédulos visitantes idos do Leste.
Um lance predileto nas cidades com estrada de ferro era o linchamento simulado. O vaqueiro Teddy Blue Abbott lembrava uma cena dessas, improvisada, que ele e alguns vaqueiros seus amigos representaram perdo da estação de Fort Kearny, da Estrada de Ferro Union Pacific. Fizeram um boneco, passaram-lhe uma corda pelo pescoço e, no momento preciso em que o trem chegava, atiraram a corda para um braço de um poste telegráfico e içaram o boneco. Enquanto os passageiros, aterrados, ficavam boquiabertos, os “vigilantes” atiravam no boneco, que balançava, cortavam a corda e saiam arrastando sua vítima de palha pela planície afora, a galope, continuando a criva-la de balas. No trem, as mulheres desmaiavam, as crianças choravam e um passageiro, bom cidadão, correu à estação para telegrafar a notícia do crime à capital do estado de Nebrasca.
O código do Oeste pertencia agora à lenda e àquilo que alguns homens de negócios astutos compreenderam ser um produto rentável. Entre os primeiros a aproveitarem-se disso, encontram-se os editores de romances baratos, oferecendo a seus leitores bateladas de livros sobre os grandes feitos do Oeste. Alguns homens de iniciativa, particularmente Willian F. (Búfalo Bill) Cody, regalaaram o público do Leste exibindo verdadeiros cowboys de carne e osso. Esses espetáculos ao vivo, juntamente com os relatos romanceados dos viajantes pelo Oeste, impuseram para todo o sempre a imagem popular da vida fascinante do cowboy.
Os cowboys, é claro, continuaram a cooperar na perpetuação de seu próprio mito. O espírito de renúncia, não fazia parte da natureza dos cowboys, pois homens humildes não se agüentariam muito tempo nas Grandes Planícies. E se os cowboys procuraram viver em harmonia com sua imagem de heróis da mais ousada saga dos Estados Unidos, e se ficaram imortais, foi apenas por acreditarem merecer essa imortalidade. Talvez tivessem razão.

Um comentário:

Brunelli disse...

Muito bom! Hollywood nos ensinou toda uma mística em volta do cowboy. Agora é impossível tirar isso de nossas mentes.