quarta-feira, maio 31

Nossa cachorrinha portátil

Fonte: Revista Seleções
Data : Agosto de 1981
Autor : Jocelyn Reichel

Nossos quatro filhos já eram adultos e viviam longe de casa. Eu ensinava inglês; Everett, meu marido, trabalhava de noite, e eu me sentia muito só. Vai daí um dia voltei para casa carregando uma chihuahua de 680g na bolsa. Everett resmungou: Isso é um projeto de cachorro.”
“Ela vai crescer”, respondi. “Só tem seis semanas.”
“Antes disso vai ser sugado pelo aspirador”, profetizou ele. “De que raça é ela?”
“É uma chihuahua de pêlo comprido. Vamos receber o pedigree dela dentro de poucos dias.”
“E o pêlo comprido? Quando vai chegar?”
“Dentro de uns seis meses começa a crescer.”
“Bem, até lá é melhor a gente arranjar uma peruca para ela. Está tiritando de frio.”
Eu tinha de desculpar a falta de entusiasmo de Everett. Os homens gostam sempre de se imaginar caminhando orgulhosamente com uma manilha de setters ruivos pulando em volta. Não se pode amarrar uma trela em 680g de cachorro e caminhar com dignidade.
Mas eu havia pesquisado exaustivamente as possibilidades. Para pessoas da nossa idade, que moram num apartamento durante a semana e num trailer o resto do tempo, uma cachorrinha portátil era o animal de estimação mais indicado.
Na manhã seguinte, tentei despertar o interesse de Everett. “Temos de batizar nossa cachorrinha”, lembrei-lhe. “Deveria ter um nome especial. Afinal, ela é de origem mexicana.”
“Que tal Tortilha? Enchilhada? Taco?” sugeriu ele, inspirando-se na sua única incursão a um restaurante mexicano. “Não ria! Você também não sabe espanhol!”
“Sei poquito”, admiti.
“Poquito....”, repetiu ele. “Já que essa cachorrinha é mesmo minúscula, acho que é um nome perfeito para ela!”
Poquito, sabendo tanto espanhol como nós e querendo nos agradar, aprovou imediatamente esse nome. Também atendia quando Everett chamava “Èi, você aí”, ou simplesmente “Psiu”. Para ele, a bichinha era uma espécie de enfeite, uma cachorrinha da madama. Procurava não a pisar, mas eu não devia esperar que ele fizesse mais nada além disso.
Um dia perguntei-lhe se a levaria ao veterinário para ser vacinada. “Foi você quem a comprou”, respondeu. “Você que a leve”.” Evitou cuidadosamente olhar para Poquito enquanto pronunciava esse ultimato. Ela estava enroscada sobre o pé dele, abanando a cauda.
“Não posso, Everett. Não suportaria ver o veterinário dar injeção na bichinha.”
“Está bem, mas é só desta vez”, retrucou ele.
Quando voltaram, notei entre os dois uma camaradagem da qual eu estava excluída. Everett, entretanto, jamais admitiria isso; simplesmente largou Poquito no meu colo e recomeçou a ler o jornal.
Dias depois, Everett pendurou um ursinho de pelúcia no abajur, para Poquito pular e bater no brinquedo. Respondeu aos meus elogios com um simples comentário: “Ela andava chateada e sempre me seguindo para subir no meu colo.”
Na semana seguinte, descobri que uma plataforma fora instalada no peitoril da janela da sala de estar, de modo que Poquito pudesse tomar sol e latir para os passantes. Uma rampa acolchoada facilitava o acesso à plataforma.
“Não vou continuar me levantando toda vez que esse animalzinho quiser olhar pela janela”, explicou meu marido.
Quando a primavera chegou, pegamos nossas bicicletas, Everett atou uma correia numa cestinha e amarrou-a ao guidão da bicicleta dele. “Ela fica mais segura comigo”, explicou. Em pouco tempo, Poquito apaixonou-se pelo esporte. Debruçando-se contra o vento, com os olhos semicerrados, as orelhas dobradas para trás, ela parecia um desses enfeites de capô de carro.
No entanto, não era apenas decorativa. Com Poquito na vanguarda, nós estávamos livres de cães perseguidores de bicicletas. Eles até fugiam, assustados com os latidos histéricos da nossa mexicana temperamental.
Deve ter sido o ardente coração asteca de Poquito que quebrou as últimas resistências de Everett. Quando sugeri que a deixássemos com um dos nossos filhos enquanto partíamos para uma viagem de férias pelo Arizona, ele disse logo: “Não é preciso, ela é uma boa companheira de viagem.”
Construiu para a cadela uma assento acolchoado e montou-o entre nós dois, de modo que ela pudesse ter uma bela vista da auto-estrada durante todo o percurso, enquanto eu via Everett apenas quando parávamos para encher o tanque e comer. Ela deliciava-se com as latas de comida de cachorro e apreciava muito os quartos dos motéis. Everett descobriu que todas as moças achavam Poquito muito simpática, e levava-a a passear até ela ficar exausta.
Poquito já estava conosco havia cinco anos quando caiu e fraturou o joelho. Teve de ser operada e ficou 11 dias hospitalizada. Everett e eu nos re-descobrimos, como nos primeiros dias depois que nosso último filho sair de casa. Começamos a conversar em tête-a-tête em vez de através de Poquito (“Poquito, que é que mamãe está preparando para o jantar?” ou “Poquito, vá dizer ao papai que nós gostaríamos de um passeio”). Descobrimos que nos sentávamos mais juntos no sofá agora que não tínhamos de deixar lugar para ela.
“Por onde andou você estes últimos anos?” caçoou Everett.
“A uma cachorra de distância”, respondi.
“Você quer dizer que Poquito estava se intrometendo entre nós?”
“É mesmo. Eu acho que sim. De cada vez que sentia necessidade de afeto, você acariciava Poquito.”
“De agora em diante, declarou Everett, “manteremos as coisas na devida proporção. Poquito irá para a cama mais cedo. Contrataremos uma babá e assim poderemos sair mais à noite.”
As promessas de Everett duraram até o dia em que nossa convalescente voltou do hospital. Ela estava mais magra, e sua perna raspada e cicatrizada sobressaia horrivelmente. Eu fui para o lado direito do carro, mas Everett me fez parar e tirou Poquito dos meus braços.
“Você dirige”, ordenou ele. “Eu seguro a pobrezinha.”
Nessa noite, levantei-me para verificar o estado da paciente. Eu a instalara na sua cestinha sobre uma almofada depois de envolve-la num cobertor de flanela, mas ela não estava lá. Fui descobri-la ao lado de Everett, profundamente adormecido no sofá. Enquanto eu admirava o espetáculo, Poquito piscou lentamente os olhos.
“Sua sabidona!” murmurei, ajeitando a coberta em torno dos dois. Já dizia São Bernardo: “Qui me amat, amat et canem meum” (“Quem me ama também ama o meu cão”).

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